EFICIÊNCIA ENERGÉTICA PARA SAIR DA CRISE

EFICIÊNCIA ENERGÉTICA PARA SAIR DA CRISE

Diante dos atuais desafios para gestão e planejamento do setor elétrico players debatem sobre como situação pode melhorar a partir da redução estruturada do consumo e modernização dos diferentes segmentos

Com o racionamento batendo à porta diante da pior crise hídrica da história e que impõe desafios de gestão e planejamento ao setor elétrico brasileiro, influenciando na alta dos preços de energia, a Eficiência Energética (EE) desponta como um dos caminhos mais plausíveis para atenuar a situação e socorrer os reservatórios e o sistema através da redução do consumo energético, que pode vir de medidas emergenciais e outras estruturantes.

As ações de eficientização podem estar relacionadas a melhorias tecnológicas pela troca de equipamentos e até a mudanças na gestão energética, além da possibilidade de entrada da geração solar num segundo momento. Dentre os benefícios, destacam-se a redução da necessidade de expansão de novas usinas, a diminuição da emissão de gases de efeito estufa e a redução do custo da energia para os consumidores, pontos cruciais no cenário atual em que a Aneel prevê aumento de 17% na tarifa em 2022, considerando uma projeção otimista.

No entanto os avanços obtidos no Brasil em comparação ao resto do mundo mostram que ainda há um longo caminho a ser percorrido para alcançar níveis razoáveis no uso racional da eletricidade, com o país figurando atualmente na 20ª posição no ranking internacional do Conselho Americano para uma Economia Eficiente em Energia (ACEE, em inglês) entre 25 países avaliados em relação às suas políticas e empenho para promoção da EE em 2018, ficando atrás de México e Ucrânia, por exemplo.

De acordo com o Plano Nacional de Expansão de 2029 do Governo Federal, a ineficiência energética é uma realidade com impactos econômicos que podem chegar a 40 TWh de perdas se nada for feito nos diferentes segmentos, representando quase 40% da produção anual da hidrelétrica de Itaipu em 2019.

Projeções da Associação Brasileira de Eficiência Energética (Abesco) apontam para um potencial de R$ 4 bilhões em economia por ano com a modernização do parque fabril e R$ 2,4 bilhões para o segmento do varejo, aferindo também que o desperdício entre 2015 e 2017 chegou a R$ 61,7 bilhões, valor suficiente para a construção de 240 hospitais.

“É preciso fechar esse grande ralo de desperdício e conseguir uma sobra de energia que descartaria retenções no consumo diante de uma crise hídrica como essa”, analisa o presidente da Associação e CEO da Deode Inovação e Eficiência, Frederico Rocha de Araújo, referindo o impulsionamento da área também pelo viés ESG, com as organizações sendo pressionadas a atender padrões de governança, sustentabilidade e impactos sociais e financeiros, pontos convergentes para a EE.

O especialista traz outro apontamento sobre o tema a partir de um levantamento da fabricante Weg, que também realiza projetos de eficientização para a indústria, em que a energia consumida no ramo corresponde a 41% do total consumido no país, sendo 67% realizado por motores elétricos, representando 27% da demanda elétrica brasileira.

Para Araújo, um dado “estarrecedor” é que existem cerca de 20,8 milhões de motores instalados no Brasil, sendo que aproximadamente 11,6 milhões destes têm idade maior ou igual a 19 anos, dos quais 4,45 milhões com potência entre 0,16cv e 500cv, e retorno sobre investimento menor ou igual a 2 anos.

 

Outro setor destacado é o de iluminação pública, que apresentou avanços nos últimos anos com os contratos de longo prazo sem casos de corrupção e estruturações técnicas do BNDES que elevaram a efetividade das modernizações via LED nos municípios, mas que correspondem atualmente a apenas cerca de 10% do parque de iluminação brasileiro, demonstrando grande potencial a ser explorado.

