Um substrato sólido para a geração distribuída no Brasil

Um substrato sólido para a geração distribuída no Brasil

Os esforços do país, tanto em incentivos quanto na regulação, tem permitido o desenvolvimento deste mercado, destacadamente o eólico e o fotovoltaico, mas, ainda com uma potência injetada no Sistema Interligado Nacional muito pequena e, também, sem uma estrutura regulatória apropriada que atenda o universo de consumidores, equilibradamente.

O fenômeno da disseminação das pequenas usinas de geração distribuídas – GD tem exigido um redesenho dos sistemas elétricos, nos requisitos técnicos das redes, na organização dos mercados de eletricidade e nos papéis desempenhados pelas diferentes instituições do setor, particularmente as de distribuição. O problema da GD é mais amplo na medida em que as vantagens devam ser proporcionais para todos os consumidores. Os esforços do país, tanto em incentivos quanto na regulação, tem permitido o desenvolvimento deste mercado, destacadamente o eólico e o fotovoltaico, mas, ainda com uma potência injetada no Sistema Interligado Nacional muito pequena e, também, sem uma estrutura regulatória apropriada que atenda o universo de consumidores, equilibradamente.

Ao privilegiar a GD, passa-se a ter um indicador de confiança mais elevado no fornecimento de energia elétrica, independente do sistema hidrotérmico tradicional, favorecendo o sistema elétrico interligado, evitando-se déficits de geração, construção de linhas de transmissão e distribuição longas, permitindo ganhos de eficiência, postergando investimentos em novos empreendimentos de grande porte, e reduzindo os conflitos com áreas indígenas e órgãos ambientais. Por isto mesmo sua significação e seu alcance vão mais além do que (importantes) placas fotovoltaicas no telhado.

Reconhecidamente, os países mais avançados em GD tem estabelecido uma visão de longo prazo, considerando, no desenvolvimento da modalidade, modelos de negócio que vão além da questão dos custos, mas também dos atributos, como a não liberação de carbono e de gases poluentes e outros benefícios ambientais, e aumento da segurança energética, como analisa o IEI – International Energy Initiative. A caracterização dos recursos e implantação de fontes em diferentes regiões e biomas do país tem sido feitas, na maioria, pela iniciativa privada, levando em conta a abrangência geográfica de interesse. Cada região do Brasil apresenta uma percepção do recurso de forma distinta, considerando todos os atributos (técnicos, ambientais, geográficos, socioeconômicos, políticos, de infraestrutura), pois há perspectivas diferentes de sua aplicação e de seu uso. Assim, os atributos de análise de recursos de oferta devem ser conduzidos pelo ente público quando se trata de equilibrar oferta e demanda de eletricidade, havendo possibilidades de que haja alocação inadequada de recursos, investimento em tecnologias impróprias, custos altos de externalidades e de geração, maximização de riscos, inclusive de viabilidade do projeto perante autoridades ambientais, ausência ou pouca participação dos consumidores.

Considerando a plêiade de atributos, o planejamento pelo lado da demanda é condição essencial num modelo que busca o desejado equilíbrio – o ponto principal para se perceber as condições sociais sobre as opções técnicas de produção de energia, a boa gestão dos recursos naturais, as formas de apropriação das fontes e os modos de consumo. Do ponto de vista do planejamento, a eficiência energética é uma medida que pode e deve ser implementada mandatoriamente para equilibrar e compensar distorções de mercado – beneficiando consumidores que não produzem sua própria energia.

Projetos a partir de Fontes de Energia Renovável (FER) e Eficiência Energética (EE) podem ser considerados investimentos de longo prazo e ambos apresentam características intrínsecas que atraem investidores que procuram investir em longo prazo: baixo risco tecnológico, como a fotovoltaica, e fluxos de caixa longos e previsíveis. No investimento em FER, existem modelos de negócio baseados na venda de sua produção de energia através de contratos Power Purchase Agreement (Estados Unidos, Índia), Feed in Tariff (adotado na Espanha e Itália junto com Net Metering, e este ainda acrescido de bônus para o excedente injetado), que garantem receitas por um período de quinze a vinte e cinco anos ou se baseiam em um modelo de autoconsumo. No Brasil vigora o mecanismo de Net Metering que, por enquanto, não surtiu o efeito desejado de reduzir os investimentos em expansão e perdas na transmissão. No caso de EE o investidor é o consumidor de energia e o risco de obsolescência do investimento será baixo; e uma vez que o modelo de negócios é baseado na criação de economias, mesmo que a tecnologia seja obsoleta, ele continuará economizando energia.

Determinadas tecnologias de FER hoje não exigem mais incentivos econômicos, e isto vai ocorrer com outras, como, por exemplo, as tecnologias de armazenamento que ainda não incitam consumidores, impedindo a ampliação da GD. Desta forma, a estrutura regulatória precisa ser muito cuidadosa, estável e assertiva, de modo que o acesso ao financiamento, os riscos de investimentos em longo prazo e o futuro dessas tecnologias como investimentos viáveis não possam ser ameaçados, bem como não haja mudança ou futuro incerto no ambiente regulatório. Ela deve ser o arrimo dos modelos de negócio e de investimentos no presente, fundamentados pelo planejamento sólido de oferta e demanda, beneficiando todos os consumidores e estimulando os que investirão em FER e os que investirão em EE.

Procura-se um modelo que represente uma concepção global da sociedade baseado em um sistema energético integrado e justo; um modelo que conviva com as várias formas de geração de energia com custos e riscos díspares, incluindo o lado da demanda, contemplando os objetivos do governo e sociedade quanto à composição da matriz energética e da distribuição regional da população. Que enfatize alternativas energéticas não tradicionais e permita, através de uma constituição orgânica regulamentada, a real participação dos interessados-envolvidos, proprietários e não proprietários dos recursos.

Portanto, do ponto de vista regulatório, o Brasil, como uma superpotência ambiental, tem uma ótima oportunidade de construir uma estrutura baseada nestes princípios. Além disto, como bem público, a energia elétrica tem papel a cumprir no elenco de benefícios coletivos sob os cuidados de governo e, logo, deve atender aos princípios da equidade, proteção ambiental, satisfação dos interesses públicos etc. Esta a premissa fundamental a ser garantida e a base sobre a qual deve ser assentada a GD.

Ivo Leandro Dorileo é presidente da Sociedade Brasileira de Planejamento Energético – SBPE