Gás: Congresso será fundamental para evitar monopólio privado

Gás: Congresso será fundamental para evitar monopólio privado

Restrições à participação de empresas em mais de um elo da cadeia produtiva deve ser estabelecida em lei, defende secretário

O compromisso assumido pela Petrobras de sair das atividades de transporte e de distribuição de gás natural no país cria a necessidade de incluir na agenda do novo mercado a discussão de mecanismos que impeçam a ocupação por grandes empresas da posição de novo agente dominante no setor. Existe, no próprio Ministério da Economia, a percepção de que alguma proposta de lei terá de estabelecer restrições à atuação de uma mesma empresa em diferentes elos da cadeia produtiva, evitando, dessa forma a substituição do monopólio estatal por um monopólio privado. Essa lei daria respaldo, inclusive, à posição do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em julgamentos futuros de eventuais atos de concentração.

A desverticalização do setor de gás, por meio da imposição de limites à participação simultânea nas atividades de produção, transporte e distribuição do insumo “é uma ação profilática”, na avaliação do secretário de Planejamento, Energia e Loteria do ministério, Alexandre Manoel da Silva. “A gente hoje está atuando para desconcentrar o mercado em cima de uma estatal, e tem que criar mecanismo legal para impedir que essa concentração de mercado possa ocorrer por meio de uma empresa privada”, argumenta Silva.

A missão de pensar esse novo arranjo de mercado é do Ministério de Minas e Energia. O ministro Bento Albuquerque afirmou, no entanto, durante a apresentação das diretrizes do Novo Mercado do Gás no Senado e na Câmara, que espera uma iniciativa do próprio Legislativo nessa direção. Albuquerque chegou a ser cobrado por parlamentares sobre a necessidade de que o governo apresente proposta concreta para o que for necessário estabelecer por projeto de lei. Grande parte das medidas que envolvem a criação do Novo Mercado do Gás é de caráter regulatório e não depende do Congresso Nacional.

Uma dessas medidas foi o Termo de Cessação de Conduta assinado este mês pela Petrobras com o Cade, no qual a estatal se compromete a vender ativos no segmento de transporte e participações em distribuidoras de gás canalizado até 2021. Para o secretário, os interesses de grandes empresas multinacionais em aumentar sua participação no setor de gás no Brasil, adquirindo eventualmente esses ativos, são legítimos. Ele pondera, no entanto, que “o governo está quebrando um monopólio, mas não pode deixar espaço para que o monopólio privado surja” nesse vácuo. Por isso, defende, caberá ao Congresso, dentro da agenda do gás, aprovar o quanto antes uma legislação que deixe claro que a verticalização não é permitida a nenhuma empresa.

Há um segundo ponto da agenda do novo mercado que também deveria ser tratado em lei, na opinião de Alexandre Silva. Trata-se do Ajuste Sinief 3, uma regulamentação de caráter fiscal que envolve a cobrança de ICMS e já tem entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça. O Sinief 3 ainda depende da concordância de um único estado (o Ceará) para ser aprovado na próxima reunião do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), já que demais estados aderiram. O secretário acredita, porém, que a chancela do Legislativo daria segurança jurídica à questão.

Desde o início das discussões sobre a abertura do mercado do gás, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem prometido um “choque de energia barata”, que vai permitir a “reindustrialização” do país. “A economia industrial brasileira sofreu muito nos últimos dez, 15, 20 anos. A indústria chegou a ser 20% do PIB (Produto Interno Bruto) e encolheu para em torno de 10% do PIB. Isso por excesso de impostos, juros altos, custos de energia, custo de logística”, disse esta semana, durante cerimônia de lançamento oficial do programa no Palácio do Planalto. Guedes tem repetido que a estimativa é de que o preço do gás deve cair até 40% em dois anos.

