Subsídio cruzado é imposto oculto

Subsídio cruzado é imposto oculto

No mundo dos negócios, o Brasil ostenta o título de território hostil às empresas e aos investimentos. Grande parte desta fama decorre dos custos e dos riscos tributários e trabalhistas. Entretanto, nas últimas décadas, as tarifas públicas assumiram a liderança no campeonato do “custo Brasil”.

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O valor das tarifas de serviços públicos tornou-se proibitivo no país, especialmente para os empreendimentos dependentes de fornecimento público ou de licenças para autogeração — como é o caso de energia elétrica e água/esgoto. A situação chegou ao ponto de afugentar empresas tradicionais dos setores de alumínio, embalagens, gases industriais e outros intensivistas nestes insumos, acirrando a desindustrialização. Por sua vez, as empresas que aqui permaneceram aumentaram vertiginosamente os preços de seus produtos e serviços.

O principal fator de aumento decorre de um único mecanismo embutido na estrutura das tarifas públicas do país: o subsídio cruzado. Trata-se de um valor cobrado das empresas estatais, das concessionárias ou diretamente do consumidor final, mas que não remunera os custos da prestação do serviço, e sim outros serviços de interesse da União, dos estados ou dos municípios — ou apenas das próprias empresas.

Esse modelo de financiamento de políticas públicas (e também de estratégias empresariais) é antigo, mas no Brasil tornou-se política de Estado a partir dos governos militares, sendo a “fórmula mágica” para aumentar a arrecadação e o financiamento do setor público, sem a necessidade de criar ou aumentar tributos.

Ao invés de se buscarem receitas por meio de impostos, sob a transparência mínima da deliberação orçamentária, apostou-se nos chamados “encargos setoriais”, cobrados como acréscimos escondidos nas tarifas públicas — como nos projetos do PLANASA e do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). Desde então, os encargos setoriais foram mantidos e ampliados por sucessivos governos, acrescentando-se alguns exemplos pitorescos, como o seguro-apagão (FHC), os “riscos hidrológicos” (Dilma) e as recentes “bandeiras tarifárias” (Temer). Isto sem falar na progressividade inexplicável e abusiva das tarifas de água e esgoto.

Hoje, os subsídios cruzados respondem por cerca de 40% do custo médio das tarifas no país, especialmente as de energia elétrica e água/esgoto.

A estrutura das tarifas de energia elétrica é a maior aberração de todas. São 12 encargos setoriais, cobrados dos usuários de alta e baixa tensão em todo o país. Esses custos dobram a conta de diversos consumidores, especialmente do Sul e Sudeste. Encargos conhecidos como P&D e o PROINFA destinam polpudos recursos para investimento em pesquisa e desenvolvimento e em fontes alternativas de energia. Contudo, tais custos não têm qualquer relação com os serviços efetivamente consumidos pelos usuários. E pior, várias concessionárias sequer aplicaram os valores recebidos nas finalidades para as quais foram (inconstitucionalmente) destinados, distribuindo dividendos aos seus acionistas nos mesmos períodos.

Na mesma linha estão as tarifas de água e esgoto: o Brasil ocupa há muito tempo a primeira posição no custo per capita mundial, quando comparados Rio e São Paulo às 130 cidades mais importantes do mundo (cf. The Economist Anual Survey). Nos últimos dez anos, a companhia paulista distribuiu a acionistas (inclusive no exterior) mais de R$ 60 bilhões em dividendos. Já a Cedae vem obtendo lucros operacionais anuais na casa de R$ 1 bilhão, os quais são gastos em obras públicas de interesse dos sucessivos governos estaduais.

Diante do descalabro atual das tarifas públicas, deveria o novo governo buscar reestruturar imediatamente o modelo tarifário brasileiro, pois é nele que se encontra a mais perversa e oculta carga tributária imposta às empresas e a todos os brasileiros.