Restrição em Belo Monte pode custar até R$ 10 bi

Restrição em Belo Monte pode custar até R$ 10 bi

Ibama determinou menor uso de água do Rio Xingu pela usina

Por Gabriela Ruddy

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) determinou que a hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, continue a operar com restrições no volume de água do Rio Xingu disponível para suas turbinas na primeira semana de fevereiro. O mercado de energia elétrica, no entanto, alerta que pode ter que arcar com um custo adicional de R$ 4 bilhões a R$ 10 bilhões caso a redução determinada se mantenha.

A estimativa é da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), que aponta que a menor geração em Belo Monte – a usina responde por cerca de 5% da garantia física total de geração no país hoje – vai exigir o acionamento de geração termelétrica, mais cara e poluente. A situação se torna pior em um período em que os reservatórios de outras hidrelétricas pelo país estão baixos, por causa da falta de chuvas. “Estamos vivendo um momento crítico para os reservatórios das usinas. Aumentar ainda mais a geração térmica leva a um custo maior para o consumidor”, explica o presidente da associação, Carlos Faria, que lembra que os maiores preços da eletricidade também tendem a aumentar a inadimplência no setor.

No mercado, há receio de que a menor geração de Belo Monte gere nova judicialização em torno do risco hidrológico

A Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) estima que o impacto somente no setor regulado de energia seria de R$ 1,5 bilhão. “Vai ter um impacto, sim, na fatura dos consumidores. É um efeito preocupante”, alerta o presidente da associação, Marcos Madureira.

De acordo com a consultoria Thymos Energia, o cenário levaria o próximo reajuste anual das tarifas de energia a um aumento médio de 2% a 6,5%. Ainda não é possível, no entanto, apontar quais regiões seriam mais afetadas. “Cada distribuidora vai ter um impacto diferente”, afirma o sócio da Thymos, Alexandre Viana.

O imbróglio tem origem no processo de licenciamento ambiental da usina. Na época da aprovação do parecer ambiental para construção de Belo Monte, o Ibama definiu que, após o início da operação de todas as 18 turbinas do empreendimento, a usina iria passar por um período de seis anos de alteração entre dois diferentes hidrogramas [volume de água disponível para geração elétrica].

A última turbina do projeto entrou em operação em 2019. Naquele ano, no entanto, o instituto ambiental verificou um aumento na intensidade dos impactos ambientais do empreendimento, referentes, por exemplo, às populações de peixes e às condições de navegação do Xingu. Os efeitos levaram o órgão ambiental a adotar um hidrograma alternativo, com menor fluxo de água para a usina, em janeiro de 2021. Na sexta-feira, o Ibama informou que optou por manter a redução na primeira semana de fevereiro.

O Valor apurou que representantes do consórcio Norte Energia, que opera a hidrelétrica, tiveram encontros com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para tratar do tema. A companhia não respondeu aos contatos da reportagem, mas informou em comunicado ao mercado, em 15 de janeiro, que está monitorando os impactos ambientais da usina e que os efeitos seguem os mesmos identificados na época dos estudos para a emissão da licença do projeto.

Em paralelo, o Fórum das Associações do Setor Elétrico Brasileiro (Fase) encaminhou estudos à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e aos ministérios da Economia e de Minas e Energia, para alertar sobre os impactos que a decisão pode ter no mercado. Até o momento, entretanto, não houve resposta. “Aumentar a conta de luz nesse momento com certeza teria um forte impacto social”, destaca o presidente do Fase, Mário Menel.

No mercado, há receio de que a menor geração na hidrelétrica de Belo Monte, que tem 11,2 gigawatts de potência, gere uma nova judicialização em torno do risco hidrológico (GSF, na sigla em inglês), que pode travar negócios no setor.

Especialistas também alertam para a insegurança jurídica e para os riscos à segurança energética nacional. “Isso introduz uma insegurança assustadora no setor como um todo. O Ibama propôs a mudança com base em observações entre 2016 e 2018, quando a usina ainda não tinha todas as turbinas instaladas. O impacto são os 925 megawatts médios em energia gerada que deixariam de ser providos ao sistema, um volume da ordem de grandeza da usina de Angra 2”, destaca o presidente do centro de estudos Acende Brasil, Cláudio Sales.

O projeto no Pará é cercado de controvérsias desde a sua concepção, devido aos impactos ambientais e sociais associados à inundação do terreno para a construção do reservatório, com efeitos sobre populações indígenas e ribeirinhas da região de Altamira. O diretor de assuntos socioambientais e de sustentabilidade do Acende Brasil, Alexandre Uhlig, aponta que, sob as atuais condições, o empreendimento não teria sido construído. “Os atuais valores demonstram a inviabilidade econômica do projeto”, destaca.

Estimativas da Norte Energia apontam que as perdas de geração em 2021 em Belo Monte podem ser equivalentes a 45,7% da garantia física da usina, que é hoje a maior hidrelétrica 100% brasileira.

Devido aos impactos socioambientais do projeto, a usina entrou em operação com atraso, com o início de geração parcial apenas em 2016, seis anos depois a assinatura do contrato de concessão pela Norte Energia. A Eletrobras tem fatia de 49,98% no grupo responsável pelo projeto – a holding, com 15%, Chesf, 15%, e Eletronorte, 19,98%. Os demais sócios são Neoenergia (10%), Petros (10%), Funcef (10%), Aliança Norte Energia (Vale e Cemig, com 9%), Sinobras (1%), Amazônia Energia (Light e Cemig, com 9,77%) e J. Malucelli Energia (0,25%).

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