Queda não melhora tarifa

Queda não melhora tarifa

Puxada pela indústria, a demanda diminui, mas a pressão sobre os preços no mercado cativo deve permanecer até 2020.

Pela primeira vez desde o racionamento de 2001 a fevereiro de 2002, quando houve um corte compulsório de 20% no consumo, o mercado poderá registrar dois anos consecutivos de retração, puxada pela indústria, cuja demanda caiu 5,3% no ano passado.

Isso torna o cenário de sobrecontratação das distribuidoras uma questão que se pode prolongar além deste ano.

Ganha força também o fato de que a queda no consumo se alia à projeção de patamares elevados de preço no mercado cativo até, pelo menos, 2020, o que pode ter quádruplo efeito: mercado livre maior, caixa pressionado da distribuição, alta da inadimplência entre os consumidores e reforço a fusões e aquisições do segmento.

A recessão atual fará com que a média anual de consumo do Brasil se mantenha em patamares inferiores a de outros países.

No Plano Decenal até 2024, em que se previa alta do PlB de 1,8% anual entre 2014 e 2019 e de 4,5% entre 2020 e 2024, o governo estimava que o consumo per capita crescesse 3,4% ao ano entre 2014 e 2024, chegando a 3.600 kWh, ainda menos da metade do verificado nos países da Organização para cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), cuja média é de 8.200 kWh por ano.

Mas esse ritmo de crescimento deverá ser menor com a recessão do ano passado e de 2016, o que poderá ficar transparente na revisão do plano, que deve ser anunciada até junho.

Novo recuo também pode ser registrado pelo setor residencial, que no ano passado teve a maior queda em 15 anos, o que indica que o segmento ainda se manterá abaixo do nível verificado antes do racionamento de 200l.

No ano passado, o consumo médio residencial recuou de 167 para 162 kWh, queda de 3,4% em relação a 2014, segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Foi a maior retração do indicador em 15 anos.

Em 2001, por conta do racionamento, a queda no consumo tinha sido de 15% e de outros 5% em 2002.

Boa parte do recuo se explica pela queda de consumo em São Paulo, que representa quase 30% da classe residencial no país e aproximadamente 60% do Sudeste.

A retração também reforça a tendência de que a média de consumo residencial ainda levará tempo para retomar aos patamares verificados antes do racionamento.

Em 2000, a média de consumo residencial chegou a 173 kWh, nível ainda não atingido nos últimos 15 anos. No ano passado, chegou a 161,8 kWh.

A indústria, que responde por 30% do consumo do país, deve continuar sofrendo os efeitos da recessão e da alta de custos, devendo registrar sua terceira redução no consumo.

Em 2014, houve uma queda de 3,7% e, no ano passado, uma retração de 5,3%.

“Em 2017, pode ser que estabilize”, destaca Cristopher Vlavianos, sócio da Comerc Energia.

“A recessão atual deve manter o consumo em queda, porque há uma elasticidade entre o crescimento da economia e ele, e neste ano prevê-se uma queda do PIB de 4%. Talvez a retomada do consumo ocorra apenas no fim do próximo ano”, observa Paulo Roberto Duarte de Toledo, sócio da Ecom Energia.

O próprio governo, que estimava alta de 1 % do consumo, está revisando seus números. O presidente da EPE, Mauricio Tolmasquim, diz que ele poderá ser negativo neste ano.

“O país deverá continuar expandindo seu consumo nos próximos dez anos, mas o ritmo será menor”, destaca, frisando que os números deverão ser conhecidos em maio.

Nas contas da PSR, uma das principais consultorias do setor elétrico, o consumo deve ficar no mesmo patamar de 2015, mas o sócio Luiz Barroso diz que o mercado enxerga a previsão como otimista.

“A base de consumo está retraída, há muita ociosidade na indústria, e cabe ressaltar que a retração do ano passado fez com que o mercado perdesse dois anos de crescimento do consumo, com uma base que será menor”, analisa.

Para Reinaldo Ribas, gerente de gestão de clientes do Grupo Delta Energia, o mercado deve se retrair de novo neste ano.