“Fazer eficiência em iluminação pública é rápido e tem um payback superinteressante, além de estar exatamente no horário de ponta, o que aliviaria bastante o sistema elétrico nacional”, ressalta o executivo, acrescentando que esse mercado conta com fornecedores nacionais, não estando exposto às flutuações do câmbio.

O problema da indústria

Ao contrário do caminho pela expansão da geração, as ações de EE têm agilidade e baixo custo de implementação em alguns casos, não exigindo infraestrutura, licenciamento, e ainda contribuindo para modernização da indústria e aumento de competitividade, além da aderência total às práticas de sustentabilidade e descarbonização. Com tantos benefícios, por que parte da indústria ainda não investe nessa área?

Para o Gerente de Energia Elétrica da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace), Victor Iocca, a EE tem a capacidade de mudar o custo de investimento futuro dentro do setor elétrico e fora dele, com gastos mais razoáveis para todos os agentes na cadeia, mas o problema é que a área concorre com o core business das empresas, que direcionam seus caixas para aspectos ligados à produção, matéria-prima e ao lucro.

“O investimento industrial em eficiência é fundamental pois cada MWh que deixamos de consumir é água estrutural que se está guardando nos reservatórios e uma térmica a diesel sendo desativada, mas o dinheiro do acionista vai prioritariamente para o objetivo que a empresa nasceu”, explica Iocca.

O representante da Abrace afirma não ser apenas uma questão de capital mas de prioridades, citando o caso de um gerente que cuida de vários setores numa companhia e que também deveria preocupar-se com a EE, o que não é algo tão simples, e que a evolução do tema depende do envolvimento das lideranças para avançar em contratos de longo prazo e não apenas pontuais. “É preciso de um pouco de catequização nesse processo”, afirma.

Um desses casos foi a implementação do Programa Aliança em 2017 a partir de 12 representações dos setores siderúrgico, químico, cimento e automobilístico, numa parceria da Abesco com a Confederação Nacional da Indústria (CNI) que já abarcou 117 linhas de ação com 175.291 MWh economizados, a maioria a partir de alguns ajustes nos processos de produção e na substituição de equipamentos antigos por outros mais modernos.

A iniciativa consiste na ida de uma equipe multidisciplinar de doutores, mestrandos e técnicos em uma planta industrial para um grande diagnóstico e verificação, levando posteriormente as informações para um laboratório de simulações físicos-química, onde supercomputadores conseguem simular alguns processos para uma melhor tomada de decisão.

“A temperatura de uma caldeira, o volume de vapor, são pequenas mudanças que otimizam o processo sem investimento, para depois passar para o pilar de quais equipamentos poderiam ser substituídos”, comenta Victor.

Além das trocas envolvendo iluminação, motores e climatização com potenciais de até 50% em economia com a recomendação do uso de inversores de frequência e conversores regenerativos, o presidente da Associação Brasileira dos Consumidores de Energia (Anace), Carlos Faria, destaca a adequação de potência conforme as reais necessidades e a produção de vapor e cogeração, com o reaproveitamento dos gases desperdiçados.

“A questão pontual é saber onde o consumidor está gastando, o que começa pela medição inteligente prevista pela chamada indústria 4.0 em linhas de automação”, ressalta, atribuindo a importância da questão também pela inserção maior das energias renováveis e que exigem integração ao sistema.

Na avaliação da Abesco, o primeiro entrave da EE no país é a cultura, o que é corroborado pela falta de padrões obrigatórios para instalações elétricas em prédios e residências e que pode ser trabalhada por meio da educação e conscientização ou através da penalização, como acontece agora no caso das bandeiras tarifárias impulsionadas pela crise hídrica.

“Mais do que indicadores mínimos como na Europa, EUA e Japão para diferentes equipamentos precisamos de um programa de modernização da indústria, que naturalmente trará a eficiência energética”, acrescenta Araújo.

