Discussão interminável da Exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS

Discussão interminável da Exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS

Observa-se que a alteração introduzida pela Lei n° 12.973/2014 não alterou a base de cálculo prevista no art. 2° da Lei n° 9.718/1998, pois, mesmo após a alteração, continuou sendo o faturamento, entendendo-se como faturamento a receita bruta

Quando se acreditava que nada mais haveria que se discutir em relação à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, restando tão somente o trânsito em julgado na Suprema Corte, o TRF da 4ª. Região surpreendeu a todos com um Acórdão, pelo qual, aceitando os argumentos da Fazenda Pública, entendeu que a tese jurídica advinda do julgamento do RE 574.706 não se aplica aos pagamentos efetuados sob a égide da Lei 12.973/2014, uma vez que o referido precedente tomou por base substrato normativo diverso (“caput” do art. 3° da Lei 9.718/98). Dessa forma, a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, em juízo de retratação relativo ao Tema 69-STF, deu provimento a diversas apelações, limitando os efeitos da decisão do STF, a 31 de dezembro de 2014.

Não restam dúvidas quanto ao absurdo da interpretação dada pela 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, pois independentemente do normativo citado, o que foi analisado, discutido e decidido, é se o ICMS incluído no valor da nota fiscal é “faturamento” e consequentemente uma “receita auferida”, ou seja, uma discussão conceitual, independentemente do normativo. A alteração ocorrida no caput, do art. 3° da Lei n° 9.718/1998, pela Lei n° 12.973/2014, simplesmente remeteu a definição de receita bruta para o art. 12 do Decreto-Lei n° 1.598/1977, mantendo como base de cálculo, o faturamento, conforme definido no art. 2° da Lei n° 9.718/1998.

Art. 2° As contribuições para o PIS/PASEP e a COFINS, devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado, serão calculadas com base no seu faturamento, observadas a legislação vigente e as alterações introduzidas por esta Lei.

Art. 3º O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica. (Redação original)

Art. 3o O faturamento a que se refere o art. 2o compreende a receita bruta de que trata o art. 12 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977. (Redação dada pela Lei nº 12.973, de 2014)

Observa-se que a alteração introduzida pela Lei n° 12.973/2014 não alterou a base de cálculo prevista no art. 2° da Lei n° 9.718/1998, pois, mesmo após a alteração, continuou sendo o faturamento, entendendo-se como faturamento a receita bruta. O art. 12 do Decreto-Lei n° 1.598/1977, é que sofreu uma ampliação, ao passar a contemplar algumas operações que não estavam no caput do art. 12 anterior, que são: i) O resultado auferido nas operações de conta alheia; e ii) As receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica, que não a venda de bens e serviços, que já faziam parte do caput, do art. 12 do DL, na legislação anterior, que se transformou nos itens I e II, com a nova redação.

Redação anterior do DL n° 1598/1977

Art. 12 – A receita bruta das vendas e serviços compreende o produto da venda de bens nas operações de conta própria e o preço dos serviços prestados.

Alterado pela Lei n° 12.973/2014

Art. 12. A receita bruta compreende:
I – o produto da venda de bens nas operações de conta própria;

II – o preço da prestação de serviços em geral;

III – o resultado auferido nas operações de conta alheia; e

IV – as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica não compreendidas nos incisos I a III.

Acrescente-se, ainda, que independentemente da composição da RECEITA BRUTA, conforme previsto no Decreto-Lei nº 1.598/1977, alterado pela Lei 12.973/2014, o conceito vigente ou pretérito sempre foi o de faturamento, e não extirpando ou contestando o conteúdo ou composição da RECEITA BRUTA, qualquer que fosse ela, inclusive a do art. 12 do Decreto-Lei 1.598/1977, quiçá àquilo que se refere a receita líquida, mas o que se contestou e alcançou entendimento ao final foi de que aquela parcela referente ao ICMS não é faturamento, e consequentemente não é RECEITA AUFERIDA, pois, em momento algum produz acréscimo patrimonial na pessoa jurídica do contribuinte.

