Os caminhos da pesquisa para vencer as crises hídricas

Os caminhos da pesquisa para vencer as crises hídricas

Fonte segura para inspirar políticas públicas, a pesquisa científica não tem recebido os recursos garantidos em lei pelo setor de geração de energia elétrica

A pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico são a base para a promoção do crescimento econômico, social e ambiental de uma nação. Exemplos claros e indiscutíveis são encontrados no mundo, como no Japão e na Coreia do Sul, entre outros países. A comunidade científica brasileira – instalada nas universidades, institutos e centros de pesquisa de empresas públicas e privadas -, tem participado ativamente desse processo de construção do conhecimento. Em 2017, os pesquisadores publicaram 68.741 artigos científicos, representando 52,8% daqueles publicados na América Latina e 2,51% da produção mundial. Também foram depositados no Instituto Nacional de Propriedade Industrial 28.667 pedidos de patentes, formados 61.147 mestres e 21.591 doutores. É importante lembrar que há apenas duas décadas, em 1996, a produção científica brasileira representava 38,4% da produção na América Latina e apenas 0,75% da mundial.

Recursos financeiros são requeridos para manutenção e ampliação da infraestrutura e das atividades de pesquisa científica e de desenvolvimento tecnológico. Vale destacar que o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT, criado pelo Decreto-Lei nº 719 de 31 de julho de 1969, tem justamente este objetivo, ou seja, proporcionar recursos às atividades de pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico experimental, de tecnologia industrial básica, infraestrutura para atividades de pesquisa, formação e a capacitação de recursos humanos, além da difusão do conhecimento. Para a área de recursos hídricos, o financiamento das atividades é proveniente da compensação financeira pela utilização da água para fins de geração de energia elétrica, instituída pela Lei no 7.990, de 28 de dezembro de 1989. Essa compensação equivale a 6% do valor da produção de geração. Deste valor, 4% alimentam o FNDCT, em categoria de programação específica denominada Fundo Setorial CT-HIDRO, gerenciado pela Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP).

O valor da compensação financeira tem sido crescente ao longo dos anos. Em 2001 foi de R$ 33,4 milhões e, em 2018, igual a R$ 93,5 milhões. Já o valor executado apresentou crescimento até 2007, mas nos anos seguintes tem decrescido significativamente. Em 2001 foram aplicados em atividades de pesquisa e de desenvolvimento tecnológico R$ 20,6 milhões, chegando em 2007 a R$ 50 milhões, decaindo nos anos seguintes, tendo em 2018 sido aplicados apenas R$ 2,88 milhões, correspondendo a cerca de 3% do valor da parcela da compensação financeira recolhida pelas empresas geradoras pelo uso dos recursos hídricos, que deveriam alimentar o Fundo Setorial CT-Hidro. De acordo com o demonstrativo de execução financeira publicado pelo Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, no primeiro trimestre de 2019 foram empenhados pelo CT-Hidro apenas R$ 17,96 mil, enquanto a arrecadação da compensação financeira para o Fundo, de acordo com o resumo publicado pela Agência Nacional de Energia Elétrica, até o momento, é de R$ 49,6 milhões. Ao mesmo tempo, a FINEP e o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) praticamente não têm lançado editais para promoção da pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico com recursos dos fundos setoriais, em especial do CT-Hidro. A ausência de investimentos em ciência e tecnologia compromete o desenvolvimento sustentável do País, criando cenários ainda mais desfavoráveis às gerações futuras.

Diante de todo este contexto, fica um alerta: investimentos em ciência e tecnologia são fundamentais para melhoria de vida da população, para a melhoria nas condições econômicas e a promoção do uso sustentável dos recursos naturais. A água é um recurso natural limitado, distribuído de forma irregular no território brasileiro, essencial para as atividades econômicas e ao bem-estar social e ambiental. As crises hídricas vivenciadas no Brasil, com maior intensidade nos últimos anos, revelam as fragilidades nos processos de gestão de recursos hídricos e apontam para a escassez dos valores aplicados em pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico.

O tema é tão relevante que já motivou mais de 1.500 estudos técnicos e científicos, atualmente em análise pela ABRHidro (Associação Brasileira de Recursos Hídricos) neste ano. Trata-se de um número recorde de trabalhos inscritos para o maior encontro nacional da comunidade da água, o Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, que acontecerá em novembro, em Foz do Iguaçu (PR). Por meio dessas e de futuras pesquisas científicas é que será possível avaliar os efeitos das alterações climáticas e os impactos do crescente e múltiplo uso da água pelo homem, acompanhando os comportamentos do bioma de água doce. Seus resultados serão fonte segura para orientar políticas públicas, mitigando as nossas já frequentes crises hídricas. E assim garantir a qualidade e a disponibilidade deste produto essencial à vida e ao engrandecimento socioeconômico.

Adilson Pinheiro é Presidente da ABRHidro – Associação Brasileira de Recursos Hídricos