PLS 232: o passo inicial foi dado

PLS 232: o passo inicial foi dado

Após a aprovação do relatório do senador Marcos Rogério (DEM-RO) na comissão de Infraestrutura no Senado Federal no dia 3 de março e a sua consequente aprovação na comissão na semana seguinte, o PLS 232 traz novo fôlego para o setor elétrico. O projeto, que trata da atualização do modelo comercial, tramitava na casa desde 2016. Com a sua aprovação, assuntos como a liberalização do mercado livre, o fim dos subsídios às fontes incentivadas e a separação entre lastro e energia finalmente saem do campo das sugestões e ficam mais próximos da realidade. A Agência CanalEnergia decidiu ouvir mais opiniões sobre a aprovação do PLS e os seus desdobramentos.

Na reunião da comissão que aprovou o projeto, chamou a atenção a presença do ministro Bento Albuquerque e do diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica, André Pepitone, além dos outros diretores, Rodrigo Limp, Efrain Cruz, Elisa Bastos e Sandoval Feitosa. A comissão do Senado se reuniu no mesmo dia de uma reunião da Aneel, o que inviabilizaria a ida deles até lá. A reunião foi interrompida para que eles fossem a comissão, o que de certa forma sinalizou apoio e unidade a todo o processo e movimento que a aprovação do PLS representa.

A aplicação do conteúdo do projeto em realidade faz com que o Brasil fique próximo do que vem sendo praticado no mundo, como a oportunidade de um mercado totalmente livre. Para Carlos Faria, presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia, o projeto consolida medidas que modernizam o setor que já vinham sendo discutido da desde a CP 33. Para ele, há avanços como a abertura total do mercado, em que os consumidores terão a liberdade total de escolher os seus fornecedores. Ele alerta que a modernização do modelo é imprescindível, sob pena do atual modelo não conseguir mais se sustentar. “Se não tiver a modernização do setor, o modelo atual não para em pé. Ele não tem equilíbrio. Hoje vemos uma CDE que só faz crescer custos para o consumidor”, avisa Faria.

Considerando a aprovação do PLS como uma grande vitória do setor, o presidente executivo da Associação Brasileira das Comercializadoras de Energia, Reginaldo Medeiros foi mais um que elogiou a conduta de Marcos Rogério, por ele ter ouvido a todos e atendeu todas as preocupações dos mais variados agentes do setor. “O mais importante é que houve um amadurecimento grande do setor para a aprovação de um texto razoavelmente consensual”, observa. Para ele, a instauração de um novo modelo comercial vai permitir que o setor evolua e tenha uma nova dinâmica em que sejam debatidos novos assuntos, superando os antigos.

Medeiros não vê motivos para algumas preocupações demonstradas por agentes logo em seguida a aprovação do PLS. Eles já estariam contemplados no projeto. O equilíbrio entre os ambientes livre e regulado e a separação entre lastro e energia foram alguns desses assuntos. Segundo Medeiros, muitos aperfeiçoamentos ainda vão ser feitos por via infralegal. Ele também considera necessária essa mudança no modelo em um contexto de crise. “Se a gente não evoluir as novas tecnologias vão entrar com distorções no preço, alocações erradas de custo e muita lentidão, por não ter um marco claro e transparente”, cita.

Um assunto que causou certa surpresa no relatório final foi a redução no prazo para o término de subsídios para as fontes incentivadas, o chamado fim do ‘desconto no fio’. A narrativa que vinha sendo construída é que ele ainda perdurasse por 18 meses. Na ocasião, o secretário de Desenvolvimento de Infraestrutura do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord de Faria, considerou a redução desse prazo como um passo inicial para a redução das tarifas, já que o desconto teria sido criado para ser aplicado em projetos de até 30 MW, o que não vinha ocorrendo. A alteração no prazo foi um pedido do Ministério da Economia.

Alexandre Viana, diretor da Thymos Energia, classifica a temática dos subsídios como uma das mais sensíveis do PL para a sociedade, uma vez que ela envolve valores e alocações de renda, com a mudança na forma de se fazer negócios. “Esse vai ser um ponto que talvez tenha discussão e proponham uma transição mais lenta”, aposta.

Na Associação Brasileira de Energia Solar e Fotovoltaica, a mudança de prazo trouxe certo desconforto. Segundo Marcio Trannin, vice-presidente da associação, muitos desenvolvedores da fonte estavam planejando seus projetos partindo de 18 meses para o fim dos descontos. A associação deverá apresentar uma proposta para que a redução dos subsídios venha de forma escalonada e não em 12 meses. “A Absolar já esperava o fim do benefício e até de certa forma entende o movimento, mas não esperava que fosse de forma tão abrupta”, comenta Trannin.

