É preciso reduzir o risco no setor elétrico

É preciso reduzir o risco no setor elétrico

Em um passado recente, o investimento no setor elétrico era tido como tão conservador que os papéis das empresas eram conhecidos como ações de viúva, pois tinham baixa remuneração, mas o risco também era discreto. Hoje, no entanto, o setor vive período de instabilidade financeira. A incerteza e a volatilidade das condições do mercado são tão grandes que, em períodos de seca, distribuidoras e produtores não conseguem fechar o mês sem recorrer a malabarismos, empréstimos e repasses setoriais.

Apesar de apresentar problemas e desgastes, o modelo vigente do setor elétrico teve papel fundamental na expansão do abastecimento de energia, permitindo que fosse dobrada a capacidade de geração nos últimos 15 anos, que milhares de quilômetros de linhas de transmissão fossem instaladas e que 16 milhões de consumidores entrassem no mercado. Mas está claro que, da forma como está, é necessário atualizá-lo.

Especialmente após a Medida Provisória (MP) 579, de setembro de 2012, e de todas as mudanças decorrentes, houve aumento expressivo da incerteza, da complexidade e da instabilidade das condições de mercado. O barateamento da energia elétrica, sem um fundamento econômico mais robusto, abriu caminho não só para a crise do setor elétrico, mas para a própria crise fiscal que hoje é um dos grandes problemas do país. Junto com a seca, as mudanças regulatórias sem base na realidade do mercado criaram problemas no sistema de comercialização, distorcendo os incentivos e premiando agentes sem mérito econômico, ou de atuação do setor, o que terminou por exaurir o modelo.

É preciso, portanto, recuperar a estabilidade do setor elétrico e criar as condições e incentivos para que possa não só se expandir, como também enfrentar os enormes desafios tecnológicos e regulatórios que se apresentam. O setor experimenta em nível mundial uma revolução que está mudando a maneira de consumir e de produzir energia elétrica. São as novas fontes de oferta (eólica, solar, etc.) e novas formas de consumir (carro elétrico, armazenamento e outros serviços de eletricidade).

Essa transformação deve ser refletida nas premissas do novo modelo brasileiro. De tal maneira que possamos aproveitar as vantagens dessas inovações tecnológicas, mas sem destruir o valor do parque elétrico existente, beneficiando consumidores, empresas, operadores e outros agentes. Exemplo é a geração distribuída que, se for adotada de forma equilibrada, pode beneficiar tanto o consumidor quanto o sistema. Mas, se for incentivada sem limites, destruirá o valor das distribuidoras, que são a porta de entrada dos recursos financeiros para todo o setor elétrico e seus agentes.

É essencial que o caixa das distribuidoras, e também dos produtores, seja saudável e previsível, para que se mantenham atrativos aos investidores e garantam a sustentabilidade econômica de todo o setor. Não se trata de engessar as regras nem de garantir retornos predeterminados, como foi feito no passado. Pelo contrário, é preciso dar espaço para a atuação empresarial e a diferenciação entre as companhias. O que deve ser feito é corrigir as distorções nos incentivos de mercado e reduzir a instabilidade e as incertezas nas regras. Afinal, não é possível que, em um setor tão estratégico e essencial para a economia e a sociedade, as empresas não consigam se planejar com mais de uma quinzena de antecedência por conta de flutuações no preço da energia no mercado de curto prazo ou algo do gênero.

Em suma, não é preciso destruir totalmente o modelo, mas aprimorá-lo para recuperar seu papel de estimulador do mercado e para incorporar as inovações tecnológicas em curso. Para que os investimentos no setor voltem a ter uma remuneração razoável e segura e as empresas e para que famílias possam estar certas que teremos, hoje e amanhã, energia boa, segura e a preços competitivos.