Para Mauricio Gonçalves, CEO da 3e Soluções, especializada em conservação da energia e que desenvolve diversos projetos no setor, a indústria não investe em EE por uma questão de longo prazo e uma certa miopia dos gestores, mas principalmente por conta do cenário político e macroeconômico de instabilidade no Brasil.

“Taxas de juros, ações estruturantes, o que vai ser dos próximos anos faz o administrador acabar não tendo essa visão de longo prazo”, refere.

Gonçalves também lembra que o Brasil passa por um forte movimento de desinvestimentos no segmento produtivo, com a grande maioria não tendo um caixa robusto para fazer aportes. “Hoje é um processo que é feito hoje pela vontade própria de cada segmento”, resume.

Um dos consensos entre as fontes ouvidas pela reportagem é de que a resolução da dificuldade financeira passa pela criação de linhas de crédito e financiamento, num processo semelhante ao que aconteceu com as fontes renováveis complementares, o que ajudaria muito no composto geral desse mercado, que vive um boom técnico sobretudo com as últimas movimentações do governo para racionamentos voluntários nos horários de pico da demanda.

“Não há um grande fundo ou uma linha de crédito específica e efetiva para a EE, assim como aconteceu com a energia solar”, pontua Mauricio Gonçalves, citando apenas algumas ações iniciais como um fundo garantidor do BNDES que está para sair, além de um seguro de performance lançado pelo BID e que ajuda a diminuir o risco do investimento.

Contratos de performance

Uma alternativa praticada pelo mercado nos últimos anos são os contratos de performance, em que empresas com capital mais robusto colocam o investimento inicial e recebem o pagamento conforme a economia dos clientes, como no caso da francesa GreenYellow, que atua hoje no Brasil com mais de 1.400 projetos operacionais em automação e modernização de luminárias, refrigeração e ar-condicionado, além de geração solar distribuída.

O resultado são 230 GWh anuais de redução no consumo dos clientes, o equivalente a uma usina de 26 MW de potência gerando energia 24 horas por dia durante um ano para o Sistema Interligado Nacional (SIN).  “Atuamos como um agente financiador mas sempre com um viés técnico muito forte, fazendo o acompanhamento para garantir os ganhos nas faturas dos clientes”, comenta à Agência CanalEnergia o diretor Comercial da GY Brasil, Marcelo Varlese.

Grande parte desse montante, cerca de 170 GWh vieram da redução no consumo de 2020 da Companhia Brasileira de Distribuição (GPA), dona de marcas como Pão de Açúcar e Extra, e que investiu na troca de ilhas de produtos refrigerados para diminuir perdas térmicas, além da automação do sistema de ar-condicionado, troca de iluminação por LED e segmentação de circuitos.

Para o executivo, a grande aposta nos próximos anos recai no retrofit em climatização, cujo parque instalado é de 10 a 15 anos, citando também o segundo ciclo de modernização do LED e muita automação embarcada para os equipamentos, além da companhia estar estudando projetos envolvendo motores elétricos e sistemas de ar comprimido para avançar com novos negócios.

A multinacional tem metas ambiciosas de crescimento, tendo aplicado mais de R$ 1 bilhão desde que chegou por aqui em 2014, tanto em geração renovável quanto EE. Para esse ano, a previsão é de R$ 500 milhões para novos projetos a serem assinados em 2021, possivelmente mais do que dobrando o faturamento no ano que vem.

Varlese também destaca a atual fase de transição da GY do varejo para o segmento industrial e de serviços, inclusive analisando a compra de algumas empresas que tenham soluções voltadas para eficiência nesse setor, no intuito de penetrar de forma mais rápida no nicho de mercado.

Gonçalves, da 3e, enxerga uma tendência do mercado em cada vez mais lançar negócios específicos na área, assim como o Grupo Comerc fez com a criação da Nexway Eficiência, sobretudo pela remuneração de capital e potencial enorme com a redução das taxas de rendimento.

