Agora vai?
Ao sair de uma reunião recente com o presidente Michel Temer, a economista Maria Silvia Bastos esbanjava entusiasmo. Contou aos jornalistas ter listado para Temer os planos de privatização tocados pelo BNDES: já estão em fase de modelagem leilões de concessão