Quanto custa não fazer as mudanças do setor elétrico
Depois de um ano de intensos debates sobre o aperfeiçoamento do modelo comercial do setor elétrico, inicia-se o ano de 2018 sem que as muito aguardadas propostas de alteração dos marcos legais e regulatórios referentes ao risco hidrológico (GSF, na sigla em inglês) e à Contribuição Pública 33 tenham sido enviadas ao Congresso Nacional.
O panorama deste início de 2018 é que, a rigor, não se conhece solução para o destravamento dos mais de R$ 6 bilhões em aberto na liquidação na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), tampouco o teor da Medida Provisória ou Projeto de Lei que conteria as propostas para alteração da arquitetura do modelo.
O que importa destacar é que a necessidade de mudanças – e sua urgência – está baseada na constatação de que o atual modelo comercial faliu. A atual arquitetura não se mostra capaz de resolver a crescente elevação dos preços pagos pelos consumidores, a despeito do imenso potencial energético brasileiro, e que o atual desenho aponta para um estado de permanente judicialização, que se reflete sobretudo na liquidação da CCEE.
Hoje não há dúvidas de que várias questões devem ser atacadas simultaneamente. Começando pela questão do GSF, é evidente que, mais do que oferecer meios para quitação do passivo da liquidação do mercado de curto prazo, devem-se prever ajustes estruturais no Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), de forma a preservar a capacidade de investimento dos geradores e minimizar riscos sistêmicos. A permanência da sua regulamentação atual é certeza que as crises sistêmicas se repetirão.
Parece consensual a necessidade de estimular o debate sobre aprimoramentos no modelo de formação de preços, com datas estabelecidas para a tomada de decisão e com ampla participação do setor. É imperioso que os preços de curto prazo reflitam as expectativas dos agentes e sejam aderentes à nova realidade da operação, de modo a estimular a eficiência na alocação dos recursos.
Também se sabe que se a forma de atender ao crescimento do parque gerador permanecer nos moldes atuais, o setor continuará a ter contratos de longo prazo indexados a índices que não refletem o custo marginal de expansão, tampouco o custo decrescente das renováveis, o que eleva as tarifas em níveis superiores aos preços do mercado livre no longo prazo.
Seria importante que a expansão do parque gerador não estivesse atrelada ao crescimento da carga das distribuidoras, mas à demanda de todo o mercado, considerando a competitividade das diversas fontes, com mecanismos de financiamento compatíveis com a capacidade e características do mercado livre, o que significa garantias financeiras de menor prazo, ainda que permanentemente renovadas. Protelar essa decisão é também estimular a inflação.
A expansão pode ser mais bem viabilizada por meio da separação entre lastro e energia, com a contratação centralizada de lastro como mecanismo de adequação do suprimento e comercialização em separado dos contratos de energia, o que favorece a financiabilidade dos projetos. Com efeito, a comercialização em separado dos contratos de energia incentiva a revelação de preferências individuais dos agentes quanto à mitigação de riscos de mercado, trazendo sustentabilidade para expansão do ambiente de livre contratação.
Também é evidente a urgência da mudança no desenho das atividades das distribuidoras, de sorte a separar completamente aquelas concernentes ao sistema físico de distribuição, monopólio natural cuja remuneração é determinada pelo regulador, das de compra e venda de energia, que devem ser exercidas em regime de competição.
Nessa direção, a possibilidade de todos poderem optar pelo seu fornecedor de energia elétrica não é apenas uma concepção teórica, mas um mecanismo de promoção de eficiência. Não por acaso, atualmente 77% do consumo industrial do Sistema Interligado Nacional (SIN) está no mercado livre. Isso ocorreu simplesmente porque é mais barato, a competição e a eficiência na gestão de riscos proporcionam a redução do custo da energia para o consumidor
Estudo apresentado pela Abraceel para subsidiar as propostas à CP 33 identificou que é possível fazer a abertura total do mercado até 2024, sem afetar os contratos existentes. Não se trata de medida de natureza compulsória, mas que oferece aos consumidores um direito de escolha, em linha com os anseios da população, que já existe para a telefonia, internet, TV a cabo e outros serviços.
A racionalização dos subsídios e encargos setoriais, embora combatida por muitos, mostra que propostas para sua redução ou eliminação são urgentes. Para 2018, foram orçados quase R$ 7,5 bilhões a título de descontos tarifários na conta da CDE, caracterizando um subsídio cruzado que pouco contribui para a eficiência.
Os exemplos são vários: subsidiam-se desde velhas fontes poluidoras até energias novas e renováveis que já são competitivas no mercado; os dispêndios e problemas com a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) nos chamados sistemas isolados são bem conhecidos e sempre crescentes; o setor industrial, bastante combalido e com graves problemas, subsidia as tarifas de energia do agronegócio, o setor mais pujante do Brasil, por meio de descontos tarifários concedidos aos produtores rurais, irrigantes e aquicultores; o fornecimento de água, esgoto e saneamento, que deveria incorporar em seus próprios preços todos os seus custos, é financiado pelos consumidores de energia elétrica.
Protelar as mudanças custa caro para o bolso do consumidor e para a competitividade da economia do país. Cada dia de atraso nas medidas modernizadoras representa um custo que será repassado, cedo ou tarde, ao consumidor. É fundamental que o debate sobre as mudanças seja acelerado no Congresso Nacional, de forma a permitir a aprovação do conjunto de dispositivos legais no menor prazo possível e assim restaurar a lógica econômica do setor elétrico, de modo sustentável para os seus agentes e consumidores.