Mercado livre: migrações em alta

Mercado livre: migrações em alta

No final de fevereiro tramitavam na CCEE 739 processos de adesão a esse mercado.

As altas tarifas do mercado cativo aliada a uma retração econômica, que diminuiu o consumo de energia, e a uma hidrologia mais favorável abriram uma janela de oportunidade para os consumidores se tornarem livres.

Oferecendo preços mais baixos e atraentes, o mercado livre tem percebido um forte movimento migratório desde o segundo semestre do ano passado.

Para se ter uma ideia, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica estava, no último dia 25 de fevereiro, com 739 processos de adesão a esse mercado.

A grande parte dos processos, mais precisamente 664, são de consumidores especiais, ou seja, que tem uma carga entre 0,5 MW e 3 MW e que só podem comprar energia de fontes incentivadas.

O restante são grande consumidores, com carga acima de 3 MW, que podem optar por comprar energia de qualquer fonte.

A CCEE explicou que as adesões ocorrem de forma distribuída ao longo dos meses de acordo com o pedido dos agentes.

Assim, em janeiro foram concluídas 63 adesões, sendo 54 de consumidores especiais e nove de consumidores livres; e em fevereiro, 52 adesões – 45 especiais e sete livres.

“O prognóstico para o mercado livre para esse ano é muito bom no sentido de que houve um aumento muito grande de migrações desde o segundo semestre do ano passado, quando houve uma redução no preço, em função do aumento das chuvas, juntamente com uma redução na carga em função da recessão econômica”, apontou Alessandra Amaral, diretora presidente da Energisa Comercializadora.

Ela contou que o número de propostas comerciais enviadas pela companhia neste ano, até fevereiro, representa 53% do total de propostas comerciais de venda encaminhadas em 2015 como um todo.

“E a gente só tem dois meses decorridos do ano, que são também dois meses iniciais do ano. Então, realmente, existe aí uma dinâmica bem mais acelerada no mercado livre neste ano”, analisou.

A Comerc Energia também vem colhendo bons frutos no último ano. Cristopher Vlavianos, presidente da comercializadora, conta que no começo de 2015 a empresa tinha 250 clientes e hoje, um ano depois, a carteira conta com cerca de 500 clientes.

“A gente demorou quase 15 anos para criar essa carteira de 250 empresas e em um ano a gente dobrou essa carteira”, comentou o executivo.

Vlavianos explica que esses novos consumidores, por serem em sua grande maioria, especiais, não trazem um volume muito grande de energia para o mercado livre, mas aumentam significativamente a quantidade de empresas no ACL.

Na tentativa de economizar no preço da energia e, consequentemente, reduzir custos, muitos consumidores, para terem a chance de entrar no mercado livre, precisam unir diversas unidades consumidoras que tenham o mesmo CNPJ, para que, juntas, consigam a carga mínima para acessar esse mercado. Fabiana Avellar, gerente de Inteligência de Mercado da CPFL Brasil, conta que isso tem sido comum nas novas migrações.

“Hoje a gente vê um perfil de clientes migrando para o mercado livre bem diferente do verificado no passado. Grandes cargas migraram no passado para o ACL, depois a gente viu uma tendência de clientes de média tensão.

Hoje, praticamente a totalidade que a gente vê de migração são de clientes especiais e muitos deles, individualmente, não teriam a demanda para migrar para o mercado livre”, analisa a gerente.

Ela dá como exemplo redes de varejo, que tem uma única raiz de CNPJ, e se juntam para ter a demanda necessária.

“São clientes bem menores. O tíquete médio caiu muito em relação ao que a gente via no passado”, diz.

Reginaldo Medeiros, presidente da Associação Brasileira de Comercializadores de Energia, calcula que hoje a diferença de preço médio entre os mercados livre e cativo chega a 46%, o que explica a intensa migração para o ACL.

Segundo ele, essa diferença se deve a uma sobra estrutural de energia no mercado, que de acordo com o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico, chega a 12.899 MW médios, principalmente em função da forte retração da economia, provocando uma redução acentuada dos preços no ACL.

Somado a isso, existe a perspectiva de que as tarifas do ACR continuem altas, pois mesmo com o desligamento de térmicas e redução das bandeiras tarifárias, os consumidores cativos ainda terão que pagar a Conta ACR – empréstimo realizado em 2014 para o pagamento das termelétricas.

“Em função dessas questões há uma previsão para os próximos anos de um preço bastante estável no mercado livre. Os consumidores que migrarem nesse momento terão uma redução substancial no preço da energia”, comenta.

Ele lembra que existe no momento uma pressão muito forte sobre as indústrias para redução de custos e o mercado livre hoje pode proporcionar uma economia significativa no valor pago pela energia.consumo_no_acl_ajustada

Atualmente, os preços praticados no ACL para contratos de longo prazo, ou seja, de três a cinco anos, variam de R$ 110/MWh a R$ 140/MWh, dependendo da energia contratada.

“No ano passado, nessa época, o preço era o dobro”, apontou o diretor executivo do grupo Safira Energia, Mikio Kawai Jr, se referindo a valores entre R$ 250/MWh e R$ 300/MWh.

Ele explica que a retração do PIB no ano passado, associada a provável retração em 2016 e até em 2017, espelha a desconfiança que o sistema econômico todo tem com relação a crescimento e isso rebate na demanda por energia.

Kawai comenta ainda que, no contexto de recessão generalizada pela qual o país passa, o risco de crédito também fica mais elevado.

