O setor elétrico e seu marco regulatório

O setor elétrico e seu marco regulatório

Temos um novo governo e um diagnóstico muito preocupante quanto à retomada do crescimento econômico com geração de empregos e renda.

Essa realidade definiu a necessidade de medidas para modificá-la, mas que não abrangem num primeiro momento o setor elétrico, vetor impactante em toda a economia.

Cabe o registro: as lideranças nomeadas pelo novo governo para o setor têm comprovadas competência e correição.

O setor elétrico do País passou por diversas transformações nos últimos 20 anos, quando, de um modelo totalmente centralizado com forte presença de empresas estatais em níveis federal e estadual, se migrou para um modelo mercantil misto, parte centralizado e parte concorrencial, cujas contradições refletem o vasto espectro de visões e interesses que atuam no setor.

Desde a implantação do chamado novo modelo do setor elétrico, em 2004, ocorreu uma desarrumaçào contínua da dinâmica comercial atacadista da energia elétrica que, apesar de ter logrado relativo sucesso no financiamento da expansão e na inserção de novas fontes energéticas, produziu uma situação diametralmente oposta à desejável para o setor.

Em vez de segurança energética, modicidade tarifaria e eficiência econômica, hoje o País enfrenta risco de racionamento (temporariamente mitigado pela recessão, que fez o consumo definhar), explosão tarifaria e desordem legal/regulatória.

Em suma, ocorreu um bouleversement total do setor elétrico, agravado pela MP 579 e a respectiva lei decorrente.

Para reconstruir o marco legal, adequando-o à nova realidade do setor, não se deveria desprezar a inteligência de investidores e consumidores, mas dar-lhes a devida autonomia para gerir seus riscos fornecendo estímulos corretos para as decisões de investimento e contratação.

Rever a atribuição da regulação econômica, transferindo-a a outro ente com formação técnica específica para administrar as questões de competição em mercados, e dar-lhe neutralidade, livrando-a de interferências de outra natureza quando feita pelas agências.

O regulador deveria promover o equilíbrio entre os interesses de investidores e consumidores, mas a captura ideológica de seu quadro técnico levou à perda da isenção ao atuar como “paladino” do consumidor cativo, desenvolvendo resoluções que escancaram o intervencionismo e o desrespeito ao funcionamento das dinâmicas de mercado.

Embora haja razoável ação na regulação técnica, a regulação econômica tem sido, no fundo, um desserviço ao consumidor: fragiliza-o, em vez de protegê-lo, e o torna refém de investidores desestimulados pela solapa de sua rentabilidade e de seu ânimo de permanecer neste mercado. Mas não é tudo.

O risco de racionamento continua presente em razão dos sucessivos atrasos na implantação de empreendimentos de geração e transmissão, causados principalmente por desencontros na atuação de órgãos do governo, interferências de entidades estrangeiras, alguns buscando acelerar a implantação do empreendimento e muitos buscando inviabilizá-lo.

A escolha de projetos considerados por alguns como ambientalmente controversos, a lógica equivocada de leilões e preços-teto, o poder monopolístico do BNDES, hoje quase inviabilizado, e o licenciamento socioambiental buscando resolver a dívida social do Estado à custa do empreendimento são, entre outros, fatores que elevaram ao máximo o risco de atrasos.

Não bastasse o contrassenso intrínseco das condições legais, há o ativismo judicial que, meritório ou não, onera o custo final da obra, em alguns casos a ponto de inviabilizar o retorno do investimento.

Não é exagero dizer que no Brasil hoje não há implantação de empreendimentos do setor elétrico sem algum conflito em discussão no Judiciário ou a ele sendo encaminhado.

Por fim, a eficiência econômica foi mortalmente comprometida por uma sequência de regulamentações ruins, motivadas por cegueira ideológica, diatribes intelectuais e, mais grave, subordinação da eficiência setorial ao cálculo político-eleitoral.

Quanto mais um desenho de mercado respeitar esses fatos, mais eficiente será a cadeia de valor e mais verdadeiros e módicos serão os preços da energia.

E isso sabemos fazer.

Fonte: O Estado de S Paulo 01/10/2016 Abel Holtz