Descontratação de reserva mira planejamento

Descontratação de reserva mira planejamento

Governo deve publicar decreto com as regras do leilão inverso, que tem previsão para acontecer em abril.

O governo deve exigir o pagamento de um prêmio pela extinção de contratos de energia de reserva de geradores com usinas em atraso ou sem perspectiva de entrada em operação. A prioridade do leilão de descontratação anunciado no último dia 11 pelo Ministério de Minas e Energia serão os contratos mais caros, para aliviar o custo do encargo pago pelo consumidor, mas o modelo do certame cria também a oportunidade de retirar da carteira de projetos os chamados “elétricos de papel”. O decreto com as condições do leilão deve ser publicado até o fim de fevereiro, e a previsão é de que o certame seja realizado em abril desse ano.

A medida destinada a reduzir o custa da Conta de Energia de Reserva, que em dezembro passado atingiu R$ 1,6 bilhão, é também um passo importante para dar maior clareza ao planejamento da expansão de longo prazo, destaca o secretário-executivo do MME, Paulo Pedrosa. À Agência CanalEnergia. “Eu espero até o fim do mês, com certeza, ter esse decreto pronto para que a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) possa ter 30 dias para trabalhar, fazer a audiência pública (do edital com as regras da licitação) com os aperfeiçoamentos adequados para poder fazer o leilão em abril, e a gente ter ainda o final do semestre para fechar o teste de consistência. Vamos ter o segundo semestre num momento em que o Brasil vai estar claramente se levantando. E vamos começar a olhar para o futuro e planejar os leilões”, diz, otimista.

A publicação das diretrizes por decreto presidencial, e não em portaria do MME, tem como objetivo “dar segurança jurídica à operação”, que será submetida pela agência reguladora à discussão pública. Por isso, explica Pedrosa, o processo não é uma coisa rápida, imediata, mas está alinhado com a ideia de previsibilidade.

Decreto até o fim do mês para fazer o leilão em abril. Paulo Pedrosa, da Aneel.

O cálculo da energia de reserva que está sobrando será feito pela Empresa de Pesquisa Energética, e a ideia é promover uma competição entre os projetos, que oferecerão contrapartida para serem escolhidos entre aqueles que terão os contratos encerrados. Sairão do portfolio de reserva aqueles contratos cuja retirada representar maior ganho para os consumidores, ou seja, os que tiverem a energia mais cara e também os que pagarem um prêmio maior pela descontratação.

O mercado calcula que os projetos dos leilões de reserva que estão em atraso e possivelmente não vão conseguir entrar em operação somem em torno de 1,5 GW, dos quais 1GW seriam de projetos de fonte solar. Esse valor foi, no entanto, revisto, porque da previsão inicial de 500 MW em empreendimentos eólicos foram retirados empreendimentos de Furnas que tinham sido afetados pela crise da empresa argentina Impsa, fornecedora de equipamentos.

O superintendente de Projetos de Geração da EPE, Thiago Barral, confirma que a empresa está “trabalhando na definição do montante máximo que seria passível de descontratação, que atenda aos critérios de segurança energética.” O valor considera indicadores como demanda projetada e oferta disponível, além da redução da energia passível de contratação, associada à revisão da garantia física das hidrelétricas em 2018. “Sobretudo, estamos zelando pela coerência com os princípios que têm orientado a reorganização do setor elétrico. Por exemplo, a indicação de eventual necessidade de energia de reserva futura deverá estar alinhada com as premissas consideradas na estruturação deste leilão de descontratação”, observa Barral.

Calculando o montante máximo a ser descontratado.

Thiago Barral, da EPE.
O MME tem trabalhado simultaneamente em uma série de medidas voltadas para solucionar os gargalos da expansão do setor elétrico, muitas das quais virão como consequência de mudanças legais aprovadas no ano passado pelo Congresso Nacional, a partir de Medidas Provisórias como a MP 735. Haverá, por exemplo, regras de definição dos futuros leilões de expansão, com a regulamentação das novas modalidades previstas na Lei 13.306. Além dos tradicionais A-3 e A-5, estão previstos leilões dos tipos A-2, A-4 e A-7. Não está descartado até mesmo um leilão de reserva.

