Setor energético pede veto à MP da crise hídrica por ‘afetar bolso do consumidor’

Setor energético pede veto à MP da crise hídrica por ‘afetar bolso do consumidor’

Especialistas e dez associações do setor energético criticaram as emendas inseridas na Medida Provisória 1.055 (MP da crise hídrica), que está para ser votada na Câmara dos Deputados.

Segundo dados da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), o projeto tem propostas que pesam no bolso do cidadão e criam despesas extras para os cofres públicos de até R$ 46,5 bilhões. Deste valor, R$ 33 bilhões seriam para financiar novos gasodutos.

Em manifesto divulgado na terça-feira (5), as associações signatárias fizeram um apelo para que o Congresso Nacional vete as emendas ao texto original que, segundo as entidades, inclui dispositivos legais que imputam custos que penalizam todos os consumidores em benefício de alguns segmentos da economia.

“Solicitamos a análise criteriosa das alterações propostas que resultam em novos custos com forte impacto nas tarifas de energia elétrica, tais como: custo de gasodutos a serem atribuídos às tarifas de transmissão de energia; prorrogação de subsídios ao carvão mineral; ampliação do prazo de reserva de mercado de compra compulsória de energia e adição de novos empreendimentos aos contratos do Proinfa que venham a ser prorrogados”, diz um trecho do manifesto.

Para a Abrace, o texto inicial da MP era tecnicamente justificável. Porém, com as criticadas inserções, chamadas de jabutis, a proposta passou a ser considerada indefensável pelo setor, por encarecerem ainda mais a conta de luz e repassar os custos para o consumidor. Uma das sugestões que geram polêmica é de jogar para o consumidor o financiamento de gasodutos, diz a associação.

Marcos Madureira, presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), uma das signatárias do manifesto, explicou os motivos da reivindicação contra as emendas da MP e mostrou preocupação com o que chamou de custos extraordinários.

“A posição é que as emendas colocadas nessa MP trazem impactos significativos para consumidores de energia elétrica aumentando seus gastos, ao trazerem uma série de custos adicionais desnecessários para o setor. A inserção dessas emendas deve ser reavaliada para que não haja custos extraordinários pela construção de gasodutos, pela manutenção por mais tempo de reservas de mercado para instalação de PCHs (pequenas centrais hidrelétricas) e pela questão relacionada à térmicas a carvão”, disse.

Inserida na privatização da Eletrobras, a obrigatoriedade do governo federal a contratar oito gigawatts (GW) gerados por usinas térmicas movidas a gás natural gerou um debate sobre como seriam financiadas a expansão dos gasodutos e quem viabilizaria financeiramente a proposta. Na emenda à MP 1.055 apresentada pelo deputado Viana em seu relatório, foi sugerido que haja a incorporação do custo dos gasodutos destas térmicas e das contratadas como reserva de capacidade às tarifas de transmissão. Ou seja, custos repassados na conta de luz dos consumidores.

Mário Menel, presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape), também criticou a proposta de embutir os subsídios para a construção de gasodutos na conta de luz.

“Fomos contra a implantação de 8 GW de usinas a gás, argumentando que com o valor teto estabelecido não seria possível viabilizar térmicas longe de centros de carga e onde não há disponibilidade de gás, justamente por esperarmos que fosse acontecer o que agora está acontecendo. Muitas térmicas listadas só têm viabilidade se houver subsídios na construção dos gasodutos que até agora estão embutidos na MP 1055. No momento em que a indústria necessita de energia e tarifas e preços competitivos, é inadmissível a imputação desse tipo de custo ao setor elétrico brasileiro”, avalia o presidente.

Em consonância com as associações, Maurício Tolmasquim, ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e professor da Coppe/UFRJ, alertou que, de fato, do jeito que as emendas estão postas, o consumidor será obrigado a pagar a conta com a construção da infraestrutura de transporte do produto.

“Primeiro, inseriram emenda obrigando a contratação de termelétricas onde não tem gás e longe do mercado consumidor. Agora, em MP a ser votada, obrigam o consumidor de eletricidade a pagar pela construção dos gasodutos bilionários”, critica.

Tolmasquim diz ainda não faz sentido determinar a instalação de térmicas em locais em que ainda há a necessidade da construção de gasodutos, e criticou o modelo de contrato, que pretende impor restrições por 20 anos.

“Do ponto de vista técnico não tem justificativa nenhuma. Além de ter de construir gasodutos caros para levar o gás para as termelétricas, terá de se pagar pela construção de longas linhas de transmissão para levar a energia para o consumidor. Fora isto, a lei em que foram aprovadas as térmicas indicam que elas serão inflexíveis. Ou seja, terão de ser chamadas a operar mesmo em momentos de elevada disponibilidade de águas nos reservatórios e bons ventos. Isto significa que em determinados momentos se estará queimando um gás caro e poluente sem necessidade”, complementa.

Contudo, o ex-presidente da Eletrobras destaca que, em termos contratuais, a inflexibilidade é positiva para o contrato, porque facilita a amortização do gasoduto e garante a produção de gás o ano inteiro. No entanto, para a população, a estratégia não é a mais adequada. “Do ponto de vista do consumidor de eletricidade e do meio ambiente é péssimo. Quanto mais fontes intermitentes tivermos no sistema (eólica e solar) mais importante as termelétricas serem flexíveis”, conclui.

O relatório do deputado Viana foi protocolado na sexta-feira (1) e a proposta chegou a ser pautada para ser votada no plenário em reunião deliberativa da câmara na segunda-feira (4). Porém, não houve acordo para votação e a pauta aguarda nova data para ser apreciada.

Entre as principais emendas protocoladas por Adolfo Viana, destacam-se, além da inclusão dos gasodutos nas tarifas de transmissão, a prorrogação do subsídio ao carvão mineral, cujo relatório prevê que o subsídio federal, previsto para acabar em 2027, seja prorrogado até 2035, a extensão do prazo para reserva de mercado para usinas de pequeno porte (PCH) sem tributos e encargos e a mudança do indexador na prorrogação dos contratos do Proinfa.

Sobre a prorrogação do subsídio do carvão, a medida pode gerar, segundo a Abrace, um custo adicional de R$ 2,8 bilhões ao governo. Além disso, a proposta vai na contramão de outros países, que têm promovido procurado abolir o uso do produto, considerado altamente poluente. Parte do mercado tem entendido a medida como um inadequado “subsídio à poluição”.

Em relação às PCHs, o relatório sugere que os contratos para reserva de mercado criados na MP da Eletrobras passem de 20 para 25 anos de vigência. Além disso, diz a Abrace em nota, “exclui do preço teto, encargos e tributos das PCHs, aumentando o valor líquido do preço teto da geração”, que pode gerar um impacto de R$ 700 milhões em projeção de custo futuro.

Uma emenda estende o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) por 20 anos, sem a redução imediata de preços, que foi estabelecida na MP da Eletrobras. De acordo com a Abrace, o impacto da extensão proposta pode chegar a R$ 8 bilhões em cálculos de custo futuro.

O manifesto foi assinado pela Associação Brasileira para Desenvolvimento Atividades Nucleares (Abdan), Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi), Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape), Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace) e Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica (Apine).

Procurados para comentar sobre a Medida Provisória e suas emendas, o deputado Adolfo Viana e o Ministério de Minas e Energia ainda não se manifestaram até o momento.

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