Feira elétrica*

Feira elétrica*

Mariana Amim** 

Um conhecido decidiu ser feirante: comprou barraca e caminhão, contratou pessoal, escolheu os produtos e os pontos de venda e regularizou a situação na Prefeitura. Tudo pronto, bastava trabalhar duro para conquistar a clientela, recuperar o investimento e, quem sabe, até expandir o negócio. 

Não contava, no entanto, que outros comerciantes tivessem os mesmos planos, aumentando-lhe a concorrência, e muito menos que o frio pudesse impactar significativamente o consumo de verduras frescas. 

Pior, tampouco contava que o caminho para a melhor das feiras escolhidas pudesse ficar congestionado pela quantidade de caminhões fazendo o mesmo trajeto em meio aos esforços dos agentes de trânsito para organizá-lo e, mais adiante, devido a obras na pista. Logo na primeira semana de trabalho, nosso personagem perdeu parcela significativa das suas vendas. A maior parte das verduras escolhidas – tão atrativas para o consumo quando colocadas no caminhão – perderam o frescor quando colocadas à venda, deixando de ser comercializadas e tiveram que ser descartadas. 

Então, quem paga o prejuízo do nosso amigo feirante? Seria o consumidor? Afinal, não estaria, desde logo, evidente tratar-se de eventos inerentes aos riscos de seu negócio?  

Nos últimos anos, a sociedade enfrenta dilema semelhante em relação às perdas causadas pelos cortes de geração estabelecidos pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Os empreendedores seguem na expectativa de serem ressarcidos pela energia não gerada; em outras palavras, pelas perdas do seu produto.   

Vários aspectos explicam essas perdas. Um deles é que, nos últimos anos, têm se verificado evidente descompasso entre a oferta e a demanda de energia. Outro recai sobre a falta de integração entre o planejamento e a efetiva expansão do sistema. 

Ora, não é culpa dos consumidores se empreendedores desenvolveram centrais de geração ignorando a dinâmica do mercado e as condições dos sistemas de transmissão. Por certo, os consumidores de energia não podem ser penalizados pelo fato de o crescimento da demanda ter ficado abaixo do projetado, e menos ainda, pelo efeito que os riscos dos respectivos negócios deflagram para inviabilizar as taxas de retorno estimadas pelos seus investidores. 

Os agentes setoriais não podem ignorar a racionalidade da operação do sistema e as necessidades técnicas de limitação do volume de energia a ser gerado, assim como, tampouco, podem desprezar as regras de funcionamento do mercado, que são imprescindíveis para a implementação de seus negócios e consequentes projetos. 

Desde a reestruturação do setor elétrico em1995, ficou claro para todos que o segmento de geração deve se desenvolver como típica atividade econômica na qual os agentes, por sua conta, assumem os riscos inerentes aos seus negócios. Essa é a característica que, em decorrência da segmentação das atividades (geração, transmissão, distribuição e comercialização) o difere das outorgas concedidas em regime de serviço público (a exemplo da alocação de cotas de garantia física e resultantes da desverticalização), cujos seus riscos são regulados. 

Tratando-se de atividade econômica, os empreendedores em geração devem, desde logo, ter para si alocados os decorrentes riscos e não aguardar que a regulação traga esse conforto para seus investimentos. Vale dizer: mudanças no ambiente de negócios entre o momento de planejamento e a efetiva operação da central de geração fazem parte do risco da sua atividade, abrangendo tanto as restrições de mercado como do sistema elétrico onde está inserido.  

Os esforços e pleitos dos geradores para simplesmente repassarem quaisquer custos decorrentes de seus riscos para os consumidores quer nos parecer uma tentativa de transformar sua atividade econômica em um serviço público, sem as consequências das limitações impostas a concessionários que operam em tal condição.  

A correção do rumo exige que o setor elétrico reconheça que os riscos dos negócios devem ser alocados aos respectivos negócios. 

Nosso amigo feirante desde sempre entende essa realidade e assume os riscos do seu negócio.  

* Artigo originalmente publicado pelo Canal Energia. 

** Mariana Amim é diretora de Assuntos Técnicos e Regulatórios da Associação Nacional dos Consumidores de Energia – ANACE.