Portaria 455: benefícios dividem o mercado livre

Portaria 455: benefícios dividem o mercado livre

O presidente da Anace, Carlos Faria, participou de reportagem especial do CanalEnergia sobre a Portaria 455. A associação defende a adoção de regras especificas quando eventos específicos como paradas não programadas de plantas e que o montante referente a essa unidade fosse desconsiderado em termos de penalização. Para Faria, essa medida traria novos custos ao País. “Esse será mais um componente do chamado Custo Brasil, que lima a possibilidade do setor produtivo poder concorrer com as indústrias de outros países”, afirmou ele. Além disso, defendeu o executivo, a possibilidade de que os grandes consumidores possam exercer o direito de cessão de excedentes ficará comprometida com a 455. Justamente pela necessidade em se antecipar a contratação de energia, a tendência é de que ocorra sobrecontratação e, com isso, menos agentes tenham que recorrer a esse mercado para recompor contratos.

Portaria 455: benefícios dividem o mercado livre
Baixa flexibilidade, preços em sentidos opostos, impactos operacionais e cessão de excedentes são temas que desafiam os agentes nos próximos meses
Mauricio Godoi, da Agência CanalEnergia, de São Paulo, Reportagem
Especial
09/01/2014
A oficialização do adiamento do que se convencionou em chamar de segunda fase da portaria 455 e que trata do registro ex-ante dos contratos de energia ainda não saiu, mas a polêmica acerca da medida continua e coloca de lados opostos os favoráveis à medida e os descontentes, que são a maioria. Enquanto associações afirmam que a mudança só trará custos mais elevados ao mercado, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica indica o caminho contrário, de que o preço cairá e de que o mercado livre atrairá um número cada vez maior de consumidores, levando assim a um crescimento e consolidação do ACL no país.
A Audiência Pública 121/2013, que tratou do assunto e foi encerrada no final do ano passado, recebeu 25 contribuições. Em comum, pode-se notar que há a necessidade de um tempo a mais para o entendimento da nova forma de registro dos contratos. E ainda, os agentes argumentam que precisa aumentar a flexibilidade quanto a contratação e as penalidades previstas para agentes que ficarem descobertos. Adiar a implantação das novas regras pela segunda vez (a previsão inicial era da entrada em vigor em junho de 2013, passou para fevereiro de 2014) foi uma medida necessária em função da importância da alteração diante da publicação das regras que seriam divulgadas oficialmente apenas dois dias antes de valerem.
De acordo com o presidente do Conselho de Administração da Câmara, Luiz Eduardo Barata, com esse adiamento a instituição poderá ter mais diálogo com o mercado e procurar mostrar que a medida é benéfica para o setor como um todo. Ele lista entre os pontos a redução do preço no MCP no médio e longo prazo.
Atribui à criação de um indicador de preços um fator que traz simetria de informações aos agentes e, associado a outras medidas como as garantias financeiras e a criação do comercializador varejista, o aumento de patamar do mercado livre no Brasil.Os dados mais recentes divulgados pela organização em seu boletim InfoMercado, de outubro, indica que o consumo do mercado livre no país representou 26,65%, valores desconsiderando o consumo do segmento de geração. Naquele mês foram consumidos 61.383 MW médios, um volume que em 12 meses só ficou abaixo do registrado em janeiro do ano passado. (ver gráfico abaixo). Em sua avaliação, Barata afirmou que a 455 tenderá a elevar as vendas de energia no mercado livre.
Em primeiro lugar porque os consumidores não vão querer ficar expostos ao MCP. A 455 traz a incerteza quanto aos preços e por terem que pagar pela energia duas vezes, uma pelo fornecimento e outra pela penalidade, as vendas deverão subir. “O nosso entendimento é de que a mudança para ex-ante abre a possibilidade de queda de preços. Não agora, pois em um primeiro momento uma mudança desse porte leva a incertezas e elevação dos preços, mas há a tendência de o tempo levar esses valores para o ponto de equilíbrio”, disse o executivo.