Políticas Públicas

Abarcando principalmente o consumidor residencial, duas políticas públicas se destacam no Brasil quando o tema é EE: o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel), administrado pela Eletrobras desde 1985, e o Programa de Eficiência Energética (PEE) regulado pela Aneel e gerido pelas distribuidoras, com números que apontam para investimentos de R$ 68,7 milhões ao ano e 335.894 MWh economizados, com a redução de demanda na ponta de 92.851 KW ao ano.

Segundo dados da agência reguladora, somente com o PEE foram economizados 52 TWh entre os anos de 1998 e 2017, a um custo médio de R$ 200/MWh e com investimentos de R$ 8 bilhões. No mesmo período, o preço para Baixa e Alta Tensão perfaziam R$ 436,00/MWh e R$ 384,00/MWh, o que aponta para redução em R$ 13,3 bilhões aproximadamente em 19 anos com o custo da compra de energia para atender a demanda.

Pelo lado do Procel, os 94 projetos inscritos em diversas vertentes representaram 14,86% do consumo residencial e 4,64% da demanda total no país, atingindo 22 bilhões de kWh conservados em duas chamadas, equivalente ao consumo anual de 11,13 milhões de residências. Já a redução de demanda na ponta atingiu 7.262 MW. A próxima chamada pública, com edital já aberto, vai focar em prédios públicos, que agora precisam racionar 20% de seu consumo energético após decreto presidencial nessa semana.

Na visão de Frederico Araújo, da Abesco, o PEE é um programa interessante mas ao longo dos anos não vem sendo monitorado da melhor forma, dando como exemplo a sobra de recursos em caixa que acabaram gerando a MP 998, que represou parte desses recursos nesse ano e reduzirá em 30% a verba até 2025.

Outra crítica é que a iniciativa se desprendeu de seu objetivo inicial, que seria de alívio à demanda de energia no Brasil, com muitos recursos sendo aplicados em comunidades de baixa renda, que já possuem o Tarifa Social, e não para colaborar com a operação do sistema elétrico.

“Nada contra projetos sociais mas o programa deveria ser direcionado para indústria, comércio, serviços e em usos finais de energia que são os grandes vilões, como motores elétricos ou ar-condicionado”, sustenta.

Por outro lado, Mauricio Gonçalves, da 3e Soluções, entende a crítica mas lembra que o programa parte de uma política pública e talvez seja o único que consiga atender a um espectro de clientes, ainda que o foco esteja mudando nos últimos anos, sendo direcionado também aos setores industriais, comerciais, com análises de perfil de carga, melhoria da gestão e compra ou geração da energia, e mais recentemente para hospitais e escolas.

“Não podemos esperar que seja um recurso para o mercado financeiro, de balcão, pois essa verba é mais complicada para a indústria por conta de informações e documentações que têm que ser apresentadas”, analisa, destacando que tanto o PEE como o Procel configuram a base da pirâmide e o trampolim para a eficiência energética no Brasil.

Já Araújo entende que o Procel trouxe a modernização do nosso olhar para equipamentos elétricos e a cultura do selo de eficiência nos equipamentos, mas atenta para que as classificações de geladeiras fossem melhores condizentes com a realidade de outros países.

“Se vai atualizar vamos fazer o que há de mais moderno em termos de eficiência e melhorar também a burocracia da certificação no país, que hoje demandam muitos anos”, pondera, chamando a atenção também para a falta de fiscalização efetiva dos aparelhos importados.

Medição inteligente, empoderamento do consumidor

Como na crise de 2001, o fato é que a EE passa a ser valorizada apenas de forma reativa em resposta a episódios específicos de dificuldade no atendimento da demanda, quando na realidade deveria estar dentro de um planejamento de longo prazo das empresas e do governo.

