Transmissão continuará relevante, na avaliação do planejamento

Transmissão continuará relevante, na avaliação do planejamento

Complexidade fundiária em grandes centros e envelhecimento da malha são desafios, mas há questões regulatórias importantes já para 2020

Diagnósticos feitos em estudos oficiais relacionados ao planejamento de longo prazo e à modernização do setor elétrico mostram que o segmento de transmissão terá papel relevante nos próximos anos, não apenas no escoamento da energia, mas na própria segurança e confiabilidade do sistema. Eles apontam como desafios a serem enfrentados o aumento da complexidade socioambiental e fundiária para a expansão do sistema de transmissão nos grandes centros urbanos, especialmente na região Sudeste, e a grande quantidade de instalações da transmissão em fim de vida útil no Sistema Interligado Nacional.

O envelhecimento da malha existente foi tratado como prioridade pelo grupo temático do GT de Modernização do Setor Elétrico que discutiu a sustentabilidade da transmissão. A questão também é analisada no Plano Decenal de Energia 2029, que está em consulta pública no site do Ministério de Minas e Energia. O PDE avalia que a situação da rede antiga “tende a se tornar mais crítica nos próximos anos” e será necessário substituir essas instalações.

Levantamento realizado pelo grupo temático apurou que até 2022 mais de 96 mil equipamentos estarão com vida útil esgotada, e sua substituição exigirá investimentos da ordem de R$ 21 bilhões. No relatório final do GT, entregue ao ministro Bento Albuquerque no fim de outubro, uma das recomendações feitas em relação à transmissão foi a de que se avaliasse a viabilidade de sugerir às instituições financeiras a criação de linhas de financiamento para a modernização dos equipamentos antigos.

O tema não é ignorado pelas transmissoras. O presidente da Associação Brasileira das Empresas de Transmissão de Energia Elétrica, Mário Miranda, afirma que a vida útil regulatória dos equipamentos da chamada Rede Básica do Sistema Existente (RBSE) estará encerrada em 2024 e serão necessários investimentos de ordem de R$ 32 bilhões para sua completa substituição.

A RBSE é composta por instalações que estavam em operação comercial em 30 de maio de 2000, e que tiveram parte dos ativos não depreciados ou amortizados incluídos no cálculo da indenização a ser paga às transmissoras que renovaram seus contratos de concessão em 2013. Calculados na época em R$ 62,2 bilhões, os valores das indenizações foram questionados judicialmente por grandes consumidores de energia elétrica individualmente ou por meio de associações como Abrace, Abiquim, Abicloro e Anace, e uma parte do que seria pago pelo consumidor foi suspensa.

A Abrate, que representa 20 concessionárias de transmissão, conseguiu reverter no mês passado decisão que suspendia o pagamento de parcela da indenização referente à remuneração do custo de capital dos ativos. O valor questionado é de R$ 8,9 bilhões, a preços de 2013.

Segundo Miranda, 18 liminares já foram suspensas na 5ª Vara da Justiça Federal em Brasília, mas duas que não estão naquela vara continuam em vigor e ainda são motivo de preocupação. A percepção das transmissoras é otimista. “Com os resultados favoráveis que vêm sendo alcançados na justiça, há a previsão de retomada dos pagamentos em 2020, o que permitirá a modernização do parque de transmissão e, assim, assegurar a adequada prestação do serviço”, prevê o executivo.

O dirigente comemora os bons resultados das empresas em 2019, quando o segmento de transmissão alcançou o índice inédito de qualidade de 99,80% para as linhas espalhadas por todo o país. O balanço da expansão mostra a entrada no sistema, até o fim do ano, de 7 mil km de linhas de transmissão da Rede Básica, além 11 mil MVA em capacidade de transformação, com a construção de subestações.

Na parte regulatória, houve avanços importantes, como a regulamentação da qualidade do serviço de transmissão associada à disponibilidade e à capacidade operativa de instalações em corrente contínua. As regras serão aplicadas a partir de janeiro de 2020 para projetos que utilizarem essa tecnologia no futuro e para instalações existentes ou em fase de conclusão, como os bipolos  das usinas Santo Antônio,  Jirau e Belo Monte e interligações internacionais, nas estações conversoras de Garabi e Uruguaiana. Outro aperfeiçoamento regulatório foi a definição dos requisitos para a tele assistência (operação remota) de instalações de transmissão.

