Reforma repara erros do setor elétrico e deve elevar tarifas
Cinco anos depois da edição da problemática Medida Provisória (MP) 579, de Dilma Rousseff, que desorganizou o setor elétrico brasileiro, surge uma proposta ambiciosa de reforma para reparar os erros cometidos e ainda angariar recursos para cobrir o crescente déficit público. Detalhado em documento de 57 páginas do Ministério de Minas e Energia, o projeto estava em estudo há alguns meses e veio à tona em um momento conturbado, mas foi bem recebido. O maior elogio foi por abrir espaço para que os participantes do mercado analisem as propostas e sugiram alterações até agosto, antes da elaboração da MP que será enviada ao Congresso. Entre os principais pontos estão a privatização de usinas de geração da Eletrobras, a revisão dos critérios de compensação do risco hidrológico, a ampliação do mercado livre, a substituição das térmicas a óleo por fontes eólicas e solar e a tarifa variável conforme o horário.
A proposta mais ousada é a venda de usinas hidrelétricas da Eletrobras, o que vai garantir recursos para fechar as contas públicas e amenizar os prejuízos da estatal. Serão privatizadas usinas que tiveram as concessões renovadas por 30 anos por Dilma, em 2012, em troca de um corte em torno de 70% nos valores do megawatt-hora (MWh) para garantir a redução dos preços da energia então prometida pela ex-presidente. Essas usinas totalizam 14 mil megawatts (MW) de potência instalada e a Eletrobras é que vai escolher as unidades que serão postas à venda. Privatizadas, poderão voltar a cobrar tarifas de mercado.
Os compradores pagarão outorgas que devem somar um total de R$ 53 bilhões, de acordo com cálculos feitos pelo Valor com base nas somas definidas pelo governo na relicitação de usinas da Cemig, prevista para o fim deste ano. Inicialmente, os recursos obtidos seriam divididos entre o Tesouro, a Eletrobras e a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Mas, diante do aperto fiscal, o Tesouro deve ficar com a maior parte e, eventualmente, reforçará o capital da estatal. A empresa vai encolher, é verdade, perdendo cerca de um terço da potência total que somava 46,8 mil MW, mas ficará menos endividada. Serão vendidas usinas que dão prejuízo operacional; e os compradores terão que assumir os empregados e passivos trabalhistas e ambientais.
Outro ponto importante do projeto é a retomada do cronograma de ampliação do mercado livre, que estava congelado desde 2002. O consumo mínimo estabelecido para que o cliente possa migrar do mercado regulado das distribuidoras de energia para o livre, onde há liberdade de escolha do fornecedor, vai ser mudado a partir de 2020 dos atuais 3 MW de consumo para 75 KW. Há quem defenda o fim total de qualquer limitação, como na Europa, onde até o consumidor residencial pode escolher de qual distribuidora vai comprar energia. O projeto também prevê a rescisão dos contratos de térmicas, movidas a óleo localizadas principalmente na região Nordeste, ambientalmente “sujas”, e sua substituição por fontes limpas, como eólica e solar; e ainda deve contribuir para uma provável redução da judicialização da complexa discussão sobre o risco hidrológico.
Haverá naturalmente impacto nas tarifas e não será favorável ao consumidor. Não será a primeira vez. Na reforma de Dilma, apresentada como caminho para baratear os custos da energia, houve uma redução de 15,66% no primeiro ano, 2013. No ano seguinte, porém, todo o ganho foi anulado por um aumento de 17,06%, ainda assim contido para segurar a inflação e não causar maiores marolas nas eleições. Com a vitória assegurada nas urnas, em 2015, a tarifa de energia saltou 51%.
Desta vez, o Ministério de Minas e Energia reconheceu de antemão a repercussão das mudanças na elevação da tarifa de energia, na nota técnica divulgada para explicar o projeto, e apresentou uma estimativa desse reflexo. Se todo o volume de cotas das hidrelétricas for descontratado de uma única vez e substituído por contratos com preço estimado em R$ 200 por MWh, a alta seria em torno de 7%, já considerando o dinheiro que iria para a redução dos subsídios embutidos na CDE e as mudanças na alocação do risco hidrológico. O preço efetivo da energia será conhecido apenas nos editais de privatização das hidrelétricas. O custo pode subir também porque o governo pensa em introduzir tarifas diferenciadas conforme o horário do consumo. Há ainda o risco de mudanças serem introduzidas na tramitação da MP no Congresso. Mas, de um modo geral, a reforma foi bem recebida.