O ponto de partida, porém, é a descontratação de parte da capacidade negociada no LER. Para o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica, Nelson Leite, o chamado “leilão inverso” é importante porque tira energia de papel do portfólio, com efeito na tarifa do consumidor. Ele tem outra grande vantagem, que é permitir  clareza maior no planejamento de longo prazo. “Na medida em que houver essa descontratação, ficará muito mais claro precisar quanto de energia nós iremos necessitar nos próximos anos”, disse Leite.

O executivo considera esse segundo aspecto tão relevante quando o primeiro, embora a prioridade seja retirar contratos com valores elevados. “Temos uma parte dessa energia de reserva que não existe e não vai existir fisicamente. São usinas que, ou não entraram, ou não vão entrar, ou estão atrasadas”. Leite ressalva que não defende, com isso, o perdão de multas e de outras  punições aplicadas aos empreendedores que deixaram de cumprir suas obrigações. Ele cobra uma melhor definição dos empreendimentos que efetivamente sairão do papel, e faz questão de dizer que o leilão “é uma medida muito sensata e oportuna.”.

Leilão inverso é importante, pois tem efeito na tarifa. Nelson Fonseca Leite, da Abradee.

“Eu sou extremamente favorável a esse leilão”, confessa Thais Prandini, diretora da Thymos Energia. Ela reconhece que ainda não está claro como o prêmio ofertado pelo empreendedor será calculado, mas é possível imaginar que o custo a ser pago para os projetos que estão em papel provavelmente será inferior às penalidades que ele teria de enfrentar em um processo tradicional de revogação da outorga. Então, observa a consultora, é uma contrapartida que, em tese, valeria a pena para o empreendedor.

“Aparentemente, é um sistema em que todo mundo sai vitorioso, porque o empreendedor fez um projeto que não deu certo e vai pagar menos multa. O sistema agradece, porque a gente está com sobrecontratação, e os consumidores vão pagar menos encargo. Então, no final das contas, fica todo mundo feliz. É uma ideia vitoriosa”, elogia a diretora da Thymos. Sobre a possibilidade de que o sinal regulatório  não seja o mais adequado, ela lembra que tem havido um certo cuidado tanto de Pedrosa quanto do presidente da EPE, Luiz Barroso, em esclarecer que essa uma situação atípica, um momento único para o setor. “Não é uma coisa que será rotineira”, diz. Na avaliação de Thais Prandini, o setor aparentemente “desaprendeu a fazer projeto”. Ela lembra que há muito projeto em papel de usinas eólicas, térmicas e solar fotovoltaica.

A  presidente executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica, Élbia Gannoum, acredita que além de benéfica para o sistema, a descontratação de projetos com energia mais cara ou que não se tornaram viáveis é necessária. “É possível que nesse leilão de descontratação não haja nenhum projeto eólico. Até porque os nossos projetos foram leiloados em condições distintas. Com índice de nacionalização,  a gente não teve impacto cambial e nossos projetos são altamente viáveis”, avalia Élbia.

A dirigente da ABEEólica confirma que o MME estuda a possibilidade de um leilão de contratação de reserva ainda esse ano, mas pondera que o governo não pode condicionar a realização desse certame ao chamado leilão inverso. “Eles têm que trabalhar em paralelo nas duas frentes para, quando as contas estiverem feitas, já sinalizar os [dois] leilões. Não ficar na estrita dependência [da descontratação], porque talvez o mecanismo para esses leilões de devolução ou de descontratação seja muito demorado e pode até atrapalhar o andamento do processo do leilão de reserva.”
A piora nas previsões de crescimento econômico levou o MME a cancelar o último leilão de energia de reserva, que estava marcado para 19 de dezembro, praticamente na véspera do certame. A decisão que pegou de surpresa investidores com empreendimentos credenciados no leilão foi consequência, segundo o MME, da revisão das previsões de demanda futura de energia no Brasil pela Empresa de Pesquisa Energética. O certame era destinado à contratação de energia de empreendimentos eólicos e solar fotovoltaicos com entrega a partir de 2019. Em reunião com agentes do setor há cerca de três semanas, o ministro Fernando Coelho justificou a decisão alegando que não tinha motivo para fazer um leilão, contratar novos empreendimentos e ser obrigado em seguida a cancelar os projetos em atraso.