Uso da capacidade ainda está longe da média histórica

Uso da capacidade ainda está longe da média histórica

A indústria brasileira deixou para trás seu pior momento, mas, na média, ainda tem ociosidade expressiva. A oscilação dos estoques, causada pela imprevisibilidade da demanda, tem se refletido em uma produção errática ao longo deste ano, o que reforça um cenário em que investimento e emprego parecem longe da retomada.

A gangorra no volume de mercadorias armazenadas mantém alta a ociosidade das fábricas. O nível de utilização da capacidade instalada (Nuci) calculado pela Fundação Getulio Vargas, chegou a 74,7% em julho, abaixo da média histórica, iniciada em 2005, de 80,7%. A indústria está mais ociosa que no período mais agudo da crise financeira internacional, pós-quebra do banco Lehman Brothers, quando o uso da capacidade caiu a 77,3%, em março de 2009. Mas está um pouco acima do pior momento, dezembro de 2016, de 72,9%. No auge, em março de 2008, o setor chegou a ocupar 85,4% de sua capacidade.

Série histórica da sondagem mensal realizada pela Fundação Getulio Vargas (FGV) desde 2005 mostra que, em julho, os estoques da indústria da transformação cresceram pelo quarto mês, após três meses seguidos de baixa. Segundo a economista Tabi Thuler Santos, coordenadora da pesquisa, com um cenário político-econômico incerto, o setor errou sistematicamente o cálculo da demanda nos últimos meses.

“A melhora dos estoques, que ocorreu por causa das exportações, foi interrompida. É um risco para a produção, que pode ser reduzida de novo para que as fábricas desovem os excedentes”, diz Tabi. No primeiro semestre, a indústria alternou meses de estagnação (janeiro, fevereiro e junho) alta (abril e maio) e baixa (março), segundo o IBGE.

Marcelo Azevedo, economista da Confederação Nacional da Indústria (CNI), diz que a série de resultados negativos ficou para trás, mas ainda não há retomada sólida. Na média, diz, os estoques estão mais ajustados que no passado recente, mas isso não deve estimular a produção enquanto a demanda interna não reagir. “Vemos um mês bom, outro ruim. Estamos há algum tempo nessa situação”, afirma Azevedo, para quem o período de transição da economia tem sido muito longo em termos históricos.

“A intensidade e a duração da recessão prejudicaram muito a situação financeira do setor. O empresário tem que ter muita certeza do momento da demanda, pois não pode segurar estoque. ” De forma geral a indústria está preferindo “errar para baixo”, diz.

Segundo a CNI, a fraca demanda interna foi a segunda maior preocupação da indústria no segundo trimestre, depois da carga tributária. Mas se de um lado o setor está à espera das encomendas para reagir de vez, de outro, qualquer retomada da produção, quando vier, não traria pressões de preços num primeiro momento. O emprego industrial, por outro lado, demoraria a ser retomado, assim como os aportes no parque produtivo. Sondagem feita pela CNI mostra que o índice de intenção de investimento está abaixo de 50, ou seja, fraco, desde o início de 2015.

Calçados

Na fabricação de sapatos, o nível de utilização da capacidade instalada caiu de 78,5% em 2014 a 72,1% em 2016, segundo cálculo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). O número de pares produzidos diminuiu de 996 milhões no ano da Copa do Mundo para 954 milhões no período. “Desde o segundo semestre de 2012, a produção vem se mantendo entre 950 milhões e 990 milhões de pares. Em 2010, um ano bom, o uso da capacidade chegou perto dos 90%”, afirma o presidente-executivo da entidade, Heitor Klein. Em 2017, o quadro é de muita instabilidade, o que dificulta qualquer previsão de demanda até dezembro e no próximo ano. “Embora alguns segmentos celebrem o retorno do crescimento, em bens de consumo leves não se observa isso. As pessoas continuam com dificuldade para achar espaço no orçamento e a inadimplência na cadeia de distribuição e produção segue em nível relevante”, relata Klein. O setor também enfrenta dificuldades no exterior em função da falta de competitividade do produto brasileiro.

Alimentos

Segmento importante da categoria de produtos não duráveis, a indústria de alimentos teve na média até maio utilização de 67%, ante 68% nos anos de 2015 e 2016. “Em condições normais, até 2014, a média era 71%. Não é pouco, por causa da sazonalidade das safras”, afirma Denis Ribeiro, diretor do departamento econômico da Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia). O executivo conta que, entre janeiro a abril, a utilização média foi de apenas 65%. Em maio, subiu para 72%.

Ribeiro acredita em um segundo semestre um pouco melhor, com as vendas do segmento crescendo entre 0,6% e 0,8%. “Será melhor, porque vamos sair de uma queda do PIB de 3,5% para alta de 0,3%”, diz o executivo, para quem o país precisa fazer “o mínimo de reformas” para recuperar a capacidade de investimento e produção.

