Como apagar esse caos?

Como apagar esse caos?

Diante da falta de clareza sobre o risco de um racionamento de energia ou de água, empresários buscam alternativas e se preparam para um aumento de custos.


Em jogo, o crescimento econômico do País.

Por Ana Paula RIBEIRO e Keila CÂNDIDO

A cada 45 dias, a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) promove em sua sede, na avenida Paulista, uma reunião do conselho estratégico da entidade em que grandes empresários do País discutem os temas que julgam ser os mais pertinentes naquele momento.

No último encontro, em 12 de fevereiro, Benjamin Steinbruch, Jorge Gerdau, Marcelo Odebrecht e Rubens Ometto, entre outros líderes do setor privado, elegeram como assuntos centrais a crise no setor elétrico e a situação do abastecimento de água em São Paulo.

De lá para cá, o volume de água nos reservatórios caiu a patamares preocupantes e um novo debate na Fiesp, previsto para os próximos dias, deve repetir a pauta que domina as reuniões de conselhos de administração de norte a sul do País: o risco de racionamento de água e de energia elétrica. Não há setor da economia que não esteja preocupado com a possível escassez de dois insumos básicos para a atividade industrial, comercial, agrícola e de serviços.

Pior do que o problema em si, segundo os empresários, é a falta de clareza sobre a sua dimensão. Sem um mínimo de informações, fica impossível para o setor privado traçar planos alternativos de produção ou mesmo contratar geradores e caminhões-pipa.

No jogo das incertezas, há também a perspectiva de encarecimento da energia nos próximos cinco anos, mas o governo federal mantém um mistério danoso para qualquer gestor que dependa de previsibilidade na hora de tomar decisões de investimento.

Nos últimos 30 dias, o risco de racionamento de energia passou de “baixíssimo” para “baixo”, na avaliação do Ministério de Minas e Energia.

Na quarta-feira 19, diante das evidências, o secretário-executivo Márcio Zimmermann finalmente admitiu haver um “sinal amarelo” no setor elétrico. Titubear na hora de tomar decisões delicadas, no entanto, não é monopólio das autoridades em Brasília.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, tergiversou várias vezes sobre a escassez de água e hesitou em agir mesmo diante de volumes baixos no Sistema Cantareira, que abastece boa parte da região metropolitana do Estado.

A capacidade do sistema chegou a 14,7% na semana passada, o pior nível em dez anos. Embora ainda não haja um racionamento oficial, algumas cidades e empresas que contratam água da Sabesp – a estatal paulista de saneamento básico – já estão recebendo um volume menor. “Muitas indústrias dependem de grandes volumes de água e estão tendo dificuldades”, diz Paulo Skaf, presidente da Fiesp. A Sabesp até lançou uma campanha de descontos para quem economizar.

Mas, diante de um cenário inexorável, Alckmin foi ao Palácio do Planalto na terça-feira 18 solicitar à presidenta Dilma Rousseff uma autorização para bombear água do rio Paraíba do Sul para o Sistema Cantareira.

O pedido, que será analisado pela Agência Nacional de Águas (ANA), causou atrito com o governo do Rio de Janeiro, embora essa transposição deva ficar pronta apenas em 2015. “Jamais permitirei que se retire água que abastece o povo do Estado do Rio de Janeiro”, escreveu Sérgio Cabral em sua conta no Twitter, na quinta-feira 20. Diante de tanta incerteza, a saída para o setor privado tem sido buscar alternativas que possam reduzir os gastos com as contas de luz e água e elaborar contratos de fornecimento por prazos mais longos.

“O preço da energia faz parte do debate sobre o custo Brasil”, afirma Carlos Fadigas, presidente da Braskem. “Isso tem reflexos nas decisões de investimento.” O executivo explica que, no caso da petroquímica, não há alteração nos planos de investimento porque a empresa já possui energia contratada no longo prazo, com acordos diretos com a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), no mercado livre (leia quadro “As regras do jogo”) e também autogeração.