Com a alteração das regras a elevação dos preços prevista deverá ser o resultado da precaução do mercado em evitar perdas. Tanto do lado vendedor que precificará os contratos, quanto dos consumidores, que deverão ter mais acuidade na gestão de energia. Barata concordou com o argumento do mercado que prevê mais trabalho, mas para aqueles consumidores com contratos firmes apenas, pois há a modalidade de registro de contratos flexíveis e que serão automaticamente contabilizados ao final de cada mês pelo sistema da CCEE.
“A portaria 455 é vantajosa para o mercado de maneira geral, há uma verdadeira resistência à essa mudança cultural no mercado livre que impede o correto entendimento”, disse o presidente do Conselho da câmara. “Esses cinco meses de prorrogação ajudarão a viabilizar a conversa com os agentes e poderemos mostrar os benefícios em bases mais racionais e ponderadas”, comentou ele.
A conversa parece que vai ser dura com os agentes. Nem mesmo essa postergação ajudou a diminuir o ímpeto da rejeição à medida. A Associação Brasileira de Comercializadoras de Energia Elétrica afirma que a medida levará a uma elevação do preço da energia no mercado livre em 5%. Contrariando o que diz o executivo da CCEE, o presidente da Abraceel, Reginaldo Medeiros, afirma que a portaria não traz benefício algum ao mercado. Independentemente de alterações na redação original, a entidade é contrária à mudança. “A indústria perderá competitividade”, decretou o representante das comercializadoras.
Outro ponto que Medeiros destaca é a retroatividadade da medida sobre atos jurídicos perfeitos. A alteração das regras levará à necessidade de se rediscutir os contratos flexíveis. “Se uma das partes não aceitar a renegociação, vai para o litígio. Não queremos a judicialização do setor, essa é a pior situação, não interessa a ninguém, só traz insegurança e maior risco”, acrescentou.
Como a mudança é inevitável, a Abraceel defende que as regras de registro de contratos não deveriam alcançar os contratos antigos. Isso porque são quase 60 mil acordos, segundo os cálculos da instituição. Mas ainda assim Medeiros afirma que é necessário reavaliar a medida já que todo o mercado se mostrou contrário à 455. Até mesmo o relator do processo, o agora ex-diretor da Aneel, Edvaldo Santana, que deixou a autarquia ao final do ano passado apontou para um aumento de custos do insumo em seu voto. Barata, da CCEE, questiona o volume de contratos envolvidos na negociação.
Ele rebate a citação ao afirmar que hoje são considerados na contabilização mensal da Câmara cerca de 17 mil acordos. “A quantidade de contratos que temos são pouco mais de 17 mil, sendo que destes apenas mil foram ajustados na contabilização mensal. Ou seja, representa pouco mais de 5% do total”, rebateu. Acontece que os números citados envolvem dois períodos diferentes, conforme mostra a tabela abaixo.
Desde maio do ano passado o patamar de contratos considerados pela contabilização da CCEE foi alterado. Tomando como base os últimos 12 meses, até maio o patamar de acordos contabilizados estava realmente em 60 mil – à exceção de outubro e novembro de 2012 – mas, desde maio o volume de contratos está no indicado pela CCEE. Essa mudança, apontou a Câmara, é que a partir daquele mês passou-se a contabilizar apenas contratos validados diferentes de zero ou nulos.
Essa disputa, segundo fonte do mercado ouvida pela Agência CanalEnergia e que preferiu o anonimato, diz que a mudança traria mais risco às operações das comercializadoras por estas atuarem nas duas pontas do mercado livre. Com o registro ex-ante esses agentes, que possuem informações de preços após a sua formação, estão em posição privilegiada. Conhecendo o preço depois de sua formação sempre acabam ganhando. Por isso, afirmou a fonte, os comercializadores seriam os agentes que mais perderiam com a 455.
