Preparadas para o fim da crise

Preparadas para o fim da crise

Afetadas pela sobra de energia, empresas investem na modernização e qualidade das malhas, à espera da recuperação da economia.

O setor de distribuição de energia elétrica continua pressionado pela sobrecontratação, queda no consumo e aumento da inadimplência, que são consequências do desaquecimento da economia. Apesar do impacto negativo desses fatores, as distribuidoras programaram investimentos vultosos para os próximos anos, que serão destinados para projetos de modernização da rede e melhoria dos indicadores de qualidade do serviço prestado aos consumidores. Os aportes visam também preparar a malha de distribuição para uma reviravolta do cenário econômico, que é esperada pelo setor. “Se o país tiver uma retomada, estaremos prontos para atender o aumento de carga sem nenhum tipo de entrave”, diz Luís Henrique Ferreira Pinto, vice-presidente de operações regulares da CPFL Energia. A empresa, que no período de 2014 a 2016 ampliou em 71% os investimentos na área, está fazendo ajustes no orçamento para 2017. Os planos são de desenvolver nos próximos anos projetos de infraestrutura, assim como de melhorias dos processos de operação e atendimento aos clientes. A prioridade é a automação da rede, com a implantação de sistemas avançados de telemedição, que permitem a transferência de grande volume de dados entre os equipamentos e a central de inteligência. Segundo Ferreira Pinto, estão sendo feitos testes de ferramentas de telemedição na classe de consumidores industriais e comerciais, que respondem por quase 40% das vendas de energia da empresa. O alvo são os clientes de oito distribuidoras que fazem parte do grupo. Posteriormente, o projeto se estenderá a essa mesma faixa da clientela da distribuidora AES Sul, que foi adquirida em outubro de 2016. Com a aquisição da AES Sul, que agora se chama RGE Sul, a CPFL Energia passou a contar com nove distribuidoras em São Paulo e no Rio Grande do Sul e um faturamento de R$ 30,7 bilhões em 2016. Ferreira diz que a empresa ampliou a sua cobertura para 679 municípios e a malha de distribuição chegou a 313 quilômetros de extensão. A base de nove milhões clientes e o volume de 67 mil GWh de energia distribuída asseguram uma fatia de 14,3% do mercado. A Energisa programou investimento de R$ 1,42 bilhão para este ano. Deste total, R$ 1,38 bilhão será alocado em projetos de infraestrutura (como atendimento de novas cargas, expansão da rede, manutenção e substituição de ativos elétricos) e no aperfeiçoamento de processos internos de suas 13 distribuidoras, que atendem 6,5 milhões de consumidores em nove Estados. Parte desse montante será destinada aos programas de universalização de energia elétrica e de combate ao furto de energia. Em 2016, a Energisa investiu R$ 1,6 bilhão, 6% a mais do que em 2015. Nos últimos três anos, os aportes da Energisa somaram R$ 4,5 bilhões, a maior parte destinada à distribuição, que é o carro-chefe dos negócios. Como resultado, as distribuidoras, que chegaram a registrar o menor nível histórico de Decorrência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora (DEC) e Freqüência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora (FEC) – que medem, respectivamente, a quantidade de horas e quantas vezes os clientes ficam, em média, sem energia no ano, melhoraram sua posição no ranking de qualidade de serviços divulgado em março pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Cinco delas estão entre as dez melhores concessionárias que atendem mais de 400 mil clientes, afirma Ricardo Botelho, presidente da Energisa. Já a Enel planeja investir 3,2 bilhões de euros no Brasil entre 2017 e 2019, incluindo distribuição. Os projetos abrangem obras na rede, como a construção e reforço de subestações, instalação de novos equipamentos para aumentar a capacidade e a confiabilidade do fornecimento de energia e digitalização da rede nas áreas de concessão do Rio de Janeiro e do Ceará, afirma Carlos Zorzoli, diretor-geral da companhia no BrasiL Com uma base de sete milhões de unidades consumidoras na capital paulista e 23 municípios da região metropolitana de São Paulo, a AES Eletropaulo revisou para cima os seus investimentos, para R$ 4 bilhões, de 2017 a 2021. No decorrer deste ano, serão aplicados R$ 940 milhões na modernização da rede, com a instalação de religadoras automáticas, identificadores de falta de energia e sistemas de autorreconfiguração da rede de distribuição de energia elétrica, além de 750 quilômetros de rede compacta (Spacer Cable) própria para as regiões arborizadas de sua área de concessão.

