Agenda regulatória para a redução dos custos dos subsídios do setor elétrico

Agenda regulatória para a redução dos custos dos subsídios do setor elétrico

De acordo com a nova Lei, a CDE passou a englobar toda a cadeia de subsídios e subvenções tarifárias do setor elétrico

Desde 2013, quando a Lei 12.783 alterou a estrutura da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), os subsídios carreados por esse instrumento têm permanecidos no foco dos debates do setor elétrico, constituindo um exemplo da contraproducência de uma análise regulatória/normativa má conduzida. De acordo com a nova Lei, a CDE passou a englobar toda a cadeia de subsídios e subvenções tarifárias do setor elétrico, devendo prover recursos para a promoção da universalização do serviço, para a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), para a competitividade das pequenas centrais hidrelétrica, das usinas solares e eólicas e das termelétricas a biomassa e a carvão mineral e, finalmente, para os descontos tarifários destinado às cooperativas de eletrificação e aos consumidores classificados como de baixa renda, rurais, irrigantes, aquicultura e saneamento e esgoto.

Os recursos da CDE, por sua vez, seriam provenientes da arrecadação do encargo de Uso de Bem Público (UBP) pago pelas hidrelétricas, das multas aplicadas pela Aneel e de aportes diretos de recursos do Tesouro Nacional. A diferença entre as despesas previstas pelo orçamento da CDE e a arrecadação a ser proporcionada pelas fontes acima, em cada exercício financeiro, seria suprida por meio de quotas anuais pagas pelos consumidores, mediante encargo tarifário incluído nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão ou de distribuição.

Com isso, esperava-se não apenas maior simplificação e transparência na movimentação dos valores da CDE, como também possibilitar que recursos oriundos do orçamento geral da união, arrecadados pelos contribuintes, fossem alocados no custeio de políticas públicas claramente estranhas ao regime tarifário pela contraprestação de um serviço público. De fato, para o exercício de 2013, o orçamento da CDE previu despesas totais de R$ 14,121 bilhões, mas considerando a existência de saldo do exercício de 2012, a arrecadação de multas e de UBP e o aporte de R$ 8,460 bilhões do Tesouro Nacional, somente R$ 1,024 bilhões foram recolhidos pelo encargo tarifário. Em 2014, segundo ano da aplicação da nova metodologia, a previsão de despesas se elevou para R$ 18,074 bilhões, pressionada pela inclusão dos valores destinados a indenização pela reversão de concessões (R$ 3,179 bilhões) e pela existência de restos a pagar de 2013 (1,627 bilhões), de modo que, mesmo com o aporte de R$11,805 do Tesouro Nacional, a parcela coberta pelo encargo tarifário foi de R$ 1,700 bilhões.

Em 2015, o orçamento das despesas da CDE continuou em forte expansão e alcançou o patamar de R$ 25,246 bilhões, pressionado pelo crescimento dos gastos com CCC e com os descontos tarifários. Os aportes do Tesouro Nacional, entretanto, foram interrompidos e os valores da CDE arrecadados por meio dos encargos tarifários se elevaram mais de mil por cento e alcançaram os patamares de R$ 18,074 bilhões. Assim, transcorridos três anos da reforma da CDE, dois aspectos inicialmente negligenciados se tornaram evidentes. Primeiro, o processo de simplificação da CDE não foi acompanhado de incentivos para que os valores a serem pagos a título de subsídio tivessem uma trajetória decrescente ou que, ao menos, fossem estabilizados. Segundo, os aportes do Tesouro Nacional foram inconstantes, gerando problemas no fluxo de pagamentos para as distribuidoras e geradores credores da CDE, gerando saldos fortemente negativos ao final de cada exercício e provocando litígio judicial sobre, por exemplo, a possibilidade de realização de encontro de contas na hora do recolhimento do encargo.

A necessidade de aperfeiçoamento da gestão da CDE motivou a edição da Lei 13.360, que determinou que a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) assumisse a administração e a movimentação dos recursos da CDE no lugar da Eletrobras a partir de 1º de maio de 2017. Em 2018, todavia, a dinâmica de crescimento das despesas permaneceu presente, tendo, inclusive, a Agência Nacional de Energia Elétrica ficado obrigada a realizar uma revisão extraordinária da CDE em de modo a assegurar a disponibilidade de recursos adicionais de R$ 1,937 bilhões para o atendimento das despesas realizadas e previstas até o final do exercício, especialmente para atender um incremento de 20% nos gasto destinados a suprir os subsídios tarifários de fontes de geração incentivadas carreados por meio de descontos nas tarifas fios de distribuição.

Esse último desdobramento reacendeu o debate acerca da necessidade de revisão do volume de subsídios e subvenções mantidas pela CDE. Dentre as abordagens discutidas, destaca-se a necessidade em manter atualizados os cadastros dos agentes beneficiados, de modo a se evitar transferências indevidas, como também se rediscutir com a sociedade a conveniência e a oportunidade da preservação do escopo e da escala dos diferentes subsídios, frente ao seus benefícios e custos sociais. Ademais, a própria legalidade em suprir a ausência de aportes de recursos do Tesouro por cobrança tarifária deve ser reexaminada, considerando que a CDE é um cesto com despesas e receitas com diferentes naturezas jurídicas, cujas despesas com finalidade típica de política social não poderiam ser custeadas por tarifas.