“Seria a primeira queda em dois anos consecutivos desde o racionamento”, aponta.

A queda do mercado se conjuga a outro elemento: as tarifas no mercado cativo devem se manter pressionadas até pelo menos 2020.

Pode haver pequenas reduções, como o fim do acionamento de térmicas a partir de abril e a consequente bandeira verde nas contas de luz, o que deve reduzir em 3% as tarifas neste ano, mas nada que mude o patamar em que os preços se encontram.

Primeiro, porque o câmbio em outro patamar pressiona os preços de compra da usina de Itaipu, que são dolarizados e contaminam as tarifas das principais distribuidoras do Sudeste.

Além disso, o custo do empréstimo do Tesouro às distribuidoras para cobrir os efeitos da MP 579 será cobrado dos consumidores até 2018.

Por último, o governo ainda precisa pagar a indenização dos ativos das transmissoras anteriores a 2000 cujo prazo de concessão expirou entre 2013 e 2015, também previsto na MP 579.

Estima-se que o valor possa superar R$ 15 bilhões e deverá ser cobrado nas tarifas.

O governo sinalizou que esse valor poderia ser ressarcido nas tarifas a partir de 2019, quando o pagamento via conta de luz das distribuidoras já tiver sido concluído.

Mas ainda não há decisão firmada sobre esse ponto.

“Isso é um fator a mais de pressão na tarifa para o mercado cativo”, diz João Carlos Mello, presidente da Thymos Energia.

Estruturalmente, as pressões se mantêm.

“A matriz hoje é hidrotérmica, o acionamento das térmicas é mais caro e o custo marginal de expansão do sistema é crescente”, destaca Karin Luchesi, vice-presidente de operações de mercado da CPFL Energia.

As novas usinas hidrelétricas na região Norte têm questões ambientais mais complexas e exigem interligações extensas com o Sudeste e o Nordeste.

Segundo analistas, os projetos hídricos têm custo de geração mais baixo: cerca de R$ 100 a R$ 120 o MWh, enquanto as térmicas custam mais do que o dobro desse valor.

Mesmo com essa competitividade, os preços deverão ser pressionados com as novas condições de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que agora financiará até 50% dos projetos, e não mais 70%, e com a desvalorização cambial.

Há outra preocupação: grandes empreendimentos, como as usinas do rio Madeira e a licitação de Belo Monte, sofreram atrasos em alguma etapa, o que trouxe dúvidas sobre o custo deles e sobre os prazos.

As usinas saíram acima do investimento inicialmente orçado e com atrasos.

“O custo marginal de expansão é crescente”, diz Mello, da Thymos Energia.

A retração no consumo e as tarifas em patamares elevados ainda no mercado cativo devem colocar a inadimplência como um dos principais pontos de preocupação dos executivos das distribuidoras nos próximos anos, o que fará com que gestão e eficiência ganhem ainda mais força.

Em 2015, a AES Eletropaulo registrou aumento de 1% no índice de inadimplência.

Para manter o indicador sob controle, a empresa reforçou a participação e realização de feirões de negociação com seus clientes.

No total, foram quase 5 mil acordos e mais de R$10 milhões negociados com os clientes, valor 133% maior do que em 2014, refletindo a piora do cenário macroeconômico e do aumento no valor das faturas.

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Esse cenário deve provocar impacto na adoção das redes inteligentes de energia.

As distribuidoras mais capitalizadas podem investir nos projetos, de olho em ganhar maior eficiência e controle dos clientes, para reduzir a inadimplência e ter custos mais competitivos.

Aquelas com problema de caixa ou em regiões com menor renda devem manter-se alheias ao processo, o que pode distanciá-las das metas de qualidade estipuladas pelo governo.

O Brasil está atrasado nessa corrida tecnológica.

No país, existem hoje cerca de 80 milhões de medidores.

Menos de 5% são inteligentes.

Nos Estados Unidos, 43% das unidades consumidoras operam com medidores inteligentes e, na Califórnia, todos os medidores instalados são bidirecionais, leem o consumo e indicam se o cliente gera energia com seu painel fotovoltaico.

Fonte: Valor Econômico 31/03/2016 Roberto Rockmann