Nesse sentido, no julgamento do RE 574.706/PR citado, foi rememorado que o STF, em diversos julgados, definiu o conceito de FATURAMENTO, para fins de tributação, como a RECEITA BRUTA proveniente da venda de mercadorias ou da prestação de serviços. Repise-se, inclusive, o que expôs o i. Min. Celso de Melo em sua declaração de voto no RE 574.706/PR, no último dia 15/03/2017, que “se a lei pudesse chamar de faturamento o que faturamento não é, e a toda evidência empresas não faturam ICMS, cairia por terra o rígido esquema de proteção ao contribuinte traçado pela Constituição”. Acrescentou, ainda, o r. Ministro que “as duas contribuições só podem incidir sobre o faturamento, que é o somatório dos valores das operações realizadas pela empresa, logo o ICMS repassado ao consumidor não pode ser considerado faturamento e, por isso, o PIS e a Cofins devem incidir apenas sobre o valor efetivamente faturado pela empresa com a venda de seus produtos e mercadorias”.

Ainda, restou assentado no citado RE 574.706/PR, na declaração de voto da Exma. Min. Relatora, CARMEN LÚCIA, que consignou, com apoio na doutrina, “que a inclusão do ICMS na base de cálculo das referidas contribuições sociais leva ao inaceitável entendimento de que os sujeitos passivos desses tributos faturam ICMS, o que não ocorre. Assim, enquanto o montante de ICMS circula por suas contabilidades, os sujeitos passivos das contribuições apenas obtêm ingresso de caixa de valores que não lhes pertencem. Em outras palavras, o montante de ICMS, nessas situações, não se incorpora ao patrimônio dos sujeitos passivos das contribuições, até porque tais valores são destinados aos cofres públicos dos Estados-Membros ou do Distrito Federal” (sic). Ponderou, igualmente, “que a parcela correspondente ao ICMS pago não tem natureza de faturamento (nem mesmo de receita), mas de simples ingresso de caixa. Por essa razão, não pode compor a base de cálculo da contribuição para o PIS ou da COFINS”.

Verifica-se semelhança entre o disposto nos art. 2° e 3° da Lei n° 9.718/1998, que trata do regime cumulativo, com os arts. 1° da Lei n° 10.637/2002 (PIS) e da Lei n° 10.833/2003 (Cofins), que trata do regime não cumulativo, antes da alteração promovida pela Lei n° 12.973/2014, pois o fato gerador e a base de cálculo era o FATURAMENTO, sendo que a primeira (Lei n° 9.718/1998) entendia e continua a entender como faturamento a receita bruta, e as outras leis (Lei n° 10.637/2002 e Lei n° 10.833/2003), entendiam como faturamento, as receitas auferidas.

No entanto, é indispensável asseverar que a redação dos últimos dispositivos legais, acima citados, permaneceu até 31/12/2014. Posteriormente, por meio da Media Provisória (MP) nº 627/2013, depois convertida na Lei n° 12.973/2014, aperfeiçoou diversas alterações na legislação tributária, com vigência a partir de 01/01/2015, especialmente naquilo que tange à base de cálculo do PIS/Pasep e da COFINS, pois, conforme já citado, alterou a composição do que vem a ser RECEITA BRUTA constante do art. 12 do Decreto-Lei n° 1.598/1977, bem como suprimiu da redação do art. 1° da Lei n° 10.637/2002 (PIS) e da Lei n° 10.833/2003 (Cofins), a palavra FATURAMENTO, mas mantendo como fato gerador o total das RECEITAS AUFERIDAS, entendendo como tal, a receita bruta de que trata o art. 12 do DL n° 1.598/1977. Ou seja, tanto a definição de FATURAMENTO da Lei n° 9.718/1998, quanto a definição de RECEITAS AUFERIDAS das Leis n° 10.637/2002 e n° 10.833/2003, passou a ser a RECEITA BRUTA estabelecida no art. 12 do Decreto Lei n° 1.598/1977.