Para o executivo, sempre que houvesse a possibilidade de redução no preço da energia, esse benefício deveria ser destinado à indústria eletrointensiva e não aos consumidores comuns, o que aliviaria os custos de produção.

“No fundo, é uma questão de escolha”, diz Fadigas. O governo terá uma chance de atender a esse pleito, ao fazer a distribuição das cotas de energia das usinas hidrelétricas que não foram renovadas no fim de 2012 e serão concedidas a partir de 2015.

A Associação Brasileira de Grandes Consumidores (Abrace) já pediu prioridade nessa distribuição ao Ministério de Minas e Energia, que está analisando o pedido. Na avaliação de Paulo Pedrosa, presidente da Abrace, o aumento no preço da energia ressuscita o fantasma da criação de encargos adicionais, como o de segurança do sistema e o pagamento de energia de reserva.

“Nossa preocupação não é com o momento, mas com o futuro”, diz Pedrosa. A expectativa é de um encarecimento dos contratos à medida que eles forem vencendo, embora isso dependa, entre outros fatores, do nível dos reservatórios no momento da negociação de preços. No mercado livre, os grandes consumidores podem negociar diretamente o total a ser consumido e quanto será pago por isso. Necessidades adicionais ou a venda do que não foi usado são liquidadas na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Com o baixo nível de reservatórios e a necessidade de se usarem as térmicas, o preço dessa energia foi às alturas, chegando a R$ 822,83.

Insumo básico: A energia pode representar até 40% dos custos operacionais de um shopping center

Péssima notícia para quem precisa comprar e oportunidade de lucro para quem está com sobra de energia. Para o presidente da Associação Brasileira do Alumínio (Abal), Adjarma Azevedo, o preço elevado torna a situação insustentável e pode prejudicar quem quiser ampliar a produção sem estar coberto por contratos de longo prazo. “É preferível não produzir a pagar essa conta”, diz Azevedo.

A empresa que precisar renovar agora o seu contrato de longo prazo enfrentará pressão nos preços. É o caso da fabricante cearense de eletrodomésticos Esmaltec, cujo contrato no mercado livre vence em dezembro. “Se o cenário se mantiver o mesmo, de escassez de água nos reservatórios, deve ocorrer um aumento nos valores dos contratos”, diz Annette de Castro, superintendente da empresa.

A comercializadora de energia Comerc tem uma carteira de 250 clientes. Dois deles deixaram de renovar os contratos no fim do ano passado e agora estão arrependidos. “Mas, em geral, os grandes consumidores não ficam expostos ao mercado à vista porque compram energia pelo prazo de três a cinco anos”, diz Cristopher Vlavianos, presidente da Comerc. Quem já conta com essa proteção é o Sonae Sierra Brasil, que administra shoppings no País.

Em outubro de 2012, a empresa contratou energia no mercado livre para cinco empreendimentos em São Paulo. Na época, houve uma economia de 8,22% em relação ao gasto no mercado cativo.

Os contratos começam a vencer em outubro de 2015, segundo Ethel Luis de Moraes, gerente de operações da empresa. “O preço hoje está impraticável, mas em 2015 a situação pode ser diferente”, diz Moraes. “Mas, com certeza, estará mais caro do que em 2012.” Já prevendo uma majoração do preço da energia, que pode chegar a 40% do custo operacional de um shopping, a Sonae tem adotado medidas de eficiência, como a instalação de lâmpadas de LED – a redução do consumo, inclusive, gera bônus aos gerentes de cada unidade. A rede também irá iniciar, no ano que vem, um piloto de geração de energia a partir do lixo. O teste será feito em Campinas, no shopping Dom Pedro.

