A energia custa mais do que mostra a conta de luz

A energia custa mais do que mostra a conta de luz

Se tudo continuar como está no setor elétrico, a sociedade brasileira arcará com um custo cada vez maior para manter o sistema. E não é só o bolso do consumidor residencial que sente, o setor produtivo e os cofres públicos também são impactados. O custo desse insumo interfere na produtividade e competitividade da indústria, que já paga uma das tarifas mais caras do mundo. Ao mesmo tempo, o governo abre mão de receita tributária dando subsídios e incentivos cruzados. No final, o país perde.

Para evitar esse processo, se faz necessária uma detalhada e transparente discussão sobre a composição dos custos e benefícios da matriz elétrica brasileira. Com o objetivo de contribuir com esse debate, o Instituto Escolhas lançou uma metodologia inédita para o cálculo do custo total da geração de energia no Brasil. O levantamento coloca em números os custos até então não explicitados da energia gerada, contabilizando também a vantagem específica advinda de cada fonte – pequenas centrais hidrelétricas, eólica, solar ou aquela obtida por combustíveis fósseis e biomassa.

A principal inovação da pesquisa é criar uma valoração adequada de atributos, como infraestrutura, custos de investimento e operação e os relacionados à emissão de gases de efeito estufa. Ao final, o estudo obtêm os reais custos e benefícios de cada fonte e revela, em primeira mão, qual o peso das isenções, incentivos e subsídios na composição dos preços da energia gerada por cada fonte.

Para o cálculo, a pesquisa soma o valor de cada atributo mensurado, dando-nos ao final o preço do MWh de cada fonte. Este método possibilita a decomposição do preço com ou sem o custo para a sociedade, tanto dos subsídios e incentivos, quanto da emissão de CO2.

O levantamento aponta que os subsídios são um componente dos custos de energia que potencialmente causam distorção na precificação das fontes. Normalmente, são tratados como subsídios apenas os descontos de encargos dados ao gerador ou aos consumidores de energia. O estudo inova ao incluir outros fatores na mensuração dos subsídios, como o desconto obtido segundo o regime tributário no qual se insere a empresa, ou ainda as taxas de juros diferenciadas oferecidas por instituições financeiras públicas a algumas fontes. Logo, a origem do subsídio pode ser distinta, como encargos setoriais, tributos ou financiamento, mas todas as fontes analisadas recebem algum desconto. Hoje, as fontes que mais recebem subsídios e isenções são solar, eólica e pequenas centrais hidrelétricas.

No caso das termelétricas, os descontos ocorrem nas taxas de financiamento. Pelos cálculos, a termelétrica a gás (ciclo aberto) flexível no Sudeste recebe financiamento subsidiado por bancos públicos cujo custo é de R$ 45/ MWh, o qual é arcado pelos contribuintes. Assim, o custo final do MWh desta fonte é de R$ 412, mas poderia ser R$ 367.

Já as solares, eólicas e biomassa têm com principal fonte de abatimento a modalidade de tributação na qual se enquadram (lucro presumido). Para as solares no Nordeste o abatimento chega a R$ 40/MWh. Para eólicas no Sudeste, R$ 28/MWh. E no caso da biomassa, R$ 16/MWh. Sem esta diferença no regime tributário, estas fontes não contariam com os descontos advindos das reduções da base de cálculo e do pagamento de PIS/Cofins. Mais uma vez, quem paga esta diferença é o contribuinte.

Novas energias renováveis têm vantagem comparativa e trazem benefícios para a sociedade

No fim, o ônus dessa política de subsídios é distribuído para toda a sociedade. O custo total do subsídio dado ao setor elétrico é transferido aos geradores (2%, devido aos encargos de Pesquisa & Desenvolvimento pagos somente por algumas fontes); consumidores (18%, referente ao abatimento na Tarifas de Uso do Sistema de Transmissão – TUST) e contribuintes (80%, devido aos descontos advindos da modalidade de tributação, ICMS e financiamentos.

A pergunta que fica é: por quanto tempo esses subsídios ainda precisam acontecer e em que situações ele deve ser mantido?

Tomemos como exemplo a produção de energia eólica no Nordeste, que tem batido recordes recorrentes, mas há 10 anos era quase nula. A região passa por uma grave crise hídrica, com consequências diretas na produção da energia hidrelétrica. Portanto, se não houvesse esse planejamento do setor – e os subsídios ou incentivos que tiveram como objetivo tornar a fonte eólica mais competitiva -, hoje o Nordeste teria que recorrer com mais frequência às termelétricas, o que aumentaria o custo e a conta dessa geração.

A resposta passa pela discussão sobre a atual política de subsídios e a remuneração das características positivas de cada fonte, tais como a baixa emissão de gases de efeito estufa e o menor impacto com obras de infraestrutura. Essas características representam uma vantagem comparativa das novas renováveis e um benefício para a sociedade.

A questão é complexa, mas o setor tem manifestado interesse em encarar esse desafio. Cabe agora ao novo governo a tomada de decisão que orientará os rumos da política energética do país, principalmente nesse momento em que o Brasil enfrenta uma violenta recessão econômica, com muito desemprego, crise fiscal e uma carência imensa de atividades do Estado que precisam de financiamento.

O levantamento mostra, de modo sistemático, que o planejamento deve se dar com equilíbrio, avaliando as vantagens e desvantagens de cada fonte energética. E apresenta com transparência a estrutura de subsídios para que a sociedade, munida minimamente de informações, possa participar dessa escolha.

A diversificação e competitividade da matriz elétrica brasileira não pode limitar-se exclusivamente ao incentivo de instituições públicas. O alinhamento do país a uma estratégia sustentável, que requer a mudança de perfil da produção energética, também precisa ser financeiramente eficiente. Só com responsabilidade o país poderá orientar-se diante das grandes discussões do século XXI. É esse debate – muito além do interesse específico de cada setor – que precisa ser feito.