Um excedente que custa caro

Um excedente que custa caro

Sistema de cotas fez empresas comprarem energia demais e, agora, precisam equilibrar as finanças em um horizonte de queda no consumo.

As distribuidoras de energia elétrica saíram de um quadro de estresse financeiro para o de relativo alívio de caixa que lhes têm permitido honrar compromissos no mercado.

Entretanto, a brusca mudança ocorrida no intervalo de três anos não foi suficiente para resolver todos os problemas que o setor enfrenta entre os quais se destacam a queda do consumo, aumento da inadimplência e a sobrecontratação.

Consequência da desaceleração econômica, o baixo consumo de energia e a inadimplência preocupam por que afetam diretamente os resultados financeiros das distribuidoras.

De acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a queda no consumo apurada no ano passado foi de 1,7% em relação a 2014.

A edição da Medida Provisória 579, em 2012, mudou as regras de contratação do setor de energia elétrica com a introdução dos sistemas de cotas.

Para renovar as concessões que estavam por vencer, as companhias geradoras teriam de transformar os seus contratos em cotas

de energia, que seriam fornecidas às distribuidoras a um custo bem mais baixo, permitindo a redução da tarifa paga pelo consumidor final.

Nem todas aceitaram.

A ideia por trás da proposta era de que a energia elétrica já estava amortizada e poderia custar mais barato ao consumidor final, o que de fato aconteceu. A conta de luz ficou cerca de 20% mais baixa.

O sistema de cotas adotado é criticado por Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil.

“O governo fez a partição das cotas de forma discricionária para tentar fazer com que a redução artificial da conta de luz fosse mais ou menos equânime.”

Além disso, prossegue Sales, o sistema de cotas retirou do mercado uma quantidade enorme de energia.

As distribuidoras não puderam fazer contratações porque o governo não promoveu leilões A-I em 2012, e os que estavam programados para 2013 não tiveram lances, o resultado é que as empresas ficaram descontratadas ou seja, não tinham energia elétrica para abastecer os seus consumidores e precisaram recorrer ao mercado de curto prazo.

Com a falta de chuvas e o acionamento das usinas termelétricas, o preço diário da energia elétrica no mercado de curto prazo chegou ao patamar de R$ 820,00 o kWh, muito acima dos cerca de R$ 170,00 por kWh desembolsados, em média, nos leilões públicos.

“A receita não cobria os custos, e as distribuidoras já não conseguiam honrar os seus compromissos”, lembra Roberto Brandão, pesquisador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Gesel UFRJ).

O estresse financeiro foi superado com a adoção de algumas medidas que contribuíram para reduzir a pressão dos custos e aliviar o fluxo de caixa das distribuidoras, como empréstimos adquiridos via Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) para cobrir a subcontratação e adoção das bandeiras tarifárias, que mudaram o modelo de cobrança da energia elétrica entregue ao consumidor final, permitindo o repasse dos custos no mês seguinte.

Entretanto, o setor de distribuição se depara agora com o problema da sobrecontratação.

Nos leilões públicos realizados a partir do final de 2013, as empresas compraram mais energia do que o necessário para suprir a demanda.

Elas fizeram contratos com base em uma expectativa de consumo de energia elétrica que não se materializou nos últimos dois anos e que tende a seguir em baixa no decorrer de 2016 por causa da retração da economia, explica Brandão, da Gesel UFR.

Estima-se que as distribuidoras possuem uma sobrecontratação de 7,1% em 2016.

Conforme as regras do setor de distribuição, até 5% do custo de aquisição pode ser repassado para a tarifa.

Acima desse índice, a energia elétrica pode ser comercializada no mercado de curto prazo, só que a preços bem menores que os pagos nas compras efetuadas junto às geradoras, o que representa um prejuízo para as empresas.

A estimativa é de que pouco mais de 2% da energia comprada pelas distribuidoras nos leilões públicos será vendida no mercado de curto prazo.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) abriu audiência pública para tentar solucionar o problema da sobrecontratação, que é estimada em 3 mil MW.

