Polêmica à vista

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O nó da infraestrutura

Decisão do TCU abre caminho para retomada de grandes hidrelétricas na Amazônia.

A construção de hidrelétricas de grande porte voltará a ser discutida pelo governo federal. Com as grandes empreiteiras flagradas na Lava Jato e a resistência imposta pelos órgãos de defesa ambiental, a última grande licitação do setor ocorreu em 2013. Agora, por determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), até dezembro, o Executivo terá de dar posição definitiva sobre cinco grandes projetos paralisados na região Amazônica, para garantir a viabilidade de sua execução futura. Juntos, eles têm potencial de geração de 17.508 MW — quase quatro vezes a energia assegurada pela usina hidrelétrica de Belo Monte. Até março, a Casa Civil deve reunir os ministérios de Minas e Energia (MME) e do Meio Ambiente para que cheguem a um consenso em torno das avaliações necessárias para decidir o que de fato precisa ser preservado, do ponto de vista de terras indígenas, quilombolas e unidades de conservação, além de equacionar questões econômicas, ambientais e sociais.

— A ideia é que todas as informações de um projeto de grande hidrelétrica sejam transparentes e que sejam criadas ferramentas para que a decisão seja de governo, amparada pelo Conselho Nacional de Política Energética. A Casa Civil é que vai articular o estudo capaz de dizer se um projeto é viável ou não. Não o órgão ambiental — diz Manoel Moreira, secretário de Fiscalização de Infraestrutura de Energia Elétrica, do TCU.

No topo da lista de projetos a serem revistos está o da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, no Rio Tapajós, no Pará, cujo licenciamento foi arquivado pelo Ibama em agosto de 2016. A segunda na fila é a hidrelétrica de Marabá, no Rio Tocantins, cuja viabilidade já foi aceita pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), seguida pelas usinas de Jatobá, no Rio Tapajós (PA); São Simão Alto e Salto Augusto Baixo, ambas no Rio Juruena, entre os estados de Mato Grosso e Amazonas, que estão em fase de estudos.

ENXURRADA DE AÇÕES JUDICIAIS

As últimas grandes obras de hidrelétricas sofreram enxurradas de ações judiciais exatamente por problemas de impacto no meio ambiente ou em comunidades indígenas. Uma delas é Belo Monte que enfrentou pelo menos 25 ações relacionadas a questões que vão desde falta de avaliação do impacto ambiental na Bacia do Rio Xingu até a indenização a povos ribeirinhos. Outra que tem problemas na Justiça é a Hidrelétrica São Manoel, última grande usina a ser licitada no país, no Rio Teles Pires, entre o Mato Grosso e o Pará. Apesar de todas as licenças ambientais concedidas, a usina é alvo de três ações civis públicas movidas pelo Ministério Público Federal, que reclama ausência de estudos de impacto em unidades de conservação e não cumprimento de condicionantes relacionados a áreas indígenas. Mesmo assim, São Manoel iniciou a operação em dezembro passado, cinco meses antes do previsto.

Segundo Moreira, as autoridades capazes de avaliar os projetos do setor elétrico não se prepararam para enfrentar os questionamentos dos diversos órgãos de defesa ambiental e das centenas de ONGs que se organizaram país afora. O resultado, explica ele, é que, mesmo com o aval do Estado, novos projetos não conseguem sair do papel:

— Hoje em dia, o Brasil não consegue fazer nem usina a fio d’água, praticamente sem reservatório. A insegurança para os empreendedores é muito alta.

O acórdão do TCU, publicado em dezembro passado, pode causar uma reviravolta a médio prazo. O governo já deixou grandes hidrelétricas fora do radar. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao MME, retirou qualquer projeto de nova hidrelétrica no Plano Decenal de Expansão de Energia que vai até 2026. O fato é que nenhuma usina foi licitada ou teria condições de ficar pronta neste período.

No início do ano, o presidente da EPE, Luiz Augusto Barroso, disse ao GLOBO que o órgão deu um passo atrás para estruturar o processo das grandes hidrelétricas e que estava estudando para ver se todos os projetos são certos. Já o secretário executivo do MME, Paulo Pedrosa, foi mais cauteloso. Disse que é preciso respeitar a visão da sociedade e que o ministério não está disposto a “fazer movimentos que mascarem os custos e os riscos”. O MME já anunciou que não pretende brigar pelo projeto de construir a hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, no Pará.

