Leilão vai enxugar sobras de energia

Leilão vai enxugar sobras de energia

Antes de programar novos leilões de geração de energia, “organizar a casa”. Esse é o objetivo do governo. Para isso, estão sendo preparadas várias medidas para melhorar a eficiência do setor elétrico e aumentar a confiança dos investidores.
A primeira iniciativa refere-se a uma disputa inédita no país – um leilão para descontratar projetos de geração de energia de reserva que enfrentam problemas diversos para entrarem em operação. Além disso, também está em estudo pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a realização de uma rodada “definitiva” do Mecanismo de Compensação de Sobras e Déficits (MCSD) de Energia Nova, que vai descontratar de forma permanente projetos que não conseguirão entrar em operação, disse ao Valor, o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia (MME), Paulo Pedrosa.
Segundo os dados mais recentes do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), há uma sobra estrutural da ordem de 8,4 GW médios de garantia física para o ano de 2018 – quase o equivalente a duas hidrelétricas de Belo Monte. De acordo com Pedrosa, o volume chega a 9,5 GW médios em 2020.
Expectativa é que a disputa ocorra entre abril e maio deste ano, depois de audiência pública na Aneel
Especialistas estimam que pode ser necessário descontratar cerca de 3 GW de potência, quase equivalente ao que gera a usina de Santo Antônio, no rio Madeira (RO).
Essas sobras de energia oneram os consumidores, que arcam parcialmente com os custos que as distribuidoras têm com a sobrecontratação. Como há muitos projetos de energia nova com problemas de execução, financeiros ou com licenciamento, o governo vai ajudar a “descontratá-los”, mediante o pagamento de uma contrapartida, reduzindo as sobras.
“Com a Lei 13.360/2016 [de conversão da Medida Provisória 735], criamos um conjunto de mecanismos que melhoram a eficiência do setor”, disse Pedrosa. O ministério está preparando, por exemplo, um decreto que vai permitir que as sobras das distribuidoras passem a ser vendidas em contratos no mercado livre de energia. Outra mudança é a possibilidade de leilões A-3 e A-5 com projetos de energia existente.
No leilão de descontratação de reserva, o foco será nas sobras de energia contratada em leilões desse tipo, que têm a finalidade de complementar a garantia física do sistema. “Vamos ver o que está sobrando de reserva e então criar um leilão competitivo para que os agentes disputem a possibilidade de descontratá-la”, disse Pedrosa.
“É provável que a disputa tenha bastante adesão de empreendedores que não conseguiram cumprir as etapas até a operação comercial. Não é uma anistia aos geradores, mas um mecanismo de mercado”, opinou Mikio Kawai Junior, diretor-executivo da Safira Energia.
Como o leilão será voltado para projetos de energia de reserva, espera-se adesão forte de projetos das fontes solar e, em menor escala, de eólicas também. (Ver mais no texto ao lado)
“[O leilão] ajuda o governo a identificar esses problemas e solucionar e mitigar parte desses gargalos, reduzindo risco e aumentando a precisão do planejamento”, disse Rodrigo Sauaia, presidente da Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar).
O decreto que definirá a realização do leilão está em elaboração pelo MME, com envolvimento da Fazenda. Segundo Pedrosa, a expectativa é que o presidente Michel Temer revise o decreto e o publique rapidamente, para que a Aneel tenha o tempo necessário para montar o leilão e pôr em audiência pública. A previsão é que a disputa ocorra entre abril e maio.
Ainda não foi definida a forma do leilão e nem quais serão as contrapartidas que as geradoras precisarão pagar para descontratar os projetos. A ideia inicial é que quem pagar mais vai “vencer” a disputa.
Segundo o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que assessora o MME no assunto, Luiz Augusto Barroso, o leilão é uma excepcionalidade. “O leilão definitivamente não é um processo de alívio e prêmio à irresponsabilidade. Ele parte de uma janela de oportunidade, excepcional, causada pelo excesso de oferta que temos (por sua vez provocado pela redução da demanda decorrente da retração da economia)”, disse o executivo, por e-mail, ao Valor.
Segundo Xisto Vieira Filho, presidente da Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas, “é importante haver tratamento diferenciado para usinas que estão em atraso, com justificativas e acompanhamento pela Aneel, e aquelas que não se materializarão”.
“O foco do leilão é o consumidor, que tem o benefício da redução do custo”, afirmou Pedrosa. Os recursos arrecadados pelo governo com as contrapartidas que os geradores pagarão no leilão serão depositados na Conta de Energia de Reserva (Coner), encargo cobrado dos consumidores para a remuneração de usinas contratadas sob o regime de reserva. Na prática, com o leilão, o custo dessa energia para o consumidor ficará menor.
Já o MCSD de Energia Nova vai ser voltado para outros projetos também com atraso, que foram contratados em leilões de energia nova. Nesse caso, são as distribuidoras do insumo que contratam os empreendimentos.
“A nova rodada vai fazer a descontratação integral do projeto. Se eu tenho um empreendimento que não vai entrar [em operação], pode entrar no mecanismo”, disse Pedrosa. A “demanda” do mecanismo, no entanto, vai depender das distribuidoras de energia e do interesse delas em reduzir os contratos futuros do insumo.