Esse ponto torna-se mais relevante ainda na medida que a energia é encarada cada vez mais como uma componente que impacta nos negócios, chegando a representar 40% em algumas indústrias e criando-se o termo inflação energética para mostrar o quanto ela está se deslocando de outros componentes macroeconômicos, como o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e o Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M).

“Desde 2001 podíamos ter pensado na reestruturação da EE e modernização da estrutura tarifária, com a inserção gradativa dos medidores inteligentes, mas nada foi feito”, comenta o coordenador do programa de Energia do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Clauber Leite.

Segundo ele, não existem incentivos para o consumidor residencial comprar geladeiras, chuveiros e ar-condicionado eficiente ou uma diretriz com benefícios pontuais no médio e longo prazo para economizar água dos reservatórios, com o governo deixando de investir na área por uma visão mais fechada do que é a eficientização e por ser um segmento sem obras muito visíveis para a população.

“São projetos que não aparecem e não configuram uma energia nova por exemplo, com o poder de uma inauguração de uma usina”, afere Leite, complementando que a estrutura tarifária arcaica também não incentiva o usuário da rede a mudar seus hábitos. Uma saída poderia ser a tarifa branca, com a resposta aos picos de demanda mas que esbarra na falta de medição.

Para a Abesco, um caminho seria começar a avançar na agenda da energia 4.0, colocando medidores dentro das empresas para telemetria de dados em cada motor e equipamento de uso elétrico, ao mesmo tempo em que imprime uma política mais perene de EE o que trará uma cultura da eficiência, sendo discutida em toda sociedade de forma geral.

“Os medidores são importantes para trazer a consciência do usuário sobre sua interação com o sistema energético, até mesmo para tomar uma decisão diferente, como para a tarifa branca. É muito difícil tomar decisões sem informações”, assente Araújo.

Sobre o assunto a Copel avança com um projeto de Smart Grids para instalar esse tipo de leitura do consumo para 1,5 milhão de clientes ou 1/3 de sua área de concessão, que irão receber os aparelhos com sensores específicos e a ferramenta de balanço energético para encontrar falhas, desvios, ineficiências e avaliar consumos exacerbados.

“Estamos em plena implementação apesar de ser algo pioneiro para o Brasil e até o final de 2022 serão 750 mil pontos instalados, configurando metade do projeto”, informou o superintendente de Projetos Especiais da companhia, Julio Omori.

De acordo com o executivo, a digitalização da rede vai proporcionar mais EE e tarifas dinâmicas e inteligentes, além da possibilidade de pré-pagamentos e maior informação ao consumidor, como no caso do município de Ipiranga (PR), que recebeu em 2018 o conceito de rede inteligente de forma integral.

Lá os consumidores contam com um aplicativo que mostra a cada hora as informações de seu consumo, aferindo também uma média na demanda da cidade, bairro, buscando provocar um sentimento de comparação junto à população, no intuito de criar um movimento de percepção para busca de mais eficiência.

“Nós precisamos usar a tecnologia a nosso favor, trocas de equipamentos serão o carro chefe por um tempo mas acredito muito no conceito da digitalização e empoderamento do consumidor”, define Omori, destacando que o futuro passa pela gestão da energia dentro das unidades consumidoras.

Ademais, a estatal paranaense bateu seu recorde de investimentos na última chamada, terminando de contratar R$ 147 milhões em projetos da área, sendo 80% em GD solar, que pode atuar no momento de maior gargalo e estresse do sistema elétrico e prevendo uma próxima para hospitais, tendo mapeado mais de 300 instituições com esse potencial no estado. Já o último processo teve 105 projetos aprovados, com 51,8 GWh de energia conservada em um ano.

Leilão de eficiência e resposta da demanda

 

Apesar da EE reduzir custos para consumidores e os investimentos na expansão da geração e na distribuição do sistema, esse vetor energético nunca foi levado a sério como uma fonte de energia, o que pode mudar agora a partir da contribuição de diversos agentes do setor para que ele seja considerado em um próximo leilão de longo prazo, como uma redução estruturada do consumo, e que vai à consulta pública na Aneel.