Para o ano de 2020, estão previstos os estudos de implantação do Sistema de Inteligência Analítica do Setor Elétrico na área de transmissão (Siase), que será tratado em projeto de pesquisa e desenvolvimento coordenado pela Abrate. A proposta é organizar uma base de dados abrangente com informações operacionais e econômico-financeiras do segmento, que vai permitir reanalisar temas referentes à metodologia do Banco de Preços de Referência da transmissão; o aprimoramento da metodologia do cálculo locacional para as tarifas e a definição de método para atendimento aos requisitos de bancos de dados integrados da transmissão, explica Miranda.

Para o dirigente da Abrate, “é possível implementar medidas para se alcançar ainda maior segurança jurídica aos contratos de concessão, em ambiente legal-regulatório adequado.” Ele destaca o sucesso dos leilões de transmissão dos últimos anos, e afirma que os investidores tem conseguido conjugar a necessidade de expansão do sistema com tarifas módicas que afetam positivamente os consumidores, sem depender de subsídios ou de incentivo para criar atratividade.

O secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do MME, Reive Barros, lembra que o planejamento de transmissão é determinativo e o segmento continuará a ter espaço no futuro. Os investimentos em novos empreendimentos de transmissão com entrada em operação até dezembro de 2029 devem chegar a RS 103,7 bilhões, de acordo com o PDE 2029.

Na opinião do secretário, o segmento teve aperfeiçoamentos do ponto de vista regulatório, com a definição de rentabilidade adequada e prazos também adequados para a implantação dos empreendimentos. Barros vê a questão fundiária nas regiões metropolitanas de grandes cidades da região Sudeste como o grande desafio de expansão da transmissão, já que ela pode impor soluções com custo mais elevado para o empreendedor, como a construção de subestações blindadas e linhas subterrâneas.

Ainda assim, ele acredita que o planejamento vai apostar em novas instalações de transmissão para escoar a energia das térmicas a gás, que tendem a aumentar sua presença na matriz elétrica com a abertura proporcionada pelo novo mercado de gás. O PDE 2029 avalia que as dificuldades fundiárias e socioambientais para a expansão das linhas torna “estratégico planejar a rede considerando alternativas de troncos de transmissão com capacidades operativas cada vez mais elevadas, seja em corrente alternada ou em corrente contínua, visando uma maior eficiência do uso das faixas de servidão.”

Sustentabilidade
A sustentabilidade do negócio de transmissão depende em grande parte de medidas de caráter regulatório, na avaliação do relatório da GT de Modernização do setor. Algumas dessas medidas já estão em discussão na Agência Nacional de Energia Elétrica ou constam da Agenda Regulatória da Aneel para o período 2020/2021.

Entre os pontos elencados pelo subgrupo de sustentabilidade estão a remuneração dos investimentos, tratada pela Aneel na audiência publica 41, de 2017, e a simplificação da liquidação financeira dos Encargos de Uso do Sistema de Transmissão. A simplificação é um pleito das associações que representam os usuários do Sistema Interligado, que apontam grande número de operações financeiras e contábeis resultantes da apuração mensal de serviços e encargos do sistema.

O grupo também recomenda a “adequação do sinal econômico para induzir a máxima disponibilidade das instalações de transmissão com menor impacto tarifário para os consumidores de energia elétrica” no processo de revisão das Resoluções Normativas 443/2011 e 643/2015, que tratam de melhorias e reforços de transmissão.

A agenda da Aneel inclui cinco temas prioritários para o ano que vem: aperfeiçoamento e consolidação da norma que trata de reforços e melhorias; classificação das instalações de transmissão; consolidação das condições gerais do acesso ao sistema de transmissão; aperfeiçoamento e consolidação da conexão às instalações de transmissão e aperfeiçoamento das normas sobre contratação do Uso do Sistema de Transmissão. A liquidação financeira simplificada dos encargos também está na agenda, mas não terá tratamento prioritário.