Novo modelo do setor elétrico

Novo modelo do setor elétrico

Os problemas vividos nos últimos anos exigem que se defina outro rumo para o setor elétrico nacional. O desafio é aliar o necessário debate entre os agentes com o trâmite legislativo, de modo que as diretrizes legais possam ser estabelecidas ainda em 2017. Conseguido isso, a regulação infralegal detalharia as diretrizes em bases jurídicas sólidas, de forma a refletir as reais preocupações do setor. A parte visível da crise é a grave situação de judicialização que enfrentamos no momento e a elevação do custo da energia para os consumidores. A parte menos evidente é um modelo comercial inadequado, centralizador, estatizante, dependente de recursos do BNDES, inflado por subsídios cruzados de toda ordem e que imputa riscos desnecessários e não gerenciáveis aos consumidores e a todos os agentes. A consequência de tudo isso é o aumento do preço da eletricidade para a indústria, os serviços e o consumidor final.

Tudo ficou mais transparente com a elevação nas contas de energia decorrente principalmente da desastrada intervenção feita por meio da Medida Provisória 579/2012 (e outras medidas menos faladas, mas igualmente perversas da ótica econômica) – que renovou as concessões de geração e transmissão de maneira irresponsável e, por consequência, levou a Eletrobras à situação de penúria e quase falência. Também contribuíram para o agravamento da crise o cenário hidrológico desfavorável, que desnudou as contradições do atual modelo de gestão estatal dos reservatórios hidroelétricos, e a recessão econômica, que mostrou as fragilidades do sistema de contratação governamental da energia pelas distribuidoras.

É preciso, portanto, definir uma solução urgente que permita mudança do modelo comercial do setor elétrico, visto que apenas por meio dele será possível superar os complexos e crescentes desafios setoriais. Resolver questões como a judicialização, as crises de sub e sobrecontratação, GSF, MRE, GFON e toda a sopa de letras setoriais é importante, mas atacar o problema central – modelo comercial equivocado – é capital por ser a raiz e o fato gerador de todos os problemas.

Felizmente, no âmbito do próprio Ministério de Minas e Energia (MME), temos um bom exemplo no Projeto Gás para Crescer de processo de mudança que pode servir de espelho para o trabalho a ser feito no setor elétrico. Nesse momento, os agentes e os consumidores estão debruçados no desafio de apontar as mudanças necessárias na legislação para criar um modelo comercial competitivo e sustentável para o gás natural.

No setor elétrico, os debates devem se pautar, em primeiro lugar, nas soluções que já são consensuais sobre o bom funcionamento da indústria de eletricidade e têm dado certo em outros mercados: sinalização econômica adequada, liberdade de escolha dos consumidores, mudança dos leilões de energia, por meio de separação de dois produtos distintos (energia e lastro), e criação de modelo de negócios que favoreça a geração distribuída e as energias novas e renováveis. Vale observar que a discussão foi iniciada, uma vez que boa parte dessas questões foi conduzida pela equipe do MME liderada pelo ministro Fernando Bezerra, por meio de consulta pública (21/2016). No processo, a maioria dos agentes se mostrou favorável à ampliação da abertura do mercado.

Não podemos esquecer que a mudança no modelo também pode resultar do processo legislativo. Nesse sentido, o encaminhamento existente é positivo: as duas casas estão trabalhando em favor da reformulação setorial, com projetos de lei que reúnem as condições para servir de base à reforma em bom estágio de trâmite. Tratam-se dos PL 1.917/2015 e PLS 232/2016 que, resumidamente, aliam o direito à liberdade de escolha do consumidor, incentivos econômicos eficientes para o setor e estímulo à implantação de novas tecnologias de produção e uso da eletricidade, permitindo a ampla e necessária reestruturação do setor.

Por último, evidentemente que todas as discussões devem prever um período de transição para o novo ambiente de negócios, visando, principalmente, o respeito aos contratos. O certo é que as bases para o novo modelo estão montadas. Temos, portanto, totais condições de avançar corrigindo os erros do passado recente e seguindo o que tem dado certo na experiência mundial, com a construção de um setor mais dinâmico em que a inteligência difusa do mercado contribua para um desenvolvimento setorial favorável à sociedade brasileira como um todo.