Eletroeletrônicos

O setor de eletroeletrônicos é um dos que têm visto uma sequência de meses bons e ruins. Após resultados positivos de dezembro a março, a produção caiu em abril, subiu em maio e voltou a ceder em junho, na comparação com os mesmos meses em 2016. No geral, enquanto o segmento eletrônico vai bem, o elétrico registra queda. Em junho, a produção recuou 2,2%, puxada pelos elétricos, que caíram 10%. Nos eletrônicos, houve alta de 11%. O segmento elétrico depende dos investimentos das empresas, observa Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). “No ano passado ninguém queria investir”, diz. Os leilões de energia realizados este ano, bem-sucedidos, ainda devem se traduzir em encomendas.

O setor de eletrônicos vai melhor, mas ainda assim, opera com 71% da capacidade desde abril (69% em janeiro), segundo dados da associação, ante uma média histórica de 85% a 90%. “Com esses números, o investimento das empresas ainda vai demorar”, prevê Barbato. Sobre os estoques, a indústria está “eternamente na busca de um equilíbrio”, diz. A Abinee prevê alta de 3% no faturamento deste ano, após queda de 9% em 2016, para R$ 129,4 bilhões. “Estamos com um otimismo precavido”, diz o executivo.

Máquinas e equipamentos

Considerado termômetro dos investimentos, o setor de máquinas e equipamentos normalizou os estoques, mas a ociosidade segue alta, em 30%. Em 2016, foi de 38%, segundo o presidente Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), João Carlos Marchesan. “Só não está pior porque a produção de máquinas agrícolas puxou a utilização para cima”, diz. Nas agrícolas, o uso da capacidade está em 81%. Em 2016, a média foi de 74%.

Segundo Marchesan, a ociosidade também se deve à retração nas exportações. “Antes de 2013, exportávamos US$ 14 bilhões, hoje são cerca de US$ 8 bilhões”, lamenta. Além do câmbio desfavorável na média, a Abimaq teme pela reoneração de folha e pela aprovação da Taxa de Longo Prazo (TLP) – a nova taxa de juros do BNDES) -, que devem, na avaliação dele, reduzir a competitividade. A expectativa é fechar o ano sem crescimento, contra projeção no início de 2017 de um avanço de 5%. Para 2018, a Abimaq espera incremento de produção de 2% a 3%.

Móveis

Na indústria de móveis, o pior momento já passou, mas ainda não se fala em crescimento. “Estamos nos recuperando em doses bem pequenas”, afirma Daniel Lutz, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Mobiliário (Abimóvel). Segundo ele, a ociosidade média das fábricas só não é maior porque houve grande fechamento de empresas ao longo da crise. “Mas ainda temos mais estoques do que gostaríamos”. Para ele, há um “cenário ilusório” de melhora do poder aquisitivo da população e a situação ainda é preocupante. “A economia precisa de estímulo, mas o governo tem olhado mais para si, aumentando impostos, por exemplo”, considera. O setor também sente dificuldade na exportação. “Para recuperar mercado, precisamos de um dólar acima de R$ 3,80.”

Veículos

A Anfavea aumentou a estimativa de produção para o ano a 21,5%, para 2,619 milhões de veículos, ante os 2,156 milhões em 2016, devido ao aumento das exportações. A previsão anterior era de alta de 11,9%. O mercado interno tem sido atendido mais por veículos produzidos no país, com queda nos importados. A capacidade ociosa vai cair de 50% para 40%, ainda assim um nível muito alto. Essa indústria pode produzir 5 milhões de veículos por ano.

Plásticos

O setor de plásticos cortou a previsão de produção para 2017, de 5% para 2,5%. A queda acumulada entre 2014 e 2016 foi de 21% e a Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) prevê que a fabricação de produtos transformados só deve chegar aos níveis de 2014 em 2024. A ociosidade é de 37%, ante 20% historicamente. Por uma ampla gama de utilização em vários setores, o produto é um importante indicador do mercado doméstico.

Aço

O Instituto Aço Brasil revisou sua estimativa de vendas domésticas do insumo, em 2017, de alta de 1,3% para queda no mesmo patamar, para 16,31 milhões de toneladas, em decorrência da crise no país e do desempenho do primeiro semestre. As vendas internas de aço retornarão ao nível de 2005. O Aço Brasil revisou também a projeção de consumo aparente – vendas internas mais importações – para alta de 1,1% em 2017, chegando a 18,42 milhões de toneladas. A estimativa já tinha sido revisada, em abril, de elevação de 3,5% para aumento de 2,9%. A expectativa de produção de aço bruto foi mantida em alta de 3,8% neste ano.