Para melhor descrição e demonstração de que as alterações introduzidas em nada alteraram os fatos já existentes, segue a transcrição do que vem a ser a base de cálculo do PIS/Pasep e da COFINS, introduzida pela Lei n° 12.973/2014, com vigência a partir de 01/01/2015, in verbis:

Lei 10.637/2002 – PIS/Pasep

Art. 1° A Contribuição para o PIS/Pasep, com a incidência não cumulativa, incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.

  • 1° Para efeito do disposto neste artigo, o total das receitas compreende a receita bruta de que trata o art. 12 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977, e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica com os respectivos valores decorrentes do ajuste a valor presente de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
  • 2° A base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep é o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, conforme definido no caput e no § 1°.

Lei 10.833/03 – COFINS

Art. 1° A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins, com a incidência não cumulativa, incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.

  • 1° Para efeito do disposto neste artigo, o total das receitas compreende a receita bruta de que trata o art. 12 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977, e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica com os seus respectivos valores decorrentes do ajuste a valor presente de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei n° 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
  • 2° A base de cálculo da Cofins é o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, conforme definido no caput e no § 1°.)

A inconstitucionalidade da manutenção do ICMS na base de cálculo do PIS/Pasep e da COFINS independe do conceito de RECEITA BRUTA, muito menos de RECEITA LÍQUIDA, previsto e alterado, por último, no art. 12 do Decreto-Lei 1.589/1977, mas sim do conceito FATURAMENTO para o disposto na Lei n° 9.718/1998 (regime cumulativo), e de RECEITA AUFERIDA para o disposto nas Leis n° 10.637/2002 e n° 10.833/2003.

Quanto ao conceito de FATURAMENTO, prevalece o que já foi citado no julgamento do RE 574.706/PR, quando rememorou o conceito de FATURAMENTO, para fins de tributação, decorrente do julgamento de quatro Recursos Extraordinários , em 09.11.2005, nos quais se discutia a ampliação da base de cálculo do PIS e da COFINS, introduzida pelo § 1⁰, do art. 3⁰ da Lei n⁰ 9.718/1998, em que o STF declarou a inconstitucionalidade deste parágrafo, entendendo que o faturamento compreendia somente a receita obtida com a venda de mercadorias ou a prestação de serviços, e que a Emenda Constitucional n 20, promulgada após a entrada em vigor da Lei n 9.718/1998, não a convalidou no sentido de torná-la constitucional.

Quanto ao conceito de receita, vale transcrever e repisar o que vem a ser RECEITA, segundo os Doutrinadores Tributaristas o r. Hugo de Brito Machado, e Geraldo Ataliba, verbis:

Os vocábulos receita, lucros e ganhos de capital possuem parentesco semântico, pois traduzem a ideia de acréscimo a algo, de ganho. As receitas são os valores positivos que ingressam no patrimônio social, sob a forma de bens e direitos de reduções de obrigações e que irão compor o acréscimo patrimonial ao cabo de determinado período de tempo, segundo o direito aplicável. Em termos jurídicos o vocábulo receita significa qualquer ingresso (em bens, inclusive moeda ou créditos) que altere positivamente o patrimônio social de alguém de forma definitiva.

Para Geraldo Ataliba: O conceito de receita refere-se a uma espécie de entrada. Entrada é todo dinheiro que ingressa nos cofres de entidade. Nem toda entrada é uma receita. Receita é a entrada que passa a pertencer à entidade. Assim, só se considera receita o ingresso de dinheiro que venha a integrar o patrimônio da entidade que o recebe.