Uma possibilidade estudada é que as distribuidoras e as geradoras possam estabelecer negociações bilaterais para suspensão de parte do fornecimento de energia elétrica ou a sua postergação.

A regra seria aplicada somente nos contratos que ainda não foram iniciados.

O setor de distribuição se depara com outra questão importante: o aumento da capacidade instalada de energia elétrica com o inicio da operação das usinas hidrelétricas de Jirau, Santo Antônio e Teles Pires, a instalação de parques de geração eólicas e a ativação das primeiras turbinas da usina de Belo Monte.

Esse fator, combinado com a melhoria das condições de hidrologia e o baixo consumo, deixou o sistema elétrico folgado, observa Brandão, da Gesel/UFRj.

As usinas termelétricas foram desligadas com o volume de chuvas registrado no ano passado e início de 2016, o que sinaliza uma queda no preço da energia elétrica nas compras de longo prazo.

Tanto que a cor da bandeira tarifária mudou de vermelha para amarela, implicando reajustes menores na conta de luz.

Mesmo assim, ela deve continuar pesando no bolso dos consumidores para que as distribuidoras possam pagar empréstimos – o montante, que, corrigido, chega a R$ 40 bilhões, deve ser quitado até 2020 – e cobrir outros passivos oriundos de contratos mais caros.

As distribuidoras são pressionadas também a cumprir os requisitos financeiros e de qualidade estabelecidos pela Aneel, sob pena de não renovação de concessões, muitas das quais vencem no período de 2015 a 2017.

Trata-se de um grande desafio, sobretudo para as empresas que têm qualidade de serviço ruim ou estrutura de capital muito frágil.

Como 22 das 41 concessões que estão expirando não conseguiram atingir as métricas, a expectativa gira em torno de possíveis aquisições, abrindo caminho para um processo de consolidação do setor.

Há uma expectativa, também, quanto à privatização de distribuidoras pertencentes ao grupo Eletrobras.

Segundo Brandão, da Gesel/UFRJ, a venda seria um bom negócio para os clientes dessas empresas, já que “a Eletrobras mostrou ao longo dos anos ser uma má gestora de distribuidora”. O pesquisador acredita que haverá algum nível de consolidação, mas lembra que o setor de distribuição é pouco concentrado.

A CPFL Energia, que em dezembro do ano passado renovou a concessão de três de suas oito distribuidoras, está atenta às oportunidades que poderão surgir no mercado com o cancelamento de concessões e a venda de distribuidoras da Eletrobras.

“Estamos nos preparando para sermos competitivos no processo de consolidação do setor”, afirma Luis Henrique Ferreira, vice-presidente de operações regulares da companhia.

O executivo afirma que a distribuidora enfrentou o período crítico dos últimos anos com uma gestão eficiente que permitiu manter em níveis baixos a inadimplência: somou R$ 188 milhões, representando 0,85% do faturamento dos últimos 12 meses até setembro do ano passado (os dados do quarto trimestre de 2015 não foram divulgados), pouco acima da taxa de 0,82% registrada em julho de 2014.

A companhia, que atende 7,4 milhões de consumidores em 570 municípios de São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Minas Gerais, investe cerca de R$ 1 bilhão por ano na expansão, modernização e automação da rede de distribuição, com o objetivo de melhorar a qualidade do serviço para reduzir a incidência de interrupções no fornecimento de energia elétrica e o custo operacional.

Um dos projetos é a adoção do sistema de medição inteligente (smart grid) nos 25 mil clientes do grupo A, que consomem 45% da energia elétrica distribuída pela CPFL Energia.

Além disso, há piloto em andamento no grupo B, que reúne os consumidores comerciais e residenciais.

Algumas centenas de medidores estão sendo testados nos municípios paulistas de Campinas, Santos e Sorocaba antes da implementação em grande escala.

“É um investimento que a companhia vai fazer nos próximos cinco anos”, explica Ferreira.

Fonte: Valor Econômico 31/03/2016 Inaldo Cristoni