Para Albuquerque, a abertura do mercado vai alçar o país a um posição jamais pensada, que é estar entre os maiores produtores do mundo. O gás natural, acrescentou, impacta de forma significativa o setor industrial e representa, em alguns casos, 50% do custo de produção. Albuquerque admitiu na mesma solenidade que é difícil afirmar em quanto tempo a redução no preço do energético vai acontecer. “O que nós sabemos é que os preços já estão caindo. Os novos negócios estão sendo realizados com um preço mais reduzido. Ao longo do tempo, tem uma expectativa de redução em dois, três, quatro anos, de até 50% do preço do gás natural, que vai impactar toda a cadeia da economia.”

As diretrizes do novo modelo foram estabelecidas pelo Conselho Nacional de Política Energética, em resolução aprovada em 24 de junho. O ato do CNPE tem como princípio a criação de um ambiente de livre concorrência, que garanta o aumento da oferta de gás a preços competitivos para a indústria e para a geração de energia elétrica. Para isso, além da quebra da posição monopolista da Petrobras, estão previstas ações de incentivo à modernização da regulação e à adoção de boas práticas pelos estados, que são detentores do monopólio natural da distribuição. Uma avaliação das ações previstas no programa será feita a cada 60 dias pelo Comitê de Monitoramento do Mercado do Gás, criado por decreto presidencial.

Uma das medidas de incentivo aos estados está prevista no Programa de Equilíbrio Fiscal (PEF), que permitirá aos governos que enfrentam problemas fiscais receber garantias da União em futuras operações de crédito, em troca de compromissos de melhoria das contas públicas e da regulação do serviço de gás canalizado. A proposta já está em tramitação no Congresso, e a previsão é de que ela seja aprovada até outubro.

Outro incentivo virá do Programa de Fortalecimento das Finanças Estaduais (PFE), que prevê a transferência de recursos do Fundo Social do Pré-sal, com base em indicadores de melhorias na regulação estadual de gás, criados pela Empresa de Pesquisa Energética. O projeto de lei que prevê o rateio com os estados dos recursos da exploração de petróleo e gás deve ser enviado ao Legislativo em agosto, e a expectativa é de que ele seja aprovado até o fim do ano.

Alexandre da Silva explica que o programa não trata da quebra do monopólio da distribuição, até porque o chamado downstream é um monopólio natural. “Estamos incentivando o aperfeiçoamento da regulação para que o gás saia do preço de monopólio natural para um preço competitivo. Que essa tarifa que vai ser cobrada tenha racionalidade econômica”, afirma o secretário. Ele lembra que várias distribuidoras estaduais estabelecem remuneração de 20% para o capital fixo, e a ideia é de que essa parte do capital fixo tenha uma metodologia que justifique aquele investimento. Já para a parte operacional, que é o custo variável, é necessário utilizar os princípios da regulação moderna, que faz a remuneração por eficiência.

“Quanto mais eficiente, mais o operador vai ganhar, vai ter incentivo para operar. Hoje, em várias dessas distribuidoras, não há incentivos a essa eficiência. Pelo contrário.(…) Além disso, várias distribuidoras vem com essa remuneração de 20% da parte fixa, e a variável ainda divide por 0,8%, o que significa aumento de 25%. Isso pode tornar o mercado proibitivo ”, observa o secretário do ME. Com a alteração da regulação atual, argumenta Silva, as distribuidoras vão diminuir a tarifa e ganhar na escala, já que o preço da molécula no ponto de entrada estará mais baixo.

Para o secretário, a concorrência é que vai incentivar a modernização regulatória. Os estados podem optar por privatizar a distribuidora ou promover a expansão dos gasodutos por meio de parcerias público-privadas, com o uso de recursos do PFE como garantia das receitas, para que essas parcerias sejam efetivadas.

“A Abegás espera que todo esse processo leve em consideração o pleno respeito aos contratos de concessão já firmados, preservando a segurança jurídica e garantindo a previsibilidade indispensável para que as concessionárias — elo fundamental na cadeia produtiva — possam continuar a exercer seu papel de desenvolver a demanda, investindo na construção de redes de distribuição e na ampliação de mercado com soluções que ao mesmo tempo assegurem eficiência na prestação de serviços e total segurança aos consumidores e à população”, reiterou o presidente executivo da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado, Augusto Salomon, em nota divulgada após a cerimônia oficial de lançamento do programa, no Palácio do Planalto.