“Com a sazonalização do ano passado tivemos um evento semelhante, pois com o conhecimento do preço, as empresas sempre querem ganhar mais e tivemos um problema que levou à paralisação do MCP no início do ano passado”, comparou o executivo.
Por sua vez, o consultor João Carlos Mello, da Thymos Energia, tem outra visão sobre a regra. Para ele, o registro ex-ante leva a um amadurecimento do mercado livre brasileiro. Contudo, a crítica é na forma em que se está implementando a regra. Ele lembrou que a própria Medida Provisória 579, que depois se tornou a lei 12.783/2013, foi feita de maneira arbitrária e com pouca conversa com os agentes do setor.
“Registros de contratos somente ex-post só tem no Brasil. Na Europa é tudo ex-ante e há modelos que reúnem os dois modelos”, comentou Mello. “De certa forma, a 455 amadurece o mercado, mas a sua implantação deve ser feita paulatinamente, começando com os contratos novos e, gradualmente, evoluir para os demais eliminando o ex-post aos poucos. Determinar uma data para a mudança é que vem trazendo esse clamor do mercado”, argumentou.
O especialista concorda que a 455 levará a um aumento dos preços no mercado livre. Contudo, rejeita a ideia de que esse impacto seria expressivo. Para ele, o aumento seria marginal, na casa de 3% a 4%. A elevação exigiria como fator de compensação nas empresas um maior esforço na gestão da contratação de energia, o que levaria a uma maior capacitação de pessoal, fato que leva tempo para ser alcançada. Segundo ele, o impacto de preços seria visto mais nos contratos flexíveis, que ganhariam mais valor para as empresas em um mercado de registros ex-ante. Mas em contrapartida os preços da energia ficariam mais moderados em decorrência da redução da inadimplência, cujos valores são rateados entre os agentes adimplentes.
Na opinião de Mello, o segmento que mais deverá ser afetado, diferente do que disse a fonte ouvida, é o de consumidores porque essas empresas deverão se precaver e contratar mais energia, gastando, consequentemente, mais para evitar a exposição e as penalidades do MCP. Com isso, o volume de liquidação também aumentará. Representantes dos consumidores são contrários à medida da forma como está. O posicionamento da Abrace é mais moderado em comparação ao da Abraceel, mas da mesma forma defende a segurança jurídica dos contratos em vigor. A coordenadora de Energia Elétrica da instituição, Camila Schoti, também defende que sejam mantidos os contratos atuais da forma que estão estabelecidos. A proposta da associação é de que os contratos firmados após a medida ficassem sob as novas regras enquanto os já válidos fossem respeitados até o final de sua vigência.
Essa ideia não é encarada de forma simpática pela CCEE. De acordo com Barata, a existência de dois modelos de contratos não é possível de ser feita. Aliás, ele afirma que o sistema que será colocado em operação após a entrada em vigor da 455 se encarregará de ajustar os volumes contratados. Segundo ele, os agentes ainda não mostraram à câmara casos onde podem haver problemas e que até agora não encontaram a enxurrada de problemas que poderia ocorrer. Mas, de acordo com a Abrace as propostas de flexibilidade propostas não atendem a todos os tipos de contratos como é o caso da situações em que há essa variação quando há diversas unidades de consumo sob o mesmo contrato, volume com base no consumomedido e sem esse vínculo. Além disso, lembra também que as cláusulas foram negociadas e precificadas pelos fornecedores.
Para os grandes consumidores de energia, explicou a representante da Abrace, o risco que se antevê com a 455 é aumento operacional de custos. A entidade está preocupada com a falta de flexibilidade no ex-ante. “Há margem de erro nas projeções e a produção da indústria depende de inúmeros fatores como sazonalização do produto, problema técnico ou demanda maior inesperada. Para evitar a exposição ao MCP e ser penalizado o consumidor tende a sobrecontratar energia e assim, obviamente, gastaria mais”,afirmou ela.
