Longe da ameaça de haver apagão

Longe da ameaça de haver apagão

Há potência de sobra para entrar no sistema, mas atrasos nas linhas de transmissão preocupam.

As chuvas que se intensificaram e variaram de anormal para acima da média em janeiro, fevereiro e março elevaram significativamente o nível dos reservatórios das hidrelétricas, em comparação com o que se observou no mesmo período de 2015.

Mas, de acordo com especialistas, não será este o fator principal a afastar o risco de déficit de energia elétrica, como ocorreu no ano passado.

Embora o volume de água nos reservatórios em todas as regiões do país tenha praticamente duplicado, sendo que ainda há tendência de aumento do nível de armazenamento este mês de março nos subsistemas Sudeste/Centro-Oeste, Nordeste e Norte, a sobra de energia estimada entre 9 GW médios e 12,9 GW médios virá quase que exclusivamente do forte encolhimento da economia, na avaliação de Alexei Vivan, diretor-presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE).

“A indústria e o comércio reduziram significativamente o consumo“, diz Vivan.

De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a baixa foi influenciada principalmente pelo recuo do consumo industrial, que alcançou 5,3% negativos, a maior queda desde 2010.

Só o setor de minerais metálicos foi responsável por 20,3% dessa retração da demanda industrial. Houve quedas também 12 meses, o consumo de energia elétrica encolheu 1,7%.

“Diante disso, e fazendo uma comparação entre a oferta e a demanda de energia elétrica, acreditamos numa sobra de pouco mais de 9 GWm este ano”, afirma Vivan.

Essa estimativa coincide com a do comunicado oficial do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) em março, que diz que há hoje uma sobra estrutural de quase 12,9 GWm para atender a carga prevista, o que supera, por exemplo, a soma da energia gerada por Itaipu (8,2 GWm) e Belo Monte (4,6 GWm).

Ou seja, o risco de déficit de energia está praticamente afastado.

Não custa lembrar que, em março de 2015, o CMSE havia indicado um risco de déficit de 10,9% no subsistema Sudeste/Centro-Oeste, que reúne a maior capacidade de geração do país, e de 4% na região Nordeste.

É bom ressaltar que o governo considera “preocupante” quando esse percentual é igualou superior a 5%, que indica a real possibilidade de cortes de carga por falta de capacidade de geração para atender à demanda.

A situação do nível dos reservatórios das hidrelétricas ficou tão confortável que, ao final de fevereiro, o CMSE determinou o desligamento de 21 usinas termelétricas com maior custo de geração, 14 a mais do que as sete usinas anunciadas no início daquele mês.

Mesmo assim, o armazenamento no Sistema Interligado Nacional (SIN) no início de março ainda era o quinto menor, quando comparado com os últimos 16 anos, segundo Mário Menel, presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape).

Para ele, esse cenário pode sofrer alteração caso haja uma conjunção de fatores, entre eles a retomada de expansão da economia, uma piora das afluências, o atraso na entrada de nova geração de energia elétrica e as restrições ainda preocupantes na transmissão.

É verdade que o cenário é diferente do ano passado, quando o risco no subsistema SE/CO era alto e fez com que especialistas do setor chegassem a defender a adoção de medidas de racionamento.

“A presente recessão implica uma queda na demanda de eletricidade, que nos livra de racionamentos. Mas uma possível recuperação da economia será dificultada por frequentes apagões”, alerta Menel.

Rodrigo Sacchi, gerente de preços da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), lembra que a previsão de consumo para este ano indica um crescimento de 1% em relação a 2015, abaixo da expansão de carga prevista anteriormente, que era de cerca de 3%.

Ou seja, isso deverá demandar um despacho hidrelétrico mais baixo.

Sacchi avalia também que a melhora das condições hidrológicas nos últimos meses, o acionamento das usinas termelétricas e a redução do consumo de energia por causa do encolhimento da economia possibilitaram o enchimento dos reservatórios das usinas hidrelétricas.

A esse quadro se somará ainda energia nova prevista para entrar no parque gerador até 2019. São mais de 4,4 GW por ano. Três grandes usinas estarão com boa parte de suas turbinas a todo vapor.

A Hidrelétrica Santo Antônio, por exemplo, está no momento com 38 turbinas em operação, cuja capacidade de geração já é superior a 2.600 MW.

No decorrer deste ano, as 12 turbinas restantes entrarão em funcionamento, sendo que a última delas estará em operação comercial até novembro deste ano, de acordo com a assessoria da usina.

A hidrelétrica iniciou a geração de energia em março de 2012, nove meses antes do cronograma original e, desde então, a energia gerada já vem sendo comercializada. Até outubro, deverá gerar 3.568 MW.

Jirau, por sua vez, está hoje com 41 turbinas em operação, atingindo a capacidade instalada de 3.075 MW.

A energia já vem sendo comercializada, e o cronograma previsto para entrada em operação das demais turbinas vai de março a dezembro deste ano. Até outubro Jirau deverá estar produzindo 3.750 MW.

Atualmente, a transmissão de energia está limitada a 3.150 MW, carga de transmissão que precisa ser dividida com Santo Antônio.

