Leilão de potência pretende reforçar segurança energética

Leilão de potência pretende reforçar segurança energética

Proposta em consulta no MME sugere contratos de 15 anos por disponibilidade.

Durante o período seco, o Ministério de Minas e Energia chegou a considerar o uso de termelétricas existentes, que não têm operado por problemas de suprimento de gás, para reduzir o custo da energia elétrica. A melhora no cenário hidrológico com o início das chuvas fez com que o plano fosse abandonado, tanto em relação à Termofortaleza quanto às chamadas térmicas merchant. A aposta agora é na contratação de potência de termelétricas a gás, associada à energia de reserva de fontes renováveis.

Na prática, o objetivo das três consultas públicas lançadas pelo MME nas últimas semanas era garantir a segurança no suprimento de energia para o Sistema Interligado Nacional. Há, porém, uma diferença na contratação de potência, que é sua inserção como um instrumento do planejamento de longo prazo.

Estudos da Empresa de Pesquisa Energética indicaram a necessidade de instalação em torno de 13 mil MW de capacidade, sendo 12 mil MW em usinas flexíveis. É essa capacidade que o governo espera contratar em leilões, com a finalidade de firmar a intermitência de fontes renováveis, como as eólicas no Nordeste. Para o Sudeste/Centro-Oeste estão previstos 7 mil MW; para o Sul, 2,7 mil MW, e para o Nordeste 2,4 mil MW.

“Não é um contrato de energia nos moldes dos leilões tradicionais, porque lá a gente tenta buscar energia mais barata, e a mais barata normalmente está associada à fonte eólica, que não tem potência. Então, é preciso ter potência no sistema para dar segurança ao suprimento de energia”, explica o secretário de Energia Elétrica do MME, Ildo Grüdtner. A proposta lançada oficialmente pelo ministério na quarta-feira, 26 de outubro, ficará aberta a contribuições dos interessados por um período de 30 dias.

A ideia da proposta é promover leilões regionais, com a contratação de usinas térmicas de ciclo aberto, que garantem resposta rápida quando acionadas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico. O Custo Variável Unitário estaria na faixa de R$ 250/MWh. Objetivamente, o governo pretende promover a contratação de lastro, medida prevista na discussão sobre a reestruturação do modelo comercial do setor elétrico, mas ainda não implementada.

É preciso ter potência no sistema para dar segurança ao suprimento de energia. Ildo Grüdtner, do MME

Grüdtner afirma que os leilões de compra de energia nova para atendimento ao sistema também terão térmicas a gás entrando como parte do planejamento de expansão. Embora destaque o papel dos leilões de potência como um instrumento para firmar a operação das fontes intermitentes, ele acredita que não seria um problema despachar essas térmicas por mais tempo, e não ocasionalmente, se elas conseguem produzir energia mais barata. “O que eu não posso é despachar térmica cara”, diz.

Pela proposta em consulta pública, o leilão de potência seria realizado no primeiro quadrimestre de 2019, com o objetivo de aumentar a segurança energética do SIN. Seriam negociados contratos por disponibilidade de 15 anos, com início de suprimento em janeiro de 2023 no Sudeste/Centro-Oeste, e em janeiro de 2024 no Sul e no Nordeste. A partir de 2024, poderiam ser contratadas tecnologias de armazenamento, como hidrelétricas reversíveis e baterias, entre outras.

O início desses contratos de capacidade vai coincidir com o término dos contratos de energia de termelétricas a óleo diesel que operam no Nordeste, e que tem custo variável a partir de R$ 500/MWh. Um tipo de contrato não substitui o outro, mas, na prática, as térmicas a gás que servirão como lastro para as eólicas acabarão substituindo a energia mais cara dessas usinas, a depender do período em que elas permanecerão operando.

A medida foi recebida com entusiasmo pelo segmento de termeletricidade. “A ideia é muito boa, porque vamos colocar usinas que têm um custo muito mais adequado que as térmicas a óleo, que vão ter os contratos vencidos daqui a pouco”, diz o presidente da Associação Brasileira de Geradores Termelétricos, Xisto Vieira Filho.

O executivo da Abraget defende aperfeiçoamentos na portaria, em contribuições que pretende apresentar ao MME na semana que vem. Entre essas sugestões estão a participação de usinas térmicas de ciclo combinado e a permissão para o uso do Gás Natural Liquefeito. Ele afirma que o gás do pré-sal ainda tem um incerteza muito grande em relação ao prazo de entrega.

Térmicas a gás, quando geram bastante, reduzem o GSF. Xisto Vieira Filho, da Abraget

A contratação de capacidade de térmicas a gás está prevista no Plano Decenal de Expansão de Energia 2027, que entrou em consulta pública nesta sexta-feira, 26, e vai ficar aberto a contribuições pelo período de 30 dias. A fonte eólica tem atualmente 14 mil MW de potência instalada, valor que deve dobrar em dez anos.

A portaria que trata do leilão, explica o presidente da EPE, Reive Barros, tem a ver com o que o planejamento indica para 2027. “O que nós estamos é antecipando, porque não dá para chegar em 2019 com a crise que a gente está passando”, justifica o executivo.

