Aneel estuda medidas para evitar calote e aumentar segurança no mercado livre

Aneel estuda medidas para evitar calote e aumentar segurança no mercado livre

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) prepara pacote de medidas para aumentar a segurança no mercado livre de energia, em reação aos calotes de comercializadoras que venderam energia sem lastro. Duas delas quebraram nas últimas semanas. O objetivo é impedir que comercializadoras com capital social mínimo de R$ 1 milhão operem contratos sem limites de alavancagem e sem a obrigação de apresentar garantias.

Dentro desse pacote, as liquidações das operações do mercado de curto prazo de energia, hoje realizadas mensalmente, com atraso de dois meses, passarão a ser semanais em 2020, disse ao Valor André Pepitone, diretor-geral da Aneel.

As mudanças são uma reação do regulador à crise recente das comercializadoras. Duas delas comunicaram aos clientes que não entregariam a energia vendida porque não tinham contratos que garantissem a entrega. Iriam comprar no mercado à vista (spot), mas a disparada de preços neste início de ano pegou o setor de surpresa.

Os critérios para homologação de novas comercializadoras ficarão mais rígidos, com exigência de capital mínimo integralizado, e será obrigatória a realização de auditorias no balanço das empresas. “A resolução da Aneel com as regras para que um agente se torne comercializador de energia vai passar por um aprimoramento”, disse.

Essas auditorias serão feitas por empresas com atuação reconhecida no mercado, como as consultorias KPMG, E&Y, PricewaterhouseCoopers (PwC) e Deloitte.

O número de comercializadoras cresceu nos últimos anos. Entre 2017 e 2018, houve expansão de 23,3%, para 270 empresas. Ao fim de janeiro, eram 272, com 54 em processo de adesão, segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).

“Não estamos num processo inovador, estamos usando experiências bem sucedidas e incorporando para agregar segurança ao mercado”, disse Pepitone, se referindo ao funcionamento do mercado de capitais. A exemplo do que acontece na bolsa, será obrigatório que uma certificadora de corretora de valores audite e fiscalize cada contrato bilateral do mercado livre – hoje eles são feitos sem controle, muitos sendo de gaveta.

“Ainda vamos ver a modelagem para isso, se a CCEE contratará o serviço. Todos os contratos no ambiente livre serão auditados, todas as comercializadoras serão auditadas e fiscalizadas”, disse Pepitone. A ideia é, com isso, identificar com antecedência operações que fujam dos padrões operacionais das comercializadoras ou não se enquadrem no perfil delas.

A terceira perna do que Pepitone chamou de “tripé de segurança na comercialização” é o aprimoramento dos sistemas de garantias financeiras. “Assim, quando houver frustração da entrega física da energia, o agente que comprou terá condição de receber o montante transacionado”, disse.

Para que a contabilização semanal passe a valer, a Aneel já está interagindo com a CCEE e com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), para que as duas entidades possam aprimorar suas rotinas e sistemas até 2020.

Segundo Solange David, conselheira da CCEE, a interação com a Aneel e o governo sobre o tema tem sido “construtiva”. “O mercado está em constante evolução. A discussão sobre segurança e estabilidade não é só do setor elétrico, mas de todos os mercados”, disse.

A Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) concorda com a mudança nos intervalos das liquidações, mas avalia que as demais alterações ainda precisam ser discutidas com o setor, disse Frederico Rodrigues, diretor de relações institucionais da entidade. “A Aneel mencionou medidas que vão em direção de maior segurança e controle, mas é algo que precisamos ver com mais detalhes e conversar”, disse ele, destacando que a associação defende uma reforma “estrutural” na comercialização, em linha com o que foi discutido na Consulta Pública 33, aberta pelo Ministério de Minas e Energia em 2017 para debater a reforma do setor.

O aprimoramento nas regras de homologação de novas comercializadoras e o controle sobre os contratos exigirão resoluções normativas da Aneel, o que exige a realização de audiências públicas. Essas medidas devem ser feitas ao longo deste ano. “A não ser o sistema de garantias, que é uma ação de médio prazo, porque exige uma maior discussão com mercado e entidades que vão implementar isso”, disse o diretor-geral da Aneel.

“Vamos aprendendo com acontecimentos, e os casos recentes mostram que as transações que ocorrem no ambiente bilateral exigem atuação do regulador em prol de estabelecer e garantir a segurança”, completou.