Foram necessários mais de 40 anos para tirar o projeto de Belo Monte do papel.

E serão precisos ainda mais três para que a geração atinja o seu pico.

Em fevereiro, o consórcio Norte Energia realizou o primeiro teste com uma das 18 turbinas que compõem a barragem, e entrou no ciclo final para oferecer a energia ao mercado.

A operação comercial começará apenas com uma turbina, com capacidade de 611 MW, 5% do total esperado para o pico, quando a usina poderá alcançar 11.233 MW. Pelo novo cronograma da usina, esse nível deve ser alcançado em maio de 2019.

Outras nove usinas hidrelétricas que estão em construção vão se somar a essas três e, quando finalizadas, as 12 adicionarão mais de 16 mil MW de potência à oferta de geração existente, segundo dados do Departamento de Monitoramento do Setor Elétrico (DMSE).

“Toda energia que tem para entrar no sistema é bem-vinda, Mais ainda se for de fonte hidrelétrica, que é mais barata”, afirma Vivan, da ABCE.

Sobre hidrelétricas ainda a serem licitadas, o executivo diz ter dúvidas se sairão mesmo do papel, principalmente por causa de pressões de organizações ambientalistas, e não tanto pela crise que se abateu sobre o país.

Ele lembra que já há pelo menos 23 UHEs mapeadas.

O edital do próximo leilão A-5 será realizado em 29 de abril, que ainda aguarda aprovação do órgão regulador, prevê quatro UHEs com 406 MW de potência.

Entre elas, Apertados (139 MW), Telêmaco Borba (118 MW), Ercilândia (87 MW) e Santa Branca (62 MW).

O Programa de Investimentos em Energia Elétrica 2015 (PIEE) prevê a contratação de quase 11 GW de UHEs no período que vai de agosto do ano passado a dezembro de 2018.

Para os próximos dez anos, é esperada à expansão de 45% na capacidade instalada de hidrelétricas, com incremento de apenas 1 % da capacidade de armazenamento do Sistema Interligado Nacional.

Sobre os riscos na limitação de geração devido a problemas nas linhas de transmissão para levar energia até o sistema, as maiores hidrelétricas viabilizadas no Brasil em décadas – Jirau, Santo Antônio, Belo Monte e Teles Pires – preferem não comentar, mesmo diante dos atrasos confirmados no fim do ano passado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

O órgão regulador informou na época que 62% dos projetos de transmissão licitados nos últimos cinco anos tiveram problemas de cronograma, com atraso médio de quase um ano e meio.

Menel, da Abiape, informa que o sistema de transmissão que interliga Jirau e Santo Antônio à subestação Araraquara 2 (SP) conta com dois bipolos (dispositivo que apresenta dois terminais) de corrente contínua, mas apenas o primeiro bipolo está operando, limitando a capacidade de escoamento direto para o Sudeste em 3.150 MW, sendo que essas usinas do rio Madeira já têm mais de 5,6 GW em operação.

O segundo linhão, de 2,4 mil Km, que levará a energia até o Sudeste, não tem data para operar.

Mesmo depois de pronto, ainda haverá restrição devido ao atraso no projeto licitado ainda em 2010, que receberá a energia do Madeira em Araraquara (SP). A Aneel estima que a situação deve perdurar até 2017.

“Os testes do segundo bipolo ainda não foram concluídos. Além do mais, o sistema receptor SE Araraquara 2 ainda está em obras”, explica o executivo da Abiape.

O escoamento de energia de Belo Monte é o que mais preocupa.

O sistema atual de transmissão só poderia escoar a energia das primeiras turbinas.

A partir de novembro, seriam necessárias novas linhas, que entrariam gradualmente em operação.

As duas primeiras linhas extras, previstas para 2016 e 2017, para levar parte da produção da usina ao Nordeste, com pouco menos de 2 Km, estão paradas.

Mais dois linhões, em ultra alta tensão e com mais de 2 mil Km, levarão energia da usina para o Sudeste, com operação esperada para 2018 e 2019.

Para o complexo de hidrelétricas Teles Pires, cuja primeira usina com 1,2 GW ficou pronta ao final de 2014, foi construída uma solução alternativa para permitir o despacho de até dois geradores, mas precisou esperar até novembro do ano passado para operar devido à falta de linhas.

A obra de Paranaíta estava prevista para ser concluída em março e a de Guaraciaba, em abril.

O terceiro circuito da subestação Paranaíta até Ribeirãozinho (responsável por auxiliar o escoamento) foi objeto de três leilões, porém não obteve propostas.

“O Operador Nacional do Sistema Elétrico informou que o escoamento da geração dessas usinas será possível sem qualquer restrição, mesmo antes da entrada em operação do terceiro circuito”, explica Menel.

“Contudo, o sistema de transmissão com mais de mil quilômetros de extensão ficará sem redundância, a depender dos volumes hídricos observados, por cerca de três anos”, lamenta o presidente da Abiape.

“Possivelmente, essa situação levará o sistema de geração a sofrer interrupções em frequência indesejável, mas não haverá interrupções no atendimento de cargas do SIN”, acrescenta.

Fonte: Valor Econômico 31/03/2016 Vladimir Goitia