Outra empresa que decidiu buscar alternativas para ter mais autonomia no uso da energia foi a Honda, que investiu cerca de R$ 100 milhões num parque de geração de energia eólica, em Xangri-lá (RS). Com inauguração prevista para setembro, o parque vai gerar o suficiente para suprir integralmente a fábrica de automóveis de Sumaré, em São Paulo.

Até lá, no entanto, ainda restam alguns meses de dependência do setor elétrico. “Estamos considerando esse risco (de racionamento), assim como todas as outras empresas, em função da crise energética”, diz Carlos Eigi, presidente da Honda Energy do Brasil. Já a Gerdau optou por um mix entre mercado livre e autogeração para equilibrar seus custos com energia.

Segundo a companhia, que faz uso intensivo de eletricidade para a fundição de aço, 40% do que consome no Brasil é produzido em suas usinas hidrelétricas Caçu e Barra dos Coqueiros (GO), Dona Francisca Energética (RS) e pela cogeração na usina Ouro Branco (MG). A siderúrgica também implementou, em 2012, um programa de eficiência energética para reduzir 2,5% do consumo no País até o fim de 2014, o que representa uma economia de cerca de R$ 40 milhões.

O interesse das empresas em auto-geração é um indicativo forte da tendência de elevação de preços – e, por isso, esses investimentos passam a valer cada dia mais a pena.

Cautela de aço: Em seu gerenciamento energético, a siderúrgica Gerdau utiliza o mercado livre e a auto-geração

A Thymos Energia, que acompanha o setor, calcula em 30% o aumento no valor das negociações de contrato de energia em 2015. “Os preços do próximo ano já estão sendo contaminados pelos acontecimentos de 2014”, diz João Carlos Mello, presidente da Thymos.

Por outro lado, os reajustes tendem a ser menos expressivos em 2016, pois as usinas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira, já estarão em funcionamento (leia “Enquanto isso, no rio Madeira” ao final da reportagem). Para tentar controlar esses preços, o governo fará em abril um leilão de energia para atender as distribuidoras que ficaram expostas ao mercado livre.

No entanto, um preço mais baixo dependerá diretamente da adesão das geradoras. Outra preocupação do governo é equacionar o custo que as distribuidoras estão tendo com a compra de volumes maiores das térmicas, mais caras.

Elas receberão um aporte de R$ 4 bilhões dos cofres públicos e outros R$ 8 bilhões serão levantados por meio de empréstimos coordenados pela CCEE. Essa conta, no entanto, será paga a partir do ano que vem. A estimativa da Thymos é que o aumento seja de 5% a 10% nas tarifas reguladas.

O impacto na inflação depois das eleições pode ser explosivo, pois o governo federal também deverá autorizar reajustes graduais nas contas de luz para compensar o repasse de R$ 9 bilhões que o Tesouro fez às distribuidoras pelo uso das térmicas em 2013.

Além de discussões fiscais e monetárias, o que fica claro no discurso de associações ligadas ao consumo de energia e empresários é que a decisão tomada em 2012 pelo governo federal, de antecipar a renovação das concessões de geradoras a um preço mais baixo, não surtiu o efeito desejado.

Não houve uma queda significativa no preço das tarifas para os grandes consumidores, que são mais dependentes do mercado livre. Além disso, ao reduzir o preço aos consumidores cativos, o sinal transmitido foi o de abundância de recursos, estimulando o consumo. “Houve um estímulo, mas São Pedro não compareceu e ainda houve uma onda de calor”, diz Mariana Amim, diretora jurídica da Associação Nacional dos Consumidores de Energia.

De fato, o clima não colaborou. O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) informou que São Paulo registrou o verão mais quente dos últimos 71 anos, com temperatura média na capital paulista de 30,8ºC. “O início do outono vai ter chuvas, mas não o suficiente para repor o déficit hídrico do verão”, diz Franco Villela, meteorologista do instituto.