Para o presidente da Associação Brasileira de Geradores Termelétricos, Xisto Vieira Filho, “a simples existência do pré-sal já garante um mercado enorme de geração térmica”, porque a atividade de geração é um dos mercados mais importantes para esse produto. “O gás do pré-sal é um divisor de águas. Nós vamos ter esse gás colocado nos sistemas Nordeste e Sudeste, e esse gás vai ser extremamente importante para geração térmica. O que a gente vai precisar melhorar é o problema da logística, como sempre. Ou seja, problemas de gasodutos, de unidades de processamento de gás natural (UPGN), essas coisas da logística têm que ser melhoradas, mas o gás propriamente dito vem do pré-sal em larga escala.”

Vieira Filho é contra, porém, a criação do comitê de monitoramento das ações do mercado do gás. “Acho que, nessa linha de liberalização que o ministro Paulo Guedes tem conduzido com sucesso, coisas do tipo CMSE [Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico, que parece ter inspirado o comitê do gás] não cabem mais”, criticou o executivo, para quem o colegiado do setor elétrico é um órgão chapa branca, que toma as decisões de operação e não tem representatividade dos investidores do setor.

A Petrobras vai continuar como um player importante como fornecedor de gás, mesmo não sendo mais a única empresa a atuar no mercado, prevê o presidente da Abraget. “Eu acho que vai continuar e vai competir com outras. E, se tiver melhores condições, que seja”, disse.

Especialista em energia da Confederação Nacional da Indústria, Juliana Falcão, acredita que as medidas de abertura do mercado vem ao encontro do que a indústria tem pleiteado há algum tempo. “Você imagina que uma quebra de monopólio é algo que não acontece tão rapidamente. Quando a gente olha o prazo do Cade, por exemplo, a Petrobras tem até o fim de 2021 para encerrar esse processo e vender seu ativos no transporte e na distribuição. Além disso, como o gás tem toda essa cadeia, você precisa que várias coisas aconteçam ao longo da cadeia para que tenha esse impacto [de redução de preços]”, destacou a técnica da CNI.

Juliana diz que a expectativa é e que os preços do insumo caiam no médio e longo prazos, com a entrada de novas empresas e o aumento da competição. “A gente está imaginando para 2023/2024 uma oferta maior com outros ofertantes.” A redução no preço do gás, acredita, pode chegar a 50%, como disse o ministro Paulo Guedes. Os segmentos que mais consomem gás na indústria são química, siderurgia, alumínio, vidro, cerâmica e papel e celulose. “Só por aí você vê que o benefício é alto”, diz.

Mesmo fora da discussão atual sobre o gás, a Agência Nacional de Energia Elétrica pode dar sua contribuição para o novo mercado, afirma o diretor-geral da autarquia, André Pepitone. “A agenda de integração energética do mercado de gás é muito promissora, e a Aneel tem muito a contribuir nesse esforço conjunto” , argumenta Pepitone.

O dirigente da Aneel disse que é importante a participação da agência em razão da representatividade das usinas termeletricas no mercado de gás. Apenas a Agência Nacional do Petróleo esteve nas discussões sobre a abertura do mercado.  “A regulação que a gente visualiza para o segmento de gás é muito similar, praticamente tirando uma ou outra particularidade, àquela que a agência já aplica no segmento de transmissão, no segmento de fio, cuidando do transporte e da distribuição”, diz o diretor. Ele também destacou que o país tem térmicas a óleo com custo superior a R$ 1 mil/MWh, que precisam ser substituídas por térmicas com valores menores. “Essas térmicas a gás apresentam valor de modicidade que agrega ao nosso sistema e, em ultima instância, vai contribuir para a redução da tarifa de energia” , avalia.