As economias possíveis com a atualização do cadastro, no entanto, devem ser relativamente modestas, frente a atuação vigilante da ANEEL e dos agentes pagadores. A revisão da legalidade, escopo e escala dos subsídios, por sua vez, teria um potencial muito maior. Porém, como apontado pelo Rutelly Marques, consultor legislativo do Senado e especialista em energia elétrica, ela esbarra no arranjo institucional e na correlação de forças materializada no congresso nacional e no governo, mais propensa à inclusão de subsídios do que à sua retirada.

Sendo assim, é importante analisar o alcance de medidas alternativas que permitam a contenção dos custos dos subsídios sem a redução dos benefícios sociais já apropriados pelos diferentes grupos de interesse específico que poderiam atuar como pontos de veto.  Primeiro, é interessante analisar a experiência anunciada pela ANEEL, por meio da Consulta Pública 007/2018, de se realizar um leilão piloto para contratação de compromissos de redução de consumo de energia elétrica, que poderiam ser oferecidos diretamente por grandes consumidores, agregadores ou empresas de conservação de energia para atendimento de parte da necessidade de expansão do mercado da Eletrobras Distribuição Roraima. De acordo com a Análise de Impacto Regulatório apresentada, a contratação de compromissos equivalentes a redução de apenas 4 MW médios seria capaz de gerar o valor presente de cerca de R$ 200 milhões, considerando o custo histórico da energia evitada em ações do Programa de Eficiência Energética da ANEEL na região norte e uma taxa de desconto real de 5,4% ao ano.

Essa experiência poderia ser estendida a outros mercados subsidiados pela Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), e também aos subsídios de destinados aos consumidores de baixa renda e aos demais descontos tarifários concedidos nas tarifas de distribuição e transmissão, que representaram 29% e 55% do orçamento médio da CDE, respectivamente. Destaca-se, ainda, que a adoção de medidas de eficiência em mercados subsidiados reduz a necessidade de despesas da CDE sem afetar o bem-estar dos setores beneficiados e sem a necessidade de alteração legal.

Por outro lado, um grande problema associado com o atual arranjo da CDE é a forma como a incidência tributária tem ocorrido. O servidor da ANEEL Acácio Alessandro Rêgo do Nascimento demonstra em recente dissertação de mestrado defendida na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (Inclusão Elétrica e Desenvolvimento como Liberdade: Desafios no desfecho da universalização brasileira e aporte da matriz tributária), que uma simples alteração na redação do artigo 13 da Lei 10.438, de 2002, para que as quotas da CDE fossem cobradas na fatura de consumo de forma segregada da tarifa permitiria eliminar a bitributação de componentes da CDE.

A bitributação atual ocorre porque a redação atual da Lei 10.438 determina que o encargo da CDE seja incluído nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão ou de distribuição. Assim, a concessionária de distribuição, por exemplo, fatura os consumidores e apura o encargo no âmbito da tarifa que compõe a base de cálculo dos tributos PIS, COFINS e ICMS. Depois recolhe o encargo à CDE e o repassa como subvenção econômica para as concessionárias detentoras de saldo a receber pelos descontos por elas concedidos. A concessionária beneficiada, por sua vez, reconhece o recurso como receita de subvenção econômica e, sobre esta outra operação, recolhe novamente PIS, COFINS e, também, ICMS, exigível pelo fato do respectivo desconto tarifário concedido integrar o valor total da operação da prestação do serviço público de distribuição.

O mesmo raciocínio não se aplica às transferências da CDE para a CCC ou para o Programa Luz para Todos, de universalização. Nesses casos, o recebimento da subvenção econômica é reconhecido a título de recuperação de despesas anteriormente incorridas de custo de consumo de combustíveis ou de expansão da rede de distribuição para universalização, estorno que, a princípio, não tem ensejado novas incidências tributárias a serem repercutidas ao consumidor.

A incidência de bitributação de ICMS, PIS e COFINS, tributos altamente regressivos, sobre um bem essencial como energia elétrica é em si flagrantemente injusta. Mas se dermos números ao argumento, verifica-se o quão absurda é a situação. Para realizar o subsídio de um total de R$ 11.164 bilhões previstos para os consumidores subsidiados (baixa renda; rural; rural irrigante; água, esgoto e saneamento e fontes de geração incentivada) os consumidores terão que pagar R$ 10.688 bilhões a título de ICMS, PIS e COFINS.

Diante deste cenário é possível concluir que existem mais possibilidades para redução da CDE do que aparenta à primeira vista. No entanto, é preciso fazê-lo com a devida atenção, sob o risco se prover medidas que findarão contraproducentes. Aqui, será fundamental não buscar o imediato através de cortes abrangentes e absolutos de políticas sociais, mas saber combinar e conciliar o uso dos recursos disponíveis no PEE para promoção de eficiência energética em ações com forte impacto no volume dos subsídios e pela correção do arranjo institucional quanto ao tratamento regulatório do encargo tarifário repassado aos consumidores no faturamento das tarifas.