O FUTURO DO CONSUMIDOR TOMA FORMA

O FUTURO DO CONSUMIDOR TOMA FORMA

Primeira edição do Energy Solutions Show traz amostras de temáticas e oportunidades que se desenham para o novo consumidor

Um futuro em que cada vez mais o consumidor estará conectado e se relacionando com os agentes do setor elétrico em busca de soluções energéticas foi apresentado pela primeira vez no Brasil aos participantes do Energy Solutions Show, promovido pelo Grupo CanalEnergia/Informa Markets nos últimos dias 28 e 29 de maio, no Transamerica Expo Center, em São Paulo. Os participantes da feira e dos congressos tiveram a oportunidade de conhecer soluções e debater temas das cadeias produtivas de solar, cogeração e PCH, além de GD, eficiência energética e mercado livre.

A iminente abertura do mercado livre, a potencialização da geração distribuída no país e as novas tecnologias que aparecem cada vez mais rápido fazem com que o papel do consumidor ganhe relevância e ele exerça um papel ativo. Hoje o consumidor de energia tem mais conhecimento sobre o setor elétrico que antes e isso faz com que ele possa ter o poder de decisão. “No passado, a discussão era muito centrada nos agentes que produzem ou comercializam a energia e a maturidade do mercado livre faz com que os consumidores aprendam com o processo negocial dos contratos”, explica Bernardo Bezerra, diretor da PSR, que proferiu a palestra “Entendendo o mercado de energia” no primeiro dia do evento.

Para o diretor da PSR, a abertura do mercado livre deve aparecer de forma sustentável, de modo a se constituir em uma decisão acertada para o consumidor e não apenas para que não se pague encargos ou tarifa menor. A figura do prosumidor – o consumidor que produz a sua própria energia – também é desafiante para o mercado. Ainda segundo ele, quando se passa a ter um setor elétrico mais digitalizado, com GD atrativa e o consumidor pode responder aos sinais de preço, ele ganha um papel mais ativo, com poder negocial maior que no passado.

A revisão da resolução 482 da Agência Nacional de Energia Elétrica, que deve acontecer ainda este ano, foi tema de painel de debate no segundo dia do evento. O tema é sensível ao setor, já que o modelo atual, em que a energia gerada pelo consumidor é transformada em créditos na sua conta de luz, não deverá continuar. A sinalização é que o modelo vai evoluir para que haja pagamento dos custos da rede. O uso da GD em áreas de concessões diferentes também pode estar mais perto.

As novas regras para a geração distribuída podem determinar o caminho do consumidor nos próximos anos. Carlos Calixto Mattar, superintendente da Agência Nacional de Energia Elétrica, garantiu que não haverá retrocesso nessa revisão e que ela pretende proteger o consumidor que não tem a GD de arcar sozinho com os custos do sistema. “A ideia é não criar barreiras para o desenvolvimento do mercado e interferir o menos possível”, avisa.

Além dos consumidores, as distribuidoras também são parte interessada na revisão das regras. Para Marco Delgado, diretor da Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica, a GD já é sustentável e não precisa mais dos subsídios, o que motiva a revisão das regras. Ainda segundo o diretor da associação, a revisão já era prevista desde a sua concepção.

As oportunidades com GD não ficam apenas para os consumidores. O número de empresas dedicadas ao desenvolvimento e instalação de projetos fotovoltaicos vem aumentando a cada ano. Os negócios com serviços de energia crescem e players como CPFL, AES, Engie estão se voltando para esse mercado. No Energy Solutions Show, a Easy Solar, do Grupo Pacto Energia, negociou R$ 6,7 milhões.

O preço das tarifas de energia, preocupação constante dos consumidores de todas as classes, deve ficar estável para as pequenas e médias indústrias em 2019. Levantamento apresentado pela TR Soluções, sinaliza uma redução média de 0,24%. Os aumentos de tarifa nesse grupo podem chegar a 12%, enquanto as reduções podem chegar a até 18%. Segundo Helder Sousa, diretor comercial da TR, de 37 distribuidoras analisadas, 20 devem ter reajuste positivo e 17 negativo. A melhora na hidrologia trouxe essa tendência.

