Um olhar sobre os 20 anos de regulação do setor elétrico no Brasil

Um olhar sobre os 20 anos de regulação do setor elétrico no Brasil

O surgimento da ANEEL, assim como de outras agências reguladoras no Brasil, seguiu uma tendência observada em outros países e teve certo viés de contrapartida ao processo de privatização ocorrido na década de 90.

A demanda surgiu a partir do pressuposto de que a transferência da prestação de um serviço público federal a agentes privados deveria ser acompanhada de uma base mais sólida e de um maior rigor no exercício das funções de regular, fiscalizar, mediar e definir tarifas, com vistas a preservar o interesse público e garantir o equilíbrio do mercado.

Isso porque o fornecimento de energia elétrica é de competência da União, que pode executá-lo diretamente ou mediante concessão (ou permissão).

Vale lembrar que agências reguladoras, como a ANEEL, devem atuar com independência em relação aos interesses de três partes diretamente envolvidas: o prestador do serviço, seu público consumidor e, finalmente, o próprio governo, buscando sempre conciliá-los.

Passados esses primeiros 20 anos de atividades da ANEEL, qualquer balanço que se queira produzir sobre os resultados de suas ações no período resultará em algo certamente influenciado pelas diferentes visões de distintos atores que se disponham a fazê-lo e, portanto, carecerá de unanimidade.

De todo modo, o saldo é positivo.

A regulação do setor elétrico tem mostrado que sua construção ocorreu com solidez suficiente e necessária em suas bases conceituais e que a Agência tem obtido sucesso na busca pela sua evolução, seja no que diz respeito ao aprimoramento das regras inicialmente fixadas, seja no gradual e natural aumento, tanto quanto possível, do rigor nas suas ações de fiscalização, realizadas presencialmente ou à distância, privilegiando-se cada vez mais os aspectos preventivos (foco no futuro) em contraposição aos meramente corretivos ou punitivos (foco no que já aconteceu).

Para isso, basta olharmos a evolução ocorrida no que se refere às exigências estabelecidas e aos mecanismos de controle voltados para a garantia da qualidade do produto oferecido e dos serviços prestados pelas distribuidoras a seus clientes, embora essa evolução, ingenuamente, possa parecer um aspecto regulatório de menor importância frente às atuais preocupações do setor.

Tomada a cadeia de atores envolvidos na prestação do serviço público de energia elétrica (geração, transmissão e distribuição), as empresas de distribuição de energia elétrica estão mais expostas a riscos, sendo que boa parte deles deve-se, justamente, ao fato de que são as distribuidoras que atuam como elo da cadeia com a população usuária desse serviço.

Como alguns exemplos, temos:

1) – Enquanto novos empreendimentos de geração e de transmissão têm suas “tarifas” ou preços acordados nos leilões realizados pela ANEEL, as tarifas definidas para as distribuidoras são afetadas por uma previsão de mercado que pode não se confirmar, por força de fatores sobre os quais não exercem qualquer controle;

2) – Pressiona-se consistentemente a parcela dos valores cobrados dos consumidores que se destina efetivamente às distribuidoras (cerca de 16% em 2015) sendo o restante repassado ao governo sob a forma de tributos, aos demais agentes (geradoras e transmissoras) e para custeio de programas setoriais;

3) – São igualmente as distribuidoras que arcam com o aumento da inadimplência dos consumidores, que se amplia em contextos econômicos menos favoráveis, fato que não as exime de transferir os valores devidos aos governos – federal e estaduais – e aos demais agentes;

4) – Naturalmente são as distribuidoras que respondem pela qualidade do produto, dos serviços e do atendimento comercial prestado aos consumidores, sendo exigidas pelo regulador, inclusive financeiramente, a cumprir os padrões de qualidade fixados pela regulamentação.

Claro que não se trata de julgar inadequada a existência de padrões mínimos de qualidade e seu paulatino estreitamento, mas, apenas, de constatar e destacar que as distribuidoras constituem o elo mais fortemente afetado.

Pode haver um conjunto de pressões e preocupações mais graves que as descritas acima, não apenas para as distribuidoras, como também para geradoras e transmissoras.

De todo modo, esse elenco de pressões ou preocupações mais contundentes, associado aos exemplos citados exige que as empresas disponham de uma “regulação interna”, isto é, estrutura e recursos voltados para a gestão das obrigações e necessidades regulatórias, com vistas a detectar e apontar possíveis rupturas a serem corrigidas e não repetidas, se já ocorridas, ou a serem evitadas, se previstas a tempo.

A boa notícia é a de que há empresas que trabalham, neste exato momento, no sentido de prover ferramental para esses agentes, de modo a que possam atuar na condição descrita.

Basta aguardarmos e teremos, em breve, boas novas para o cenário.

Fonte: Empresas & Negócios 21/10/16 Rivaldo Ferreira – Márcio Pires