COMERCIALIZADORAS TENTAM SE ANTECIPAR À ABERTURA DO VAREJO

COMERCIALIZADORAS TENTAM SE ANTECIPAR À ABERTURA DO VAREJO

Redução dos limites de acesso para consumidores com cargas terá um cronograma definido a partir de 2024

As comercializadoras já estão se antecipando à liberação do acesso ao segmento de varejo a partir de 2024, na disputa por um mercado que pode alcançar a casa de milhares e até mesmo de milhões de consumidores de pequeno porte. A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica e a Agência Nacional de Energia Elétrica terão até janeiro de 2022 para apresentar um plano de médio e longo prazos para abertura desse ambiente, mas a CCEE afirma que “as primeiras entregas já devem ocorrer em alguns meses.”

O estudo vai tratar do encaminhamento a ser dado a temas que precisam ser equacionados antes da abertura, como os contratos legados das distribuidoras e a representação de consumidores de baixa tensão. Dados da Câmara mostram que das 5738 unidades consumidoras que migraram para o ambiente livre entre março de 2020 e março desse ano 62% têm consumo menor que 0,5 MW e entraram, portanto, em regime de comunhão de cargas. Apenas 9% dos migrantes no período tem carga superior a 1 MW.

O presidente executivo da Associação Brasileira de Comercializadores de Energia, Reginaldo Medeiros, garante que todas as empresas que atuam no segmento estão preparadas. Algumas já lançaram plataformas para comercialização varejista e há também investimentos em geração nova para atender o ambiente de livre comercialização. Existem no Brasil 400 comercializadoras e mais de 2 mil agentes que oferecem energia no ACL.

Medeiros cobra mais velocidade nas decisões por parte do governo e da agência reguladora. “A gente tem falado para o Ministério de Minas e Energia e a Aneel da importância de abrir uma audiência publica o mais rápido para discutir esse assunto. E ai você tem aqueles temas que são principais: contratos legados, a questão da medição, supridor de última instância, a separação do fio e energia, como fica a fatura do consumidor e como vai ser a comercialização varejista, que de certa forma avançou bastante com a lei de conversão da MP 998.”

Todos esses temas foram tratados em estudo feito para a Abraceel pela Thymos energia, apontando as alternativas. O trabalho conclui que a abertura total do mercado é viável, mas há pontos críticos a serem resolvidos para uma transição bem sucedida. Um ponto relevante na discussão é a decisão de não aumentar o número de contratos existentes no ambiente regulado, com prioridade para a contratação de Reserva de Capacidade, se necessário.

Em reunião no início da semana no Palácio do Planalto, Medeiros destacou a urgência de aprovação pelo Congresso Nacional do PL 414, que trata da modernização do setor. O projeto foi aprovado no Senado como PLS 232, mas está parado na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados há mais de 100 dias. Ele lembra, porém, que os temas infralegais ligados à liberalização do mercado precisam avançar no ministério, na Aneel. “O comitê de modernização está estudando esse assunto, mas está estudando, estudando, estudando, estudando. Uma hora tem que se formar, né?”, brinca Medeiros.

O potencial de expansão do mercado  é analisado com atenção pela Comerc, que foi pioneira no segmento varejista, sendo responsável por migrar o primeiro consumidor nessa modalidade. A empresa tem quase 200 pessoas na área comercial e enxerga o segmento de varejo como uma das grandes apostas em seu plano de negócios.

O vice-presidente da holding, Marcelo Ávila, acredita que ainda existe hoje uma oportunidade no mercado equivalente a pelo menos a mesma quantidade de unidades consumidoras que já migraram. À medida em que desce o consumo há possibilidade de migrar alguém, observa o executivo, que destaca como pontos favoráveis o maior conhecimento que o potencial cliente tem hoje do mercado livre e a redução nos custos de adequação do sistema de medição e das demais atividades da CCEE. Há anos, a empresa soma cargas para alcançar o limite de 500 kW.

Ávila estima que com a abertura a partir de 2024, o mercado sairá de dezenas de milhares de unidades para centenas de milhares no primeiro momento e, possivelmente, vai atingir a escala do milhão. “Um outro patamar de mercado. Então, tem muita coisa aí para acontecer. O número do grupo B diante do grupo A é assustador.”

Para o executivo, é necessário um planejamento que permita a descontração do mercado regulado à medida em que os limites de acesso ao ambiente livre forem reduzidos. Uma das ferramentas seria o fim de regime de contas das hidrelétricas com contratos renovados em 2013, com a retirada desses montantes do portfólio das distribuidoras. A segunda, a descotização da energia de Itaipu, o que praticamente reduz toda a pressão em cima de consumidores comerciais e industriais no mercado cativo e pode aumentar um pouco para o residencial.