“A ideia é que a maior parte desses equipamentos seja instalada até o fim deste ano”, afirma Charles Lenzi, presidente da empresa. Os investimentos fazem parte da estratégia de recuperação do valor da empresa, que tem como um dos pilares a melhoria dos indicadores de qualidade de serviço. Neste quesito, Lenzi diz que foram obtidos resultados positivos, com a redução de 33% do DEC. A avaliação é de que a taxa pode cair mais no decorrer do tempo e ficar “nos limites regulatórios definidos pela Aneel”. Os outros dois pilares da estratégia são: gestão de risco e contingência e o aperfeiçoamento dos mecanismos de governança. A retração econômica é só um dos fatores que explicam a sobrecontratação. As distribuidoras compraram energia nos leilões realizados pela Aneel em cenário mais favorável e com base em uma expectativa de consumo no futuro que não se materializou. Mas o setor considera que questão regulatória também foi determinante para as sobras contratuais: houve uma migração de clientes para o mercado livre, por causa do aumento expressivo da conta de luz nos últimos anos – fruto da Medida Provisória 579, de 2012 – e da compra compulsória de energia no Leilão A-I de 2015. A sobrecontratação média do setor deve ser de 111,6% neste ano, o que em termos de potência corresponde a um estoque de cerca de 5 GW de eneriga, estima Marco Antonio Delgado, diretor da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), para quem vai demorar algum tempo para a situação se normalizar. “Deveremos retomar às condições médias de equilíbrio (em torno de 103%) a partir de 2021 ou 2022, conforme a evolução do mercado.” Pelas regras atuais, as distribuidoras são remuneradas pela contratação de 95% a 105% de sua demanda. Significa que até esse patamar, os custos de aquisição de energia elétrica nos leilões podem ser repassados para a tarifa. Considerando a taxa estimada pela Abradee, há uma sobra contratual de 6,6% que elas terão que absorver. Uma alternativa para minimizar o impacto da sobrecontratação é comercializar o excedente de energia no mercado livre, mecanismo previsto em lei (MP 735), mas que depende de regulamentação. Por outro lado, as distribuidoras pleiteiam o reconhecimento, pela Aneel, de que a sobrecontratação foi consequência de exposição involuntária (compra compulsória de energia no Leilão A-I e a fuga de clientes para o mercado livre). Se forem atendidas, elas poderão repassar os 6,6% excedentes para a tarifa. A medida resolve parte do problema, avalia Ferreira Pinto, da CPFL Energia. “O impacto da sobrecontratação será bem menor.” O processo de migração para o mercado livre envolveu 1,8 mil consumidores no período de 2015 a 2016, representando em torno de 1 GW de potência acumulada, diz João Carlos de Oliveira Mello, presidente da consultoria Thymos Energia. Na área de concessão da AES Eletropaulo, 365 unidades fizeram a transferência. A empresa registrou no ano passado sobrecontratação de 110,87% e queda de consumo de energia de 0,6%, principalmente na classe de consumidores residenciais. A CPFL Energia contabilizou queda de 1,1% no consumo de energia (para 41,277 mil GWh) na comparação entre 2016 e exercício anterior. Considerando a classe de consumo, segmento industrial registrou a maior queda, de 5,7% (para 21,57 mil GWh), enquanto no segmento comercial a redução foi de 1,6% (para 9,785 mil GWh).