Energia nuclear volta a crescer no mundo, mas futuro de Angra 3 é incerto

Energia nuclear volta a crescer no mundo, mas futuro de Angra 3 é incerto

A decisão da diretoria da Aneel revela sintonia com essas preocupações e é coerente com o princípio moderno de regulação adaptativa, outro pilar dessa transformação.

Em sua reunião pública ordinária mais recente, a diretoria da ANEEL decidiu acerca da determinação do custo de capital aplicável ao segmento de distribuição de eletricidade. Depois de Audiência Pública iniciada em novembro de 2017, que envolveu duas fases, mais de 40 contribuições, além de horas de discussão, análises e reuniões, restou estabelecido o valor de 8,09%.

De modo simples, a decisão foi de manter a metodologia até 2019, quando então ocorrerá a revisão do Weighted Average Cost of Capital – WACC, que anteriormente seria feita apenas em 2020. Este parâmetro, que representa o retorno permitido sobre o capital das concessionárias, é fundamental dentro do processo de determinação das tarifas para os consumidores e balizador dos investimentos necessários à expansão e manutenção do sistema.

Em uma interpretação literal, o Procedimento de Regulação Tarifária – PRORET, que regulamenta o processo de revisão tarifária das distribuidoras de eletricidade, estabelece que o WACC da distribuição fixado pela Resolução Normativa 648/2015 apenas seria revisto em 2020 com efeitos em 2021. Até lá, apenas seria possível realizar ajustes promovendo atualização dos dados – sem que houvesse alteração metodológica.

A decisão da agência traz muitas lições. O tema foi extensamente debatido durante três horas, com transmissão ao vivo pela internet. Para além da manifestação dos votos da diretoria – a qual contava apenas com o quórum mínimo, doze representantes de empresas reguladas e consumidores se manifestaram em processo que guarda conformidade com o regramento do regulador.

A análise da reunião é importante para entender o grau de desenvolvimento institucional que vive o país. O diretor relator manifestou que a agência teria sido “ingênua” ao acreditar que poderia propor, sem associar à discussão de revisão metodológica, a atualização das séries de dados utilizadas no cálculo do WACC.

Subjacente ao debate, há uma discussão acerca dos princípios da regulação – o que deve pautar a ação do regulador? As posições tentavam sopesar princípios que devem ser atendidos no processo decisório no âmbito das agências reguladoras, como estabilidade, segurança jurídica, e reconhecimento das condições efetivas que afetam investimentos.

Uma compreensão inicial versa sobre a necessidade de obedecer estritamente à metodologia vigente. Aqui surge um primeiro espaço para posições divergentes: qual é a abrangência da expressão “metodologia vigente”? Qual é o espaço para a discricionariedade do regulador na observância de tal metodologia? Alterar as séries consideradas no cálculo do WACC significa seguir ou alterar essa metodologia? Mudar a janela de dados é promover alteração metodológica? E escolhas como a definição da medida de tendência central – média ou mediana –, violam a regra definida pelo PRORET?

Promover ajustes que melhor reflitam o conjunto de informações através dos dados disponíveis no momento da decisão é uma escolha que viola ou converge para os princípios de boas práticas de governança regulatória? Em linha com as práticas de bancos centrais independentes que adotam sistemas de metas de inflação, ajustes que reflitam novas informações têm papel de ancorar expectativas dos agentes econômicos. Essa evolução na prática regulatória, passível de ser adotada pelos reguladores de infraestrutura como a ANEEL, é baseada na famosa “crítica de Lucas”, onde o prêmio Nobel de Economia de 1995 demonstra a fragilidade das decisões de política econômica pautadas apenas por informações do passado, sem olhar “para frente” e não levando em conta as expectativas e possíveis reações dos envolvidos.

A decisão em tela cumpre papel de sinalizar comprometimento do regulador com as condições que serão enfrentadas pelos investidores – prestadores de serviços, tomando o caso do setor de distribuição de eletricidade. A conjuntura atual em que se inserem o país e o setor é de mudanças. As consequências da Medida Provisória 579/2012 para o segmento de distribuição e seus desdobramentos ainda se fazem sentir sobre a indústria. O nível de endividamento e alavancagem das companhias aumentou no período. Ademais, o país enfrenta situação econômica frágil, que repercute sobre o rating do país e das empresas.

Em âmbito mundial, a indústria de eletricidade enfrenta transformações que alteram a dinâmica de seu funcionamento. Estabelecida para se expandir aproveitando economias de escala, verifica-se agora um movimento de descentralização, com aumento da participação de Recursos Distribuídos de Energia – resposta da demanda, geração distribuída, armazenamento e veículos elétricos. O momento é de um novo ciclo de investimentos, no qual a remuneração de investidores tradicionais do setor é colocada em xeque. Preocupações desse tipo já estão presentes na recente proposta de reforma do setor no país.

O Reino Unido, exemplo pioneiro e inspirador da regulação por incentivos na década de 1990, já adota práticas que levam em consideração o efeito desse novo momento de interdependência entre política setorial de energia e políticas climáticas. Desde 2013, o Office of Gas and Electricity Markets (OFGEM), regulador de gás e eletricidade, faz uso de novos mecanismos para determinar tarifas aplicáveis às redes de eletricidade no contexto do RIIO (Revenue = Incentives + Innovation + Outputs).

A combinação desses fatores aponta para um cenário de incerteza e necessidade de aumento de investimentos. Como conciliar essas tendências com a redução do custo de capital regulatório? A decisão da diretoria da Aneel revela sintonia com essas preocupações e é coerente com o princípio moderno de regulação adaptativa, outro pilar dessa transformação. Assim, o país ganha, atendendo ao preceito de equilíbrio entre interesses dos consumidores de hoje e do futuro.