Após hiato de mais de um ano, associações cobrarão MME sobre venda de excedentes

Após hiato de mais de um ano, associações cobrarão MME sobre venda de excedentes

A venda do excedente de energia por parte dos consumidores livres é uma das principais reivindicações da classe, que quer poder negociar contratos em cenários de queda na demanda. Porém, depois de toda a mobilização em torno da audiência pública que colheu informações para a lei, em março de 2010, o tema estacionou no Ministério de Minas e Energia e já completa mais de um ano sem holofotes. Agora, para retomar a discussão, as associações do setor voltarão a cobrar uma definição sobre o tema, em carta que será enviada ao governo nos próximos dias.
“Encaminharemos ao ministério uma solicitação de informações a respeito da posição deles após as contribuições que foram feitas. Vamos atrás de cada ponto questionado, como as restrições, limitações de contrato e a não colocação de mecanismos compulsórios na venda”, disse em entrevista ao Jornal da Energia o presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Carlos Faria, que informou que a carta será elaborada em conjunto com outros representantes do setor.
Sobre o hiato entre as discussões e uma posição oficial do governo, Faria entende que o contexto do momento – debate em ano eleitoral e concorrência de temas como a renovação das velhas concessões do setor – pode ter contribuído para tal demora. Além disso, o executivo ressalta um possível receio do MME em relação ao tema. “Existe de fato um temor por parte do governo de que o mercado livre possa crescer. A nova regulamentação do sistema elétrico desprezou as melhores condições para o mercado livre, que está vivendo hoje seu limite máximo”.
Na mesma linha, o assessor em energia elétrica da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e Consumidores Livres (Abrace), Fernando Umbria, destaca a preocupação dos agentes do governo. “O mercado livre traz uma dificuldade para o governo administrar todas as questões. O mercado livre nunca teve a devida atenção. Os leilões (de energia) sempre têm o resultado atrelado ao consumidor cativo, e esse modelo é insustentável no longo prazo”.
A possível criação de um cenário especulativo, ponto colocado como peso contrário à autorização da venda de excedentes, também não é visto por Umbria como algo provável de acontecer. “A energia é um insumo, é um senso de custo para o consumidor. E a venda dá um melhor ajuste à relação de oferta e demanda, já que não faz sentido ter uma energia circulando ser ser utilizada”.
O presidente da Associação Brasileiro de Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel), Reginaldo Medeiros, é mais um enfático na questão. “Quem fala em especulação é quem não entende como funciona o mercado de energia”. O especialista diz ainda que, além de comercializar as sobras, o governo precisa autorizar a ampliação do mercado livre, expandindo o limite de consumo para os clientes entrarem na classe e deixarem de ser cativos. Para Medeiros, isso seria de uma “enorme contribuição para a competitividade e para o combate à inflação, permitindo uma livre definição das condições de contrato”.
Procurada, a assessoria de imprensa do Ministério de Minas e Energia não retornou o pedido da reportagem em relação a uma atualização sobre o tema. No Senado, o Projeto de Lei Nº402, que prevê a livre comercialização de energia elétrica por consumidores livres, começou a tramitar no fim de 2009, e está desde março deste ano na Comissão de Serviços de Infra-Estrutura. O PL prevê também a redução da carga necessária para que o consumidor migre para o mercado livre.
Análise
Na avaliação do gerente da equipe de Estudos Econômicos e Financeiros da consultoria Andrade e Canellas, Ricardo Savoia, a cautela do governo se justifica pela preocupação de que uma possível ampliação do mercado livre não encontre a oferta de energia necessária à medida da expansão.
Favorável à liberação da venda de excedentes, o consultor acredita que o potencial de um hipotético novo cenário pode ser um dos principais entraves da discussão. “O mercado livre representa hoje 27%. Se o limite passar de 3MW para 1MW [consumo mínimo para o cliente entrar no cenário livre e poder optar por deixar a contratação cativa], o potencial chega a algo entre 40% e 48%. Por isso há um certo receio de garantir oferta para todos esses compradores”.
Outra pendência é a jurídica. Como lembrado pelo especialista, falta a definição de como seriam transferidos legalmente os direitos sobre a energia vendida, já que os contratos atuais não permitem esse tipo de transação. Por exemplo: A tem um contrato de compra de energia com B, mas resolve vender seu lastro para C; nesse caso, é preciso entender como fica a relação contratual entre A e C.
As estimativas da consultoria apontam que no modelo atual o potencial limite para o ambiente de cotratação livre seja de atingir 32% do mercado, diante dos 27% registrados até o meio de 2011. Ao todo, são cerca de 1.400 consumidores no ambiente livre, que, em caso de aprovação da lei que amplia sua margem, poderiam chegar a 10 mil.

Fonte: Jornal de Energia – Paulo Silva Junior