Esse problema é um dos principais pontos destacados também por Carlos Faria, presidente da Anace. Na contribuição da entidade feita à Audiência Pública, a associação defendeu a adoção de regras especificas quando eventos específicos como paradas não programadas de plantas e que o montante referente a essa unidade fosse desconsiderado em termos de penalização. Faria concorda com a Abraceel e diz que essa medida traria novos custos ao país. “Esse será mais um componente do chamado Custo Brasil, que lima a possibilidade do setor produtivo poder concorrer com as indústrias de outros países”, afirmou ele.
Além disso, defendeu o executivo, a possibilidade de que os grandes consumidores possam exercer o direito de cessão de excedentes ficará comprometida com a 455. Justamente pela necessidade em se antecipar a contratação de energia, a tendência é de que ocorra sobrecontratação e com isso, menos agentes tenham que recorrer a esse mercado para recompor contratos.
Ele é mais uma voz que critica a medida como mais um motivo que poderá levar à nova onde de judicialização do setor elétrico. “Os preços aumentarão e não cairão”, acredita o executivo. “Esse aumento de custo acabará sendo repassado para o produto e chegará ao consumidor final, o que a CCEE e o MME tem que entender é que energia é insumo e está cada vez mais caro”, disparou ele, que credita a medida a uma campanha do governo em limitar o crescimento do mercado livre ao tratar os consumidores do ACL de forma desigual ao que se vê no ACR. Dentre as duas dezenas de contribuições à audiência da Aneel os agentes criticam o prazo de registro de contratos.
Segundo cálculos do Abrace a compra seria feita dez dias antes de se conhecer o PLD o que elevaria consideravelmente os riscos. Mas essa necessidade existe, segundo Barata, porque é justamente o desconhecimento do PLD que traria mais simetria de informações ao mercado. Hoje é possível encontrar de tudo na internet, menos o preço da energia. Com o registro que os agentes passarão a fazer e que inclui o preço, poderemos ter o indicador desse valor de forma mais exata. Dessa forma, a intenção é a de minimizar uma especie de contaminação do valor da energia pelo PLD daquela semana e atrelar isonomia de informações ao mercado livre.Aliás, esse indicador de preços é outra resistência que a CCEE terá que enfrentar. É unânime entre os agentes a preocupação com a segurança dos dados por se tratar de informação estratégica das empresas e que afetam diretamente a competitividade.
Barata garante que a câmara tratará os dados da forma mais segura por meio de criptografia e que ninguém na CCEE terá acesso aos dados. Inclusive, a Câmara procurou instituições reconhecidas por dados estatísticos como a Fundação Instituto de Pesquisas Econômica (Fipe) e a Esalq da USP, com o fim de verificar a validade das iniciativas que a instituição tem em mente.
Contudo, o presidente da ABCE, Alexei Vivan, afirma que os associados têm dúvidas se o registro trará a transparência pregada pela CCEE. Ele questiona a forma de apuração do índice, feito por meio das declarações das empresas no sistema da câmara. “Não está claro como o sistema irá funcionar e a nossa maior preocupação quanto a este assunto é de que a segurança e a confidencialidade dessas informações, memo com a CCEE garantindo essa segurança há uma dúvida de como isso irá acontecer, precisamos de mais esclarecimentos e de informações a respeito do sistema e de quem irá operá-lo”, questionou o executivo. Mello diz que indicadores de preços são bem vindos, mas que discorda do método de apuração ser feito pela CCEE. Ele comparou ao que existe em outros países onde já se conhece o preço da energia e citou exemplos na Europa onde bolsas privadas é que fazem esse levantamento com base nas negociações em ambiente eletrônico. “Não é a CCEE ou o ONS equivalente desses países quem faz essa divulgação.
A metodologia deveria ser mais sofiticada do que simplesmente abrir o preço, são informações privadas. Lá fora já existe esse sistema em mercados que são mais maduros que o nosso”, esclareceu. Segundo o cronograma da CCEE o índice de preços poderá chegar ao mercado em meados de 2015.
 Fonte: Canal/Energia 09/01/2014