Às vésperas da Copa do Mundo e sem poder descartar com 100% de certeza o racionamento, as autoridades deveriam agir preventivamente. “Eu aconselharia o governo a se antecipar na realização de um racionamento”, diz Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobras.

Convicto de que essa é a melhor opção, o especialista enviou uma carta ao ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, com essa sugestão, embasada por dados técnicos. A Copa em si não deve elevar o risco de um apagão, pois os estádios da Fifa terão geradores próprios.

Embora milhões de televisores estejam sintonizados simultaneamente nos jogos da Seleção Brasileira, o consumo é muito menor do que o provocado pelos chuveiros elétricos em horário de pico. Ainda assim, o governo precisa tomar todas as medidas ao seu alcance para evitar um vexame. Afinal de contas, é a imagem do Brasil que estará em jogo durante o evento esportivo.

“A Copa será no auge da estiagem”, diz Mikio Kawai, diretor-executivo da consultoria Safaria Energia. “Portanto, o País pode ter de lidar com possíveis racionamentos no período do evento esportivo.” No caso de São Paulo, antecipar um rodízio de água também pode ser a melhor opção. Enquanto as autoridades evitam um desgaste eleitoral, o setor privado vai se adaptando como pode.

Ainda em fase de testes, o novo data center da BM&FBovespa, em Santana do Parnaíba, na região metropolitana de São Paulo, requer um sistema de resfriamento para preservar os equipamentos.

“Usamos muita água para conseguir esse efeito e, como estamos vivendo esse momento delicado no abastecimento, preferimos contratar caminhões-pipa a usar água da concessionária local”, afirma Luis Furtado, diretor-executivo de tecnologia da bolsa, referindo-se à Sabesp.

Outra decisão que está em discussão é a construção de um poço artesiano, reduzindo a dependência da concessionária. No fim das contas, o que o setor privado busca é proteção diante do fantasma do apagão. Em 2001, os estragos econômicos foram enormes e, agora, pelas contas do Bank of America, um racionamento de energia teria impacto anual de até 1,9 ponto percentual no PIB do Brasil.

“Nossas estimativas mostram que é alta a probabilidade de uma recessão se houver racionamento este ano”, diz o banco, em relatório enviado a clientes. “A situação é preocupante”, afirma Antonio Maciel Neto, presidente do Grupo Caoa, parceiro da sul-coreana Hyundai no Brasil. “O que atrapalha qualquer empresário é não ter previsão do quanto isso vai custar”, diz Wilson Ferreira Junior, presidente da CPFL Energia.

Os governantes deveriam entender que a imprevisibilidade, na melhor das hipóteses, leva a um adiamento das decisões de investimentos – quando não ao seu cancelamento.

Enquanto isso, no rio madeira..

Enquanto a região Centro-Sul do País sofre com a seca, a região Norte é penalizada pelo excesso de chuvas. Na semana passada, o nível do rio Madeira chegou a 19,38 metros, quebrando a marca histórica registrada em 1997, de 17,52 metros.

Estima-se que 12,5 mil pessoas tenham perdido tudo com as inundações, que não foram provocadas apenas pelas chuvas. Segundo especialistas, os reservatórios das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, em construção no rio Madeira, teriam contribuído para a cheia.

A presidenta Dilma Rousseff, que sobrevoou de helicóptero a região por 40 minutos, no último dia 15, nega. “É um absurdo atribuir às usinas a responsabilidade pela cheia histórica”, afirmou a presidenta.

A culpa, segundo ela, seria dos rios da Bolívia, que estão acima do nível do rio Madeira. Mesmo assim, as empresas responsáveis pelas usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio foram obrigadas pela Justiça Federal a prestar socorro às famílias atingidas, oferecendo moradia, alimentação, transporte, educação e saúde. Para os desabrigados, o governo liberou o saque do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

 

http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/142048_COMO+APAGAR+ESSE+CAOS

Fonte: Istoé Dinheiro Ana Paula Ribeiro e Keila Candido