Ele alerta que os encargos tiveram destaque nas previsões de aumentos. Na CDE, a CDE-Uso, paga pelos consumidores, teve aumento de 15% ou R$ 16,2 bilhões. Isso leva a um impacto de 2,6 pontos percentuais nas tarifas desse ano, impacto similar ao do encargo dos serviços de sistema e de energia de reserva. A alta do dólar e o aumento no valor das cotas de energia também influenciam na variação das tarifas.

A quitação antecipada da conta-ACR também é um outro item que puxou as tarifas para baixo esse ano. Esse impacto negativo deve ficar em 6,8 pontos percentuais. dentre as distribuidoras, a CPFL Santa Cruz (SP) deve ter a maior projeção de alta, na faixa dos 12%, enquanto a CEB (DF) deve ter a maior previsão de redução, em torno de 18%. Já para 2020, a expectativa é que as tarifas tenham recuo médio de 7,02%.

O aparato tecnológico é algo que se coloca cada vez mais perto do consumidor. As baterias para armazenamento de energia aparecem com força nesse futuro de energia descentralizada, descarbonizada e digital. A BYD está com a sua fábrica de baterias em Manaus (AM) em pré-operação. Até o fim do ano ela deve operar na plenitude. Gustavo Tegon, gerente de vendas da empresa no Brasil e que participou de painel sobre Tendências e Novas Tecnologias na energia solar, no segundo dia do evento, revelou que a produção inicial da fábrica será destinada para baterias de ônibus, mas a ideia é que a produção seja expandida para outros setores. A BYD já tem uma unidade de produção de painéis e chassis de ônibus em Campinas (SP).

O presidente executivo da Associação Brasileira de Comercializadoras de Energia, Reginaldo Medeiros, teme que regulamentação não acompanhe a tecnologia, fazendo com que o consumidor não consiga aproveitar o melhor momento. Para ele, há um atraso intencional na entrada desse cenário em que o consumidor tem o poder de decisão e isso faz com que os custos de energia só aumentem para ele. “É muito complicado ser consumidor no Brasil. Para se ter ideia, estamos apenas em 55º lugar no ranking de abertura ao mercado livre, do ponto de vista do direito ao consumidor”, avisa Medeiros, que participou de painel sobre as perspectivas e oportunidades para o novo consumidor de energia.

Ele prega que o consumidor tenha a liberdade de escolher se vai ficar na distribuidora ou se compra energia no mercado livre. Para ele, a portaria 514, que altera limites de adesão ao mercado livre foi o ponto mais importante no último ano. A associação vem atuando para que uma nova portaria, com inclusão de consumidores acima de 1.500 kW a partir de julho de 2020 e acima de 500 kW a partir de julho de 2021. O presidente da Associação Nacional de Consumidores de Energia, Carlos Faria, que também participou do painel, também se colocou favorável à abertura total do mercado. “É um absurdo falar que no Brasil se pode tudo, menos trocar de distribuidora”, aponta.

A Energy Week também abrigou fóruns para a fonte Solar, PCH, e Cogeração. A necessidade de aperfeiçoamentos nos mecanismos dos leilões traz força para o sinal locacional. O Ministério de Minas e Energia estuda a abertura de uma consulta pública para mudanças nos certames. Contratos longos, como os das UHEs, devem ter seu tempo ajustado a fortes incertezas e ao novo papel do consumidor. “Tenho que acertar esse timing com a expansão da tecnologia”, avisa João Carlos Melo, presidente da Thymos Energia, que participou de painel sobre o assunto.

A modicidade tarifária, que era o principal objetivo dos leilões, perde força. Apesar de ela ter propiciado uma forte expansão do sistema na última década, aspectos como a distância das cargas acabavam por depois fazer com que se gastasse mais dinheiro. “O que achei que era modicidade muda e de certa forma acabo gastando mais dinheiro com aquela fonte do que se não tivesse ela”, observa Mello. A realização de leilões regionais foi pedida por Ricardo Suassuna, da Matrix Energia. Segundo ele, não haveria impedimento legal para a realização de um certame dessa categoria.