CEO da Comerc Varejista, João Aramis, diz que a empresa enxerga o varejista como o ponto central da abertura de mercado. “Por que? Porque quando a gente olha o PLS 232, atual PL 414, algumas exigências serão feitas ali, como, por exemplo, liquidação semanal com chamada de margem diária”, destaca Aramis. Diante dessa complexidade, o papel do comercializador ganha força, seja porque o cliente quer uma operação mais simples, ou por uma questão obrigatória, uma vez que a migração só poderá ser feita por meio do varejista.

“A Comerc está se preparando muito como uma plataforma de soluções em energia para poder atender desde o pequeno até o grande consumidor. O que é o pequeno consumidor na abertura de mercado? Desde fazer uma gestão ativa da conta cativa dele até poder fazer a ligação dele dentro de um modelo varejista”, diz o executivo.

A gerente comercial e de gestão de clientes da Delta Comercializadora, Debora Mota, também vê um potencial de migração de consumidores com o fim das restrições de acesso ao ambiente livre “na ordem de milhões.” Ela conta que a empresa também tem se estruturado internamente, na preparação para esse processo de abertura.

Atualmente é possível agregar cargas menores, por meio da comunhão de CNPJ ou de unidades que ocupam um mesmo terreno, mas há restrições na regulação que impedem a inclusão de uma parcela de consumidores que deseja ir para o ACL, explica a executiva. “Nos últimos cinco ou seis anos uma parte importante que podia migrar já migrou. Ainda tem entre 10 mil e 15 mil potenciais, podendo ser um pouco mais diante da possibilidade de comunhão de CNPJ ou área.”

Debora Mota explica que muitos produtos com foco no consumidor final tem sido estruturados desde o aumento das migrações nos últimos anos. “A gente sempre trabalhou nessa linha de atender as necessidades do consumidor. Mas os produtos vão evoluindo.” O segredo então para atrair o cliente do varejo é conseguir moldar cada vez mais os produtos à necessidade desse cliente.

O diretor de Produtos e Regulatório da Omega Energia, Bernardo Bezerra, acredita que o equacionamento dos contratos legados vai permitir antecipar o cronograma de abertura do mercado. Ele sugere como alternativa para reduzir a quantidade contratada no mercado de distribuição a adoção de mecanismo de venda de excedentes das distribuidoras ao mercado, com a transferência para os consumidores livres de parte de eventuais custos remanescentes.

“Temos defendido a abertura de mercado para antes de 2024, pois existem diversos modelos bem-sucedidos no mundo onde a competição é livre e com equidade promoveram queda do preço da energia e maior sustentabilidade ambiental em decorrência da crescente competitividade das energias renováveis”, afirma o executivo.

Em sua avaliação é preciso estabelecer uma abertura coordenada com regra de transição consistente. Resolvida a questão dos contratos das distribuidoras, talvez seja possível antecipar a abertura para alguns segmentos já em 2022. “Na Omega estamos preparados para esta abertura através de soluções de fornecimento de energia limpa, barata e simples, e contribuindo tecnicamente com os aprimoramentos regulatórios para uma abertura coordenada deste mercado.”

Para o CEO da 2W Energia, Claudio Ribeiro, o mercado varejista tende a deslanchar finalmente no ACL com a liberalização total do acesso. A empresa anunciou durante a semana a criação de um comercializadora voltada para o varejo.

“Essa modalidade está muito mais desenvolvida no exterior e tem muito a crescer nos próximos anos no Brasil. Um enorme mercado ainda não faz uso desses serviços. Hoje, mais de 50% dos consumidores do setor de serviços aptos a migrarem para esse mercado ainda não fizeram. Já estamos atuando para que pequenas e médias empresas passem para o mercado livre, por ser um consumo mais barato e de energia limpa.”

Consumidores

Entre os representantes de consumidores do Grupo A, a abertura de mercado tem que caminhar necessariamente com outras medidas. Carlos Faria, presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia, defende que os limites de acesso terão de ser reduzidos de forma gradativa, por um período de cinco anos.

Faria também afirma que o consumidor de menor porte não precisa necessariamente ser representado na CCEE por um comercializador varejista. Ele poderia ficar embaixo de um consumidor varejista, de acordo com o executivo.

O diretor técnico da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres, Filipe Soares, destaca que 83% do consumo industrial já está no mercado livre, que é composto por 85% de clientes industriais. Para Soares, é necessário que as pautas estruturais da modernização avancem de forma conjunta com as demais medidas infralegais, o que não esta acontecendo com o PL 414.

“Quando a gente olha o mercado livre, tem essa preocupação com a sustentabilidade e de olhar a solução como um todo, e não por partes. A gente está vivendo um drama na indústria hoje que é a cobrança de novos encargos. Isso é um exemplo quando a gente fala de sustentabilidade”, afirma o executivo. Em sua avaliação, uma abertura acelerada do mercado sem os instrumentos adequados de gestão de risco pode ser inócua para o consumidor, que pode ser surpreendido pela cobrança de encargos mesmo tendo migrado para o mercado livre.

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