Procurada, a Casa Civil afirmou que o primeiro dos prazos dados pelo TCU vence em março. “As recomendações do TCU estão em análise. Ainda não há como antecipar conclusões”, afirmou. O Ministério das Minas e Energia informou que fez uma primeira reunião com a EPE para começar a discutir um projeto dentro do pedido pelo TCU. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, o Ibama é que deveria se pronunciar sobre a questão. Enquanto o Ibama disse ter enviado, em dezembro, ao TCU um documento que trata da articulação sobre empreendimentos hidrelétricos.

O TCU determinou auditoria no Ibama e na Funai para verificar sua atuação no arquivamento do projeto da usina de São Luís de Tapajós. Os dois órgãos informaram não terem conhecimento da fiscalização. O MME já anunciou que não pretende brigar pelo projeto.

Moreira ressalta que a EPE registra, no Plano Decenal 2017-2026, que as hidrelétricas são ainda importantes para ampliação da oferta de energia e que o potencial a ser usado está na região Norte.

“O cenário considerando restrição total dessa oferta sinaliza que outras fontes de energia de base se farão necessárias. No caso apresentado, o carvão mineral se mostrou como a opção alternativa mais competitiva. Por outro lado, houve um aumento significativo na emissão de gases causadores do efeito estufa. O trade-off (conflito de escolha) entre a segurança operativa, as restrições socioambientais para construção de novas hidrelétricas e a as emissões de gases é um assunto que precisa ser debatido pela sociedade”, diz o documento

O acórdão do TCU é taxativo: “(..) não é razoável que os interesses dos povos tradicionais prevaleçam, a qualquer custo, sobre os da coletividade”. Dados do acórdão mostram que o ICMBio estuda, hoje, 162 propostas para a criação de novas unidades de conservação consideradas prioritárias apenas de âmbito federal — o país tem 960. A Funai, por sua vez, informou ao Tribunal contar com 477 registros de reivindicações fundiárias certificadas pela fundação, mas apenas 139 (aproximadamente 5%) tiveram as respectivas áreas reconhecidas pelo Incra, restando ainda um total de 2.786 comunidades pendentes.

— As comunidades indígenas não têm soberania sobre o seu território, e sim prerrogativa de uso. Em última instância, quem tem de decidir o que é possível ser feito em terras indígenas é o Congresso Nacional, que representa a sociedade — diz Moreira.

 

ONG CRITICA DOCUMENTO

Para o diretor do Instituto Acende Brasil, Alexandre Uhlig, as determinações feitas na auditoria do TCU trazem transparência e previsibilidade para a questão relacionada aos empreendimentos de energia no país. Ele observa que não existe obra desse setor que não traga impacto ambiental:

— Há uma série de vantagens e desvantagens em cada um desses empreendimentos, seja ele hidrelétrico, eólico, solar. Mas todos têm impacto ambiental. Por isso, as características de cada um devem ser reconhecidas e que isso seja suficiente para discutir com a sociedade. O que não dá para acontecer é aprovar o empreendimento, e depois transformá-lo numa corrida de obstáculos. Isso atrapalha o planejamento energético do país.

O Brasil, lembra, tem um potencial de geração de energia hidrelétrica de 250 MW. Desse total, 100 MW já estão sendo explorados. Outros 100 MW estão imobilizados em áreas indígenas ou de conservação. Sobram 50 MW, e “nenhum país do mundo” abriria mão desse potencial.

A previsibilidade, diz Uhlig, é essencial para atrair o investimento estrangeiro para este segmento de infraestrutura. O governo, por meio da Eletrobras, não deve mais participar da construção de grandes hidrelétricas, já que a estatal está na pauta de privatizações. Por isso, caberá à iniciativa privada a tarefa de construir essas usinas, com investidores privados. Para ele, o momento é oportuno para que se discutam esses problemas, já que a economia está num período de baixo crescimento, assim como o consumo de energia.

Para Danicley Aguiar, representante do Greenpace na Região Amazônica, a análise do TCU é positiva porque levanta os problemas de licenciar hidrelétricas na área, mas é descontextualizada do momento atual, de busca por novas fontes de energia. Pela análise do TCU, diz ele, parece que o Brasil tem como única opção a energia hidrelétrica:

— Há uma revolução de energia eólica no Nordeste. Há uma queda substantiva do custo dessa energia a partir do vento e da solar. Mas isso não foi contemplado pelo TCU. Se o TCU quer entrar na discussão, é preciso ter uma visão mais abrangente. É possível diversificar as fontes de energia no país e abrir mão das hidrelétricas na Amazônia.

A proposta do TCU é criar um sistema de Avaliação Ambiental Estratégica, que avalie o impacto em comunidades tradicionais e no meio ambiente, mas que também considere outros usos dos recursos hídricos e ocupação do solo.