Com previsão de 2.600 MW de expansão total no horizonte Decenal para os Subsistemas SE/CO, a biomassa continua como alternativa para a expansão da geração. Em apresentação na ESS, Hélvio Neves Guerra, da Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético do MME, mostrou que desse total, 2.250 MW vem do bagaço da cana, 200 MW de resíduos florestais e 150 MW de Biogás. No ano passado, a Raízen deu a largada na construção das UTE Bonfim, a primeira a ser viabilizada via leilões de energia.  A biomassa deve receber R$ 13 bilhões em investimentos até 2027. Segundo Guerra, em 2018 foram gerados 35,6 TWh por bagaço de cana, correspondendo a quase 7% do consumo de energia elétrica nos setores econômicos (535 TWh). Dessa geração, 60% foi destinada ao mercado e 40% para consumo próprio.

A cogeração a gás natural, que foi tema de um painel no segundo dia do evento, é um campo com boas perspectivas no setor, mas ainda se ressente do processo de modernização que a fonte precisa passar no país. De acordo com Newton Duarte, presidente da Cogen, empresas que investiram em sistemas de cogeração a gás estão com eles parados porque o custo do insumo é proibitivo. “Enquanto o Japão que não tem uma molécula de gás gasta US$ 7 por milhão de BTU, nós gastamos US$ 15”, aponta. Ele classifica o gás com fundamental para a indústria e cogeração nos grandes centros. “É uma forma barata, pouco poluente, transportável, disponível e resiliente”, relata Duarte, que classificou os painéis da ESS com o ponto forte do evento, com temas adequados.

As Pequenas Centrais Hidrelétricas, embora de grande penetração na matriz brasileira, poderia estar experimentando uma expansão maior caso gargalos com licenciamentos fossem mitigados. Hoje o tempo médio de licenciamento de uma PCH é superior a cinco anos. Em cada estado ele é feito de modo diferente.

Segundo José Guilherme Nascimento, vice-presidente do Conselho de Administração da Abragel, um outro desafio é a viabilização econômica da fonte, com demanda em leilões e no mercado livre. Para ele, o MME também pode auxiliar a fonte definindo uma demanda maior de compra de energia de PCHs nos certames. “O governo está comprando muito pouco PCH”, aponta.

O caminho para o destravamento das PCHs pode ser a aprovação de projetos de lei no Congresso Nacional e uma ação efetiva de comunicação de modo a mostrar a fonte para além do setor elétrico. O licenciamento ambiental tem aparecido como vilão das PCHs e CGHs. Estudo apresentado pelo presidente do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico, Marcelo Moraes, mostra que o Brasil pode perder sua matriz de maioria limpa em 11 anos caso nada seja feito para destravar os projetos. Apesar da expansão indicada para fontes como a solar e a eólica, existe a necessidade de uma fonte que assegure potência e flexibilidade ao sistema e PCHs podem garantir isso a um custo mais baixo e limpo que a térmicas convencionais.

Com forte presença em PCHs e biomassa, mas agora direcionando investimentos recentes para a área de eólica, a Brookfield Energia Renovável pretende manter esse mix para a sua expansão. O CEO da empresa, Carlos Gros, admite uma vantagem para eólicas e solares, por elas permitirem mais crescimento. Ainda segundo ele, os projetos greenfield também podem ter preferências sobre os brownfield na expansão.

O executivo acredita que uma solução para o déficit hidrológico está próxima de acontecer. Para ele, a proximidade da votação da reforma da previdência faz com que pautas como a do GSF se aproxime de ser apreciadas pela Câmara dos Deputados. Gros alertou ainda que a solução não deve cuidar apenas do passado, mas também do futuro. “Qual a regra que vamos estabelecer daqui para a frente? Isso é tão ou mais importante”, indagou.

Os CEOs de players do setor se mostraram favoráveis ao movimento de modernização do setor, que traz mudanças como o preço horário. Gros vê o PLD horário como inexorável, já que a flutuação do sistema dificulta a operação com preço semanal. Na AES Tietê, o CEO Ítalo Freitas também se colocou a favor de todas as mudanças propostas, mas pediu prudência para as particularidades do sistema brasileiro. Para o executivo, o sistema brasileiro no futuro será similar ao do Nordeste atual, com forte presença de eólicas e solares.

Na Votorantim, Fabio Zanfelice se mostrou animado com as usinas híbridas. De acordo com ele, a empresa aguarda os movimentos da Agência Nacional de Energia Elétrica para o regramento desse tipo de empreendimento para começar a viabilizá-los. “Temos trabalhado por projetos que se combinam e poderiam auxiliar na operação”, comenta.