Barros reconhece que embora o leilão seja de contratação de potência, como o CVU pode até ficar mais baixo que os R$250/MWh previstos pelo governo, as termelétricas poderão gerar no período seco como se estivessem na base. “As térmicas que tem hoje [em operação no Nordeste] são todas acima de R$ 450/MWh. Essas térmicas a gás são muito mais baratas. Essa é a solução estrutural”, afirma Barros.

O executivo da EPE lembra que quem firma energia eólica e solar é reservatório ou termelétrica. Segundo ele, os certames previstos usam o conceito de reserva, mas não são leilões de reserva. “É um leilão de potência com o conceito de mercado de comercialização de reserva”, explica.

Essas térmicas a gás são muito mais baratas. Essa é a solução estrutural. Reive Barros, da EPE

Barros é defensor da realização de leilões regionais, uma das premissas da proposta do MME, para dar maior segurança ao atendimento em cada subsistema elétrico que compõe o Sistema Interligado. “É melhor você ter mesmo uma térmica mais próxima da carga, porque dá maior flexibilidade operacional ao ONS.”

Para o presidente da Associação Brasileira de Empresas Geradoras de Energia, Flávio Neiva, a questão do custeio está equacionada, já que os contratos serão pagos com recursos da Conta de Energia de Reserva. Falta avaliar, porém, o eventual impacto que a contratação de capacidade possa ter nas hidrelétricas, em razão do aumento do custo do GSF (fator que reflete o déficit de geração dessas usinas).

“Pode ser que [as térmicas contratadas] despachem o tempo todo, mesmo sem eólica variando. E aí, como fica?”, questiona Neiva. Ele informa que a Abrage ainda vai avaliar a questão para contribuir no processo de consulta pública do MME.

O dirigente imagina que é possível expurgar os efeitos do deslocamento hidrelétrico, mas o governo terá de buscar outras fontes para pagar o GSF. Outra possibilidade poderia ser o parcelamento do custo do risco hidrológico, ou até mesmo o estabelecimento de um teto de repasse para o gerador.

Esse risco não existe, garante o presidente da Associação Brasileira de Geradores Termelétricos, Xisto Veira Filho. Ele lembra que os geradores falam sobre impactos no GSF em eventos públicos e entrevistas, sem um estudo que embase essa conclusão.

“Nós temos um estudo bem detalhado da Thymos que mostra o seguinte: as usinas térmicas a gás, quando geram bastante, reduzem o GSF”, afirma o dirigente da Abraget. Ele lembra que o custo do risco hidrológico é calculado pela quantidade de energia que a hidrelétrica gera a menos, multiplicada pelo PLD. Se as termelétricas despachadas são mais baratas, o preço cai e leva a um economia de bilhões de reais. “A Thymos demonstra isso por meio de dez estudos”, sustenta.

Se o assunto não é unanimidade nem mesmo no governo, no setor elétrico há quem critique a medida por não ter sido chamado previamente para a discussão. É o caso dos grandes consumidores de energia elétrica do mercado livre, que terão de dividir a conta da contratação de capacidade com os consumidores do mercado regulado.

Contratação de potência deveria ser feita pelas hidrelétricas, que precisariam recompor sua garantia física. Edvaldo Santana, da Abrace

O presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres, Edvaldo Santana, afirma, no entanto, que esse não é o único problema na proposta do leilão. Ele afirma que o que vai ser contratado é energia de reserva, e não capacidade, como anunciado. “Quando elas gerarem, não vão gerar uma hora. Vão gerar semanas, meses e anos. É até que resolva esse problema de instabilidade, de como complementar a geração eólica”, avalia.

Santana também reprova a decisão por ela ter sido anunciada a pouco mais de dois meses do fim do atual governo. “Eu achei uma imprudência fazer uma mudança tão absurda quando daqui a dois meses tem um novo governo, seja lá quem for. É até uma falta de educação com quem vai entrar”, diz.

Na opinião do presidente da Abrace, a contratação de potência deveria ser feita pelas hidrelétricas, que precisariam recompor sua garantia física. Ele afirma que desde 1998 a lei obrigava os geradores a contratar potência e energia, e que isso deixou de ser obrigatório desde o ano passado.

É difícil dizer se o governo pretende ir até o fim na opção de colocar térmicas ou não. Lívia Amorim, advogada

A advogada Lívia Amorim, sócia do escritório de advocacia Souto Correa, lembra que a questão da substituição das térmicas a óleo por usinas a gás natural já tinha sido aventada na gestão do ministro Fernando Coelho Filho no MME. Agora, mesmo com a proposta do leilão de potência, ainda é difícil dizer se o governo pretende ir até o fim na opção de colocar térmicas ou não, em sua avaliação.

“Tem muita incerteza ainda”, afirma Lívia. Ela destaca, porém, que pelo menos na área de regulação há um esforço da Agência Nacional do Petróleo em avançar na pauta do gás. Para Xisto Vieira, da Abraget, a oferta do gás tem que andar no mesmo compasso da demanda pelo insumo.