A ideia seria para o certame acontecer nas duas principais áreas de problemas para o setor quanto ao risco hidrológico: Minas Gerais e São Paulo, que indicam grandes chances de racionamento e apagões em 2022, ainda mais com a última análise de risco da consultoria PSR. Uma tentativa de um leilão nesses moldes foi delineada para a região de Roraima, mas não avançou.

Num ofício encaminhado à Aneel e ao Ministério de Minas e Energia na última semana, a Abesco propôs algumas ações em caráter urgente para atenuar a crise energética no país: Leilões de resposta da demanda e de eficiência; Aceleração das conexões de Geração Distribuída; Tarifa branca e alterações no horário de ponta, além de campanhas de conscientização do consumo e o fomento à cogeração.

Hoje o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) estima que o país precise de oferta adicional de 8% de geração para assegurar o suprimento a partir de setembro, com base nos dados da geração média em 2021, de 67,5 GW até agosto,  que pode vir também pela redução do consumo a partir de medidas de economia para frear a demanda.

“A ideia é realizar algo mais perene, um plano efetivo de eficiência para o país, com padrões mínimos nos diferentes segmentos e nas edificações e novas construções”, afirma o presidente da Abesco.

Outra sugestão é a criação do programa E-cashback, uma recompensa a qualquer consumidor que executar a redução de sua demanda no período crítico, através de uma bonificação financeira diretamente na fatura mensal de energia, equivalente aos valores economizados em kWh, e cujo objetivo seria perenizar a ação do governo, que lançou medidas nesse sentido e que serão nos próximos dias delineadas pela Aneel e CCEE.

A ideia também é defendida pelo Idec para o segmento residencial a partir de um plano apresentado ao Governo Federal, com metas de economia que variam de 5% a 25% sobre o consumo médio de 2020, a depender do porte do usuário. “Sabemos que isso pode ter algum custo político, mas a falta de ação vai trazer prejuízos muito maiores para os consumidores”, relata Clauber Leite.

Considerando dados do consumo médio de 2020, os cálculos mostram que se todos atingissem as metas, haveria uma redução da ordem de 9% no consumo residencial, equivalente a 3% da demanda total por energia do país.

“Para se ter uma ideia esse recuo representaria à retirada de operação de um total de 4 GW, equivalente a 6,7 milhões de residências por mês, diminuindo o uso de usinas térmicas e reduzindo o custo final para os consumidores”, explica Leite, afirmando que se a energia economizada fosse remunerada pela tarifa média, um custo de R$ 7,8 bilhões deixaria de ser repassado aos consumidores.

Na visão do CEO da 3e Soluções, o programa é interessante mas deveria ter sido posto em prática antes, visto que já estava sendo desenvolvido no governo de Michel Temer, mas indica que aquelas corporações que investiram em EE no passado possam ter melhores condições dentro da proposta.  “O grande problema do Brasil é dar respostas aos espasmos”, aponta Mauricio.

Ele lembra que a fábrica deixar de produzir também pode ser um problema, na medida em que o produtor fará o cálculo do que vale mais a pena, como já aconteceu no país onde era mais sedutor fazer a execução do PLD horário do que efetivamente usar a demanda contratada.

Outra proposta enviada recentemente à Aneel é para uma campanha promovendo a utilização de aquecedores solares de água no lugar dos chuveiros elétricos, que representam mais de 7% de todo a demanda nacional e 25% do segmento residencial, conforme o Balanço Energético Nacional da EPE, e que poderiam contribuir para reduzir o consumo nos horários de pico.

De acordo com a Associação Brasileira de Energia Solar Térmica (Abrasol), essa tecnologia é cerca de quatro vezes mais eficiente do que os painéis fotovoltaicos e atendem a aplicações residenciais da baixa até alta renda, comerciais, industriais e serviços.