Esse inclusive, é o entendimento do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), previsto na norma contábil, item 8 do Pronunciamento Técnico CPC 30 (R1) – Receitas , in verbis, aprovado pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC) por meio da Resolução n° 1.412/2012 (NBC TG 30), no qual estabelecia que a receita inclui somente os ingressos brutos de benefícios econômicos recebidos e a receber pela pessoa jurídica quando originários de suas próprias atividades, afirmando que as quantias cobradas por conta de terceiros, tais como tributos sobre venda, tributos sobre bens e serviços e tributos sobre valor adicionado NÃO SÃO BENEFÍCIOS ECONÔMICOS QUE FLUEM PARA A PESSOA JURÍDICA E NÃO RESULTAM EM AUMENTO DO PATRIMÔNIO LÍQUIDO, DEVENDO SEREM EXCLUÍDOS DA RECEITA.

  1. Para fins de divulgação na demonstração do resultado, a receita inclui somente os ingressos brutos de benefícios econômicos recebidos e a receber pela entidade quando originários de suas próprias atividades. As quantias cobradas por conta de terceiros – tais como tributos sobre vendas, tributos sobre bens e serviços e tributos sobre valor adicionado não são benefícios econômicos que fluam para a entidade e não resultam em aumento do patrimônio líquido. Portanto, são excluídos da receita. (…)

Essa norma contábil também derruba os argumentos da Fazenda Pública, quando a mesma afirma nas suas Apelações que o ICMS sobre a venda de bens constitui custo ou despesa do vendedor, o que não está correto, pois a norma acima citada (parágrafo 8 do CPC 30), não deixa dúvidas de que o ICMS, como tributo não cumulativo, não representa custo ou despesa da pessoa jurídica, tanto que ele é contabilizado como retificadora da receita, por não pertencer a pessoa jurídica na condição de vendedora da mercadoria. Essa retificação ocorre porque o ICMS está integralmente embutido no valor da mercadoria, não compondo o grupo de contas contábeis que representam “custo ou despesa”.

Assim, independentemente da norma legal discutida na Suprema Corte, por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu que o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) não integra a base de cálculo das contribuições para o PIS/Cofins. Ao finalizar o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 574706, com repercussão geral reconhecida, os ministros entenderam que o valor arrecadado a título de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte e, dessa forma, não pode integrar a base de cálculo dessas contribuições, que são destinadas ao financiamento da seguridade social. Ou seja, não ICMS não se enquadra no conceito de faturamento e nem de receita auferida.

Por último, com referência ao valor a ser excluído da base de cálculo do PIS/Cofins, se é o valor recolhido ou aquele destacado na nota fiscal de venda, a Fazenda Nacional tem se manifestado nos autos, de que a empresa não é mera arrecadadora, sob o argumento de que ela não recolhe, ao Estado, o valor total do ICMS arrecadado, mas somente o valor líquido, já que do valor arrecadado ela desconta os créditos das operações antecedentes. Nesse entendimento, a Coordenação Geral de Tributação (Cosit) respondeu consulta interna formulada pela Coordenação-Geral de Contencioso Administrativo e Judicial (COCAJ), por meio da Solução de Consulta Interna n° 13/2018 – Cosit, no sentido de que o montante a ser excluído da base de cálculo mensal da contribuição é o valor mensal do ICMS a recolher e não aquele destacado na nota fiscal de venda. Novamente erra a Fazenda Nacional e o Cosit, pois o valor desembolsado é o valor total do ICMS recebido do consumidor. Explica-se. Do valor total arrecadado de ICMS, a empresa desconta o crédito de ICMS correspondente ao valor do ICMS já pago de forma antecipada aos Estados nas operações anteriores, quando da aquisição de insumos, mercadorias, e outros bens. Dessa forma, ao descontar o crédito do valor a recolher, tão somente está se ressarcindo do ICMS já pago antecipadamente, ou seja, o Estado recebeu parte do ICMS de forma antecipada e o restante que completará os 100%, cobrado do consumidor, é recolhido após a venda. Portanto, o valor a ser excluído da base de cálculo das contribuições é o valor do ICMS destacado na nota fiscal.