Dívida de R$ 15 bi pode ser obstáculo à privatização da Eletrobras
Um passivo atualmente estimado em cerca de R$ 15 bilhões é alvo de divergência entre governo e a Eletrobras e pode ser mais um fator de incerteza no processo de privatização em curso. O volume, que está provisionado no balanço da companhia, refere-se a uma dívida relativa à correção de empréstimos compulsórios realizados junto a grandes empresas do setor privado nos anos 70 e 80 para viabilizar a expansão da estatal no país.
O Valor apurou que a estatal entende que a União deveria ser “solidária” nessa dívida, mas parte relevante do governo rejeita essa tese e aponta que caberá à Eletrobras privatizada resolver as disputas judiciais, porque terá mais liberdade para agir nos tribunais e negociar com os credores condições mais favoráveis.
Apesar de ter exatamente R$ 15,036 bilhões provisionados em seu balanço, o valor exato da dívida é desconhecido, porque depende de uma série de decisões judiciais. No setor privado, há quem diga que é bem maior e o valor pode até dobrar, enquanto no governo há diferentes visões, com fontes avaliando que o passivo real seria bem menor do que o volume reservado pela empresa e outras dizendo que pode ser mais alto.
Interlocutores apontam ainda que muitos escritórios de advocacia estariam começando a se movimentar para tentar antecipar uma solução para o problema antes da privatização. Mas a estratégia preferida até o momento é deixar o assunto para ser tratado pela nova Eletrobras.
Uma fonte destaca que esses processos ainda podem durar anos e que não há por que acelerar isso. Outro interlocutor aponta que eventuais riscos envolvendo essa questão estarão explicitados claramente para os investidores quando for iniciado o “road show” para o aumento de capital da empresa.
A Eletrobras espera que a Justiça diga que a União é solidária em 50% dos R$ 15 bilhões hoje previstos, o que liberaria boa parte desses recursos do balanço da empresa. O entendimento da estatal sobre a solidariedade da União é baseado na visão de que a dívida em questão decorre não do principal, que já foi pago nos anos 90, mas pela espiral inflacionária das décadas de 80 e 90 e pelos planos econômicos realizados ao longo de todo esse período.
De tudo que está provisionado no balanço da empresa, cerca de 98% seriam de expurgos inflacionários, correções monetárias que as empresas não receberam e querem que a estatal pague.
No lado do governo, há quem considere que, após privatizada, a Eletrobras poderá costurar um acordo com os credores nos moldes do recentemente assinado entre bancos e poupadores, com o respaldo da Advocacia-Geral da União (AGU), em relação às perdas geradas pelos planos econômicos Bresser, Verão e Collor 2, no fim dos anos 80 e 90.
Outra hipótese levantada nos bastidores é que, no longo prazo, a depender do desfecho das ações, chegue-se a uma solução semelhante à criada em 2001, quando o governo instituiu uma taxa adicional de 10% para demissão sem justa causa para cobrir o rombo gerado por expurgos inflacionárias. Na ocasião, a Caixa perdeu a ação, mas a solução encontrada foi a criação dessa nova fonte de receita para bancar o plano econômico que foi perdido, evitando que a União tivesse que assumir o custo.
Em relação ao pagamento da dívida, a Eletrobras ainda tem esperança que o Supremo Tribunal Federal (STF) declare que a lei dos empréstimos compulsórios é constitucional, o que derrubaria toda a dívida. A outra aposta é que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firme o entendimento de que a União deverá arcar com no mínimo 50% do valor devido, ainda que seja provável que a União recorra dessa tese.
O governo trabalha para privatizar a Eletrobras ainda neste ano, como forma não só de ampliar a capacidade de investimento da empresa, mas também reduzir a presença do Estado na economia e gerar uma arrecadação de ao menos R$ 12,2 bilhões para os cofres federais. A privatização será feita por meio de um aumento de capital, que diluirá a participação federal na empresa, tornando o controle privado e pulverizado, como ocorre na Embraer.