Perspectivas

Para Frederico Araújo, da Abesco, o país já vive uma retomada da economia e se as previsões iniciais de um PIB de R$ 7 trilhões se confirmarem para o ano que vem podemos ter um problema sério de atendimento, com momentos emergenciais para bonificar quem sai da carga, prevendo também o risco de escassez de energia ainda para 2021.

“Pode não ter um problema mas estamos pagando R$ 2.000 no MWh nas térmicas, será que está certo? Falamos para Aneel, por que não paga isso para projetos de eficiência como bonificação para quem implementar as iniciativas?”, propõe, salientando que muitas UTEs podem ter problemas nos próximos anos de manutenção e outras variáveis que influenciam nas suas plenas operações.

No entender do Idec, a EE tem que estar posta claramente dentro das discussões dos planos decenais ligados ao governo, que deve perceber o potencial desse vetor como uma fonte, aprofundando-o da forma que merece, como por exemplo atualizando o Balanço de Energia Útil, que deixou de ser feito em 2001 e que poderia ser realizado por cada concessionária.

“Eficiência vai além da troca de equipamentos mas em questionar as formas de utilização da energia. Com o balanço teríamos dados reais de como estamos nesse quesito, trazendo questões como se é inteligente usar energia para aquecer água”, afirma Clauber Leite.

Por sua vez, a Abrace ressalta que outra pauta que poderia avançar com a crise energética é a redução dos encargos setoriais, considerados como um dos calos para os grandes consumidores, que poderiam receber algum incentivo em cima do MWh economizado para o sistema, visto que atualmente uma grande indústria no Sudeste pagar cerca de R$ 50 o MWh só com os encargos.

“Quando se fazem campanhas com incentivos é muito comum vermos mudanças de hábitos. Talvez o consumidor não deixe de tomar seu banho no fim de tarde, mas perceba que poderá investir em equipamentos mais modernos e eficientes para reduzir a conta de energia e causar um efeito acumulado para o sistema elétrico”, avalia.

Já olhando a operação do sistema o que falta como sinal seria uma tarifa moderna para definir melhor a precificação, dando o sinal energético a cada meia hora, com custo de demanda e a questão locacional, no caso se estiver mais fácil ou não de entregar a energia.

Para a Copel o Brasil possui uma pressão menor com relação à efetivação de projetos de EE em comparação a outros países por conta de sua matriz 80% renovável, o que muda a partir do momento em que despachos termelétricos não param de crescer e onerar o consumidor e o meio-ambiente, sendo necessário investir na formação de uma nova cultura de planejamento.

“É uma questão que temos que vencer principalmente para a indústria e os comércios, além dos prédios geridos pelo poder público. Uma cultura de investimentos e melhoria constante das infraestruturas”, define Júlio Omori.

Sobre esse momento um tom uníssono é de que o país passa por uma desindustrialização causada por falta de uma política industrial somada à perda de competitividade pela reunião de diversos fatores, como política tributária, ambiente legal e regulatório, insegurança jurídica, além da falta de infraestrutura, planejamento e eficiência energética, que acabam por compor um quadro de desafios ao setor elétrico em meio às crises que passamos, seja pela pandemia ou pela seca no Centro-Sul no país.

A questão que parece emergir deste debate é a simplificação da coordenação da área de EE no país, de forma a estimular os diferentes setores por meio de planejamento de longo prazo, contemplando objetivos, metas a serem desenvolvidas, instituições envolvidas, além da governança e fiscalização. Talvez só assim possamos avançar e valorizar de fato a eficiência energética como outras regiões no mundo fizeram, potencializando todos seus benefícios à sociedade.

Confira a notícia completa em:https://www.canalenergia.com.br/especiais/53185187/eficiencia-energetica-para-sair-da-crise