Alternativas à judicialização do setor elétrico

Alternativas à judicialização do setor elétrico

Thaíssa Rodrigues*

A judicialização do setor elétrico é tema de grande relevância e preocupação nos dias de hoje. O referido assunto, todavia, não é recente.

Desde a década de 90, em meio ao cenário de privatizações, já era perceptível o crescimento das ações judiciais que versavam sobre o setor elétrico, tendo adquirido maior intensidade e notoriedade a partir de 2013.

Desde então, inúmeros são os impasses travados pelos agentes, e não solucionados de forma satisfatória na esfera administrativa, em que o Poder Judiciário se vê apreciando questões das mais diversas sobre o setor elétrico, como: (i) risco hidrológico, atrelado à insuficiência de geração das usinas hidrelétricas participantes do Mecanismo de Realocação de Energia- MRE diante da garantia física total; (ii) pagamento de indenizações das transmissoras afetas à Rede Básica do Sistema de Transmissão Existente -RBSE; e (iii) prorrogações das concessões de geração de energia elétrica à luz das regras anteriores à Lei nº 12.783/2013, oriunda da Medida Provisória nº 579/2012.

No que se refere ao risco hidrológico, encontra-se em tramitação no Senado Federal o Projeto de Lei nº 3.975/2019 (Projeto de Lei nº 10.985/2018 na Câmara dos Deputados) que visa, dentre outros pontos, propor ao gerador hidrelétrico a repactuação de tal risco mediante prorrogação do contrato de concessão das suas usinas, em contrapartida ao pagamento das despesas com o GSF (Generation Scalling Factor). A proposta de repactuação do risco hidrológico foi um mecanismo impulsionado pelo atual governo visando combater o excessivo grau de judicialização do setor elétrico. Contudo, até o presente momento, não há expectativa de solução definitiva sobre o tema pelo Congresso Nacional.

Esse crescimento exponencial da judicialização do setor pode ser justificado pela discricionariedade técnica de tais decisões proferidas pelo Poder Judiciário, afetas à esfera administrativa e de competência das Agências Reguladoras, como também pela quantidade assombrosa de normativos que regulamentam o setor elétrico de forma esparsa e altamente complexa.

Não por menos, cada vez mais se verifica um Judiciário decidindo sobre questões extremamente técnicas sobre o setor elétrico (e.g. risco hidrológico, pagamento de indenizações das transmissoras da RBSE, prorrogações das concessões de geração de energia elétrica, pagamento da Conta de Desenvolvimento Energético- CD, etc.), a partir de liminares que, inevitavelmente, geram efeitos diretos e imediatos na esfera administrativa e em todo o sistema.

Além disso, há que se considerar que a existência de normas esparsas, aliada à complexidade do setor elétrico, dificultam o domínio pelos agentes e pelo Poder Judiciário sobre as questões técnicas regulatórias e administrativas, o que contribui para o aumento da judicialização, e, sobretudo, para a proliferação de decisões judiciais carentes de tecnicidade sobre o assunto.

Prolongar esse cenário no médio ou longo prazo tende a gerar instabilidade do mercado e estimular um sentimento de insegurança por parte dos investidores, que passarão a adotar medidas mais conservadoras no momento da aplicação dos seus investimentos em ativos do setor elétrico.

Diante de tal fato, algumas alternativas podem ser levadas em consideração para combater o processo desenfreado de judicialização do setor elétrico e reverter a instabilidade do mercado: (i) aprimoramento técnico das decisões judiciais sobre o setor elétrico; (ii) revisão da regulamentação aplicável ao setor pela Agência Reguladora e demais órgãos regulatórios competentes; (iii) compilação dos normativos esparsos sobre matérias afetas ao setor; (iv) incentivo ao diálogo entre agentes e órgãos competentes para alinhamento de assuntos técnicos inerentes ao setor elétrico; e (v) promoção de mecanismos alternativos à judicialização para solução dos conflitos, como a utilização de arbitragem em matérias que envolvam direitos patrimoniais disponíveis.

A aplicação de tais alternativas no médio prazo contribuirá para a existência de decisões administrativas e judiciais mais claras e fundamentadas tecnicamente (tornando o sistema de freios e contrapesos – checks and balances– mais eficiente entre os poderes), bem como tornará as normas regulatórias do setor mais compreensíveis pelos agentes. Aliado a isso, a promoção do diálogo entre agentes e órgãos reguladores, associada à possibilidade de utilização de outros mecanismos de solução de controvérsias, também podem ser consideradas peças essenciais para a redução da judicialização do setor elétrico.

Thaíssa Rodrigues é advogada na área de Direito Regulatório com foco em energia elétrica