As empresas que estão indo para o mercado livre, se elas tem um risco de crédito, elas acabam trazendo um risco maior para o mercado livre também, um risco de não pagamento”, avaliou.

O fato é que as intensas migrações devem elevar a participação do ACL no mercado total de energia.

Medeiros, da Abraceel, conta que essa participação já foi de 27% e hoje está um pouco abaixo de 24%.

Mas existe potencial, da maneira como a regulação está posta, para se chegar a uma participação de 45%.

“Como o consumo da indústria caiu mais do que os outros consumos, reduziu momentaneamente a participação do mercado livre no total de energia consumida no país”, explicou.

De acordo com Ricardo Savoia, diretor da Thymos Energia, a demanda industrial caiu praticamente de 1,5 GW a 3 GW, impactando essa participação.

Mas não são só as fortes migrações de consumidores que tem feito o mercado livre ficar em alta neste momento.

Discussões no Congresso Nacional envolvendo este mercado também tem sido frequentes.

Diversos Projetos de Lei tem abordado o tema da liberalização do mercado de energia, entre eles o PL 1917/2015, que trata da portabilidade da conta de luz e traz mudanças significativas para o setor elétrico de forma a comportar essa portabilidade.

Entre outras medidas, o projeto prevê que todos os consumidores sejam livres a partir de 2022, podendo escolher seus fornecedores de energia.

“O PL 1917 é visto, evidentemente, com bons olhos porque está alinhado com diversos mercados internacionais, de países da América, da Europa.

O que é importante nesse aspecto é que haja realmente uma análise de todos os impactos que ele vai provocar, porque ele passa por repensar o modelo de comercialização atual como um todo, considerando todos os impactos aos agentes envolvidos: distribuidoras, geradoras, comercializadoras e consumidores”, declarou Alessandra Amaral, da Energisa Comercializadora.

Para Savoia, da Thymos Energia, o processo de liberalização do mercado precisa ser feito de forma gradual, para que possam ser feitos todos os procedimentos de adequação e controle, de forma a beneficiar o consumidor final como um todo.

Outro ponto que vem sendo discutido é a participação do ACL nos leilões de expansão promovidos pelo governo.

Savoia afirma que diversos estudos já foram feitos nesse sentido e que essa seria uma maneira de utilizar uma estrutura já criada, de maneira transparente e ter a energia para os consumidores livre, de uma forma que haja um ambiente de competição entre os preços desse mercado.

“Nada mais justo do que o mercado livre auxiliar a expansão e vários consumidores desse mercado tem condição de prestar esse serviço a expansão do sistema como um todo”, apontou Kawai, da Safira Energia.

O que ainda preocupa os agentes são algumas barreiras para a entrada do novo consumidor ao ACL. Vlavianos, da Comerc, diz que o trabalho agora é para facilitar a migração.

Ele explica que existem alguns problemas em relação ao atraso de adequação de medição, situação que acaba causando prejuízo para o consumidor.

“Muitas vezes, por esse movimento [de migração] ser inesperado, ele cria uma carga de trabalho para as distribuidoras, para o ONS, para as próprias empresas que tem que adequar a medição e não estavam preparadas para isso”, lembrou o executivo.

O parecer de acesso do Operador Nacional do Sistema Elétrico é um dos requisitos necessários a migração, mas, segundo Vlavianos, existe uma discussão se isso seria realmente necessário para consumidores pequenos como os especiais.

“O que a gente tem tentado fazer junto a Aneel, a CCEE e o próprio ONS é ver uma forma de não emperrar esses processos de migração, porque isso acaba virando um prejuízo para o consumidor que está migrando”, afirmou.

Medeiros, da Abraceel, também diz que em função do volume das migrações, tanto as distribuidoras como o ONS estão com dificuldades de realizar os procedimentos necessários.

No entanto, de acordo com ele, a legislação já evoluiu em relação a simplificação da medição e com a criação do comercializador varejista.

Antes o consumidor era obrigado a ser agente da CCEE, agora ele pode migrar e ficar sob o guarda-chuva do varejista”, diz Medeiros.

A CPFL Brasil é uma das comercializadoras que vem oferecendo serviços para que o consumidor não tenha que se preocupar com toda a burocracia da migração.

Fabiana Avellar conta que a ideia é amparar esses consumidores nesse movimento de ida para o ACL.

“Esse perfil de cliente quer mais é fazer o negócio dele e aproveitar a oportunidade de economia no custo da energia. O que o cliente quer é não ter preocupação. E aí a gente oferece o que a gente chama de gestão, representação desse cliente para que todo o trâmite com a CCEE, todas as questões burocráticas que um agente do mercado livre precisa cumprir, seja feita por nós”, explicou.

Com isso, o consumidor tem mais tranquilidade para realizar a migração sem se preocupar com a gestão da energia, que não é seu expertise.

O importante, na visão dos agentes, é que o mercado livre tem feito parte da agenda do governo, do Congresso Nacional, e que as migrações mostram que esse é um mercado atrativo.

O histórico dos últimos dez anos, segundo Savoia, da Thymos, mostra que o ACL foi mais vantajoso do que o ACR.

Ele lembra que esse mercado tem riscos, mas que esses riscos podem ser mitigados com a realização de contratos de mais longo prazo, de quatro a cinco anos, que são realizados pela maior parte dos consumidores.

“A vantagem é que realmente é possível reduzir os custos com energia”, analisa.

 

 

Fonte: Canal Energia 04/03/2016 Carolina Medeiros