Energia só é limpa se for justa. Temos de repensar os subsídios

Energia só é limpa se for justa. Temos de repensar os subsídios

Por Cláuber Leite, Manoel Neto, Paulo Pedrosa, Carlos Faria, Marcos Madureira e Ricardo de Pina

Os efeitos cumulativos nas contas de luz em função dos subsídios concedidos aos beneficiários da Geração Distribuída (GD), majoritariamente de fonte solar fotovoltaica no Brasil, podem chegar a R$ 135 bilhões de reais dentro de 30 anos, conforme recentemente divulgados pela PSR e SiglaSul, duas das principais consultorias em regulação do País. Por isso, nosso papel como entidades de defesa do consumidor, representantes de consumidores industriais e residenciais e do setor elétrico é alertar toda sociedade sobre essa conta que corre o risco de ‘não fechar’. É importante reconhecermos todos os benefícios da geração solar, mas também temos de avaliar os impactos nas contas de luz dos brasileiros causados pelos subsídios concedidos à modalidade.

O estudo mencionado diz respeito a análises feitas a partir das propostas de incentivo à geração distribuída contidas no Projeto de Lei 5.829/19, cuja relatoria do deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), já foi apresentada e tramita na Câmara dos Deputados.

Atualmente, o peso destes subsídios para a Geração Distribuída chega a aproximadamente R$2,5 bilhões concedidos a cerca de 120 mil beneficiários que investem na tecnologia. Tudo isso vai parar na conta de luz de todos os consumidores brasileiros, incluindo os de baixa renda. Para se ter ideia, no fim do ano passado, os subsídios presentes nas contas de luz para subsidiar as tarifas de aproximadamente 11,3 milhões consumidores de baixa renda são da ordem de R$ 2,6 bilhões. Ou seja, pagamos o quase o mesmo valor para subsidiar quem precisa e quem não precisa.

Por isso, nós do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), Conselho Nacional de Consumidores de Energia Elétrica (CONACEN), Associação Nacional dos Consumidores de Energia (ANACE), Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (ABRACE), Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (ABRADEE) e Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia de Menor Porte (ABRADEMP) temos destacado junto ao Congresso Nacional que o PL 5.829/19 não seja incluído na pauta do plenário da Câmara dos Deputados antes de um profundo debate nas Comissões temáticas para as quais foi despachado.

O PL 5.829/19 trata de matéria complexa, altamente técnica e controversa, posto que a atual estrutura de mini e micro geração distribuída criou um subsídio cruzado que onera as tarifas de energia elétrica dos consumidores de mais baixa renda e concede um claro benefício àqueles que têm condições financeiras de custear instalações de geração fotovoltaica para produzir sua própria energia e às empresas que implantam essas usinas.

O texto do relator não reflete o posicionamento do principal personagem, o consumidor de energia elétrica brasileiro, e necessita de ajustes expressivos para que o comando legal a ser aprovado não materialize sérias injustiças ao consumidor de menor poder aquisitivo. Como muito bem expressado no estudo ‘O efeito Robin Hood às avessas da energia solar’ conduzido pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – Idec ‘[?] qualquer real a mais nas contas de luz da população mais pobre tem efeito expressivo sobre o orçamento familiar. Portanto, embora possa parecer insignificante para a população mais rica, o encarecimento das tarifas de energia elétrica derivado do subsídio às instalações de GD é um problema real para a maior parte das famílias brasileiras, comprometendo outras despesas relevantes’. Como se isso não bastasse, o atual modelo de GD, como bem consta também no substitutivo do Deputado Lafayette Andrada, aumenta a tarifa do setor produtivo nacional, reduzindo sua competitividade no cenário mundial.

A Câmara dos Deputados vem aprovando matérias importantes para a redução do sofrimento da população brasileira nestes tempos tão duros de pandemia da Covid-19 e de crise econômica. A aprovação do PL 5.829/19, da forma proposta, será um passo na direção oposta, causando um impacto às tarifas dos demais consumidores de aproximadamente R$ 135 bilhões, trazidos a valores atuais. Em valores nominais, cerca de R$ 497 bilhões serão transferidos dos mais pobres para os mais ricos até 2050, considerando a perpetuidade de seus efeitos.

O assunto ainda precisa ser amplamente debatido, mesmo já tendo sido extensamente analisado pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, no âmbito da Consulta Pública nº 10/2018, da Audiência Pública nº 01/2019 e da Consulta Pública nº 25/2019, que constatou e reconheceu a materialidade do subsídio cruzado; e, não menos importante, pelo Tribunal de Contas da União – TCU, que se manifestou, em sintonia com a ANEEL, por meio do Acórdão nº 3.063/2020, em favor da retirada da diferenciação tarifária criada pela atual estrutura de GD, por se tratar de um modelo insustentável, regressivo e socialmente injusto.

É necessária a participação de todos os setores interessados na discussão sobre o PL 5.829/19, sem desconhecer as análises que já foram elaboradas pela ANEEL e pelo TCU, instituições isentas de qualquer interesse que não seja o de equilíbrio no tratamento tarifário aos consumidores do País.

O texto não está pronto para o plenário, e da forma como está, o PL 5.829/19, permite-se que investidores construam projetos de altíssimo retorno e baixo risco, dividindo pequena parcela dos benefícios com os que adquirem sua energia e gerando elevados custos para os demais. Desta forma, a atual redação do substitutivo proposto pelo Deputado Lafayette Andrada perpetuará um sistema injusto e desigual, que transfere recursos dos mais pobres, que não contam com sofisticados sistemas de geração de energia solar, para os mais abastados.

O Sol não pode brilhar apenas para os mais ricos. Tem de brilhar para todos os brasileiros.

A energia só é limpa se for socialmente justa. Basta de estimular a desigualdade social deste País!

*Cláuber Leite, coordenador do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)

*Manoel Neto, presidente do Conselho Nacional de Consumidores de Energia Elétrica (Conacen)

*Paulo Pedrosa, presidente da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace)

*Carlos Faria, presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace)

*Marcos Madureira, presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee)

*Ricardo de Pina, presidente da Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia de Menor Porte (Abrademp)

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