Para o advogado Carlos Bingemer, do BMA Advogados, a redução do prazo acaba por aumentar a pressão sobre Ministério de Minas e Energia para que apresente uma regulação detalhando os dispositivos legais dentro do período de transição. Para ele, o projeto significa um importante avanço no sentido da modernização do setor elétrico, seguindo um movimento já visto no cenário internacional. “A ampliação do espectro de consumidores com opção de aderir ao mercado livre gera incentivos para que as distribuidoras, com a nova regulamentação, criem produtos e planos tarifários, com diferentes combinações de fontes e postos tarifários, como ocorre hoje em vários países”, frisa Bingemer.

Outro ponto de atenção que ele coloca é o prazo para valoração dos benefícios ambientais, que também cai para 12 meses. Como em um ano terminam os subsídios para energia incentivada, o governo no mesmo tempo deverá implementar um plano para valoração dos benefícios ambientais. A associação quer que os benefícios sejam bem calculados e medidos. “Nessa linha é interessante eles anteciparem para 12 meses essa valorização dos tributos”, avisa.

Outro prazo importante contido no PLS é o de 42 meses para a total liberalização do mercado. a partir daí, todos os consumidores serão livres, poder escolher de quem e qual tipo de energia vão comprar. A abertura do mercado livre era uma coisa que já estava prevista desde a década de 1990 para que acontecesse no começo do século 21. Para Reginaldo Medeiros, o prazo de 42 meses é plenamente suficiente e satisfatório para essa implantação. “É tempo mais que suficiente, é a visão que prevalece no mercado, com consonância de todos os agentes”, explica.

Carlos Faria, da Anace, também lembra que a abertura já vinha sendo discutida há pelo menos dez anos, mas nunca era implantada. Ele também acredita que o prazo estipulado de dois anos e meio é suficiente. “Para o consumidor é muito importante e nós gostamos da ideia que até 2024 a gente consiga ter essa abertura”, ressalta. A abertura do mercado propiciada no PLS também foi elogiada por Marcio Trannin, da Absolar. A ideia de qualquer um poder acessar uma fonte limpa como a solar agrada a ele, que também vê grande chance de boa penetração de associados nesse mercado. Que seja feita de forma ordenada e consciente”, revela Trannin.

A aprovação do projeto foi elogiada por Carlos Bingemer, do BMA Advogados. De acordo com ele, o movimento é muito promissor, já que altera substancialmente o atual modelo em prol da ampla liberdade de atuação dos consumidores no mercado. Ele também considera que a distinção entre lastro e a energia elétrica efetivamente gerada também era uma correção necessária, que foi abordada pelo texto final do projeto. “A criação de um marco jurídico específico para a negociação e contratação independente de lastro permite que os custos sejam distribuídos de forma mais eficiente”, explica.

O pós-PLS também será um período que vai receber atenção e dedicação intensa dos agentes. Muitos temas vão precisar de regulamentação do governo e do órgão regulador. Para Carlos Faria, da Anace, é preciso saber como vão ser amarradas pontas que ainda não foram amarradas. Será um momento em que as melhores práticas já executada deverão ser analisadas de modo que se extraia o que pode ser aplicado no país. A simples importação de um modelo estrangeiro não é suficiente, nem a criação de algo exclusivo para o país. “A solução está no meio termo, vai exigir um grande trabalho dos técnicos do setor”, adverte.

A necessidade de mais detalhes no PLS 232 já havia sido detectada pela Agência CanalEnergia na repercussão inicial, assim como a surpresa com o adiantamento do fim dos subsídios destinados às fontes incentivadas. O equilíbrio entre os custos do mercado regulado e o livre com a abertura foi outro ponto citado. Há um temor que esses custos aumentem com a progressão da migração.

Filipe Soares, diretor técnico da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e dos Consumidores Livres, também coloca a fase de detalhamento como importante nesse processo. Ele lembra que serão gerados dois novos encargos: o da sobrecontratação das distribuidoras com a abertura do mercado livre e encargo de lastro. Segundo ele, é necessária acompanhar de perto os movimentos da abertura do mercado livre para ver o quanto ela vai custar. Uma possível sobrecontratação de distribuidoras passivas na venda do seu excedente e que gera um rateio entre os consumidores pode fazer pode fazer com que aquele que migrou para o ACL pague essa conta no futuro.

Para a contratação de lastro e energia, Soares pediu transparência nos dados e critérios, por ela lembrar a energia de reserva, que era contratada sem que se soubesse a quantidade que era necessária. “Acreditamos que o time do ministério, EPE e Aneel estão bem comprometidos nesses assuntos”, frisa o diretor da Abrace. Faria, da Anace, alerta que o encargo de lastro não pode virar um custo para o consumidor. O período de transição também não está claro para ele, uma vez que hoje eles estão juntos, mas serão separados. “Como o consumidor vai conviver com esse modelo de transição?”, questiona.

Com proposta de trazer concorrência e produtividade, o consumidor aparece no novo marco por começar a ter um papel mais relevante. “Eles poderão optar, por exemplo, por pagar um preço mais caro e consumir energia produzida por uma fonte mais sustentável. Poderão também moldar o contrato e o perfil de consumo a suas necessidades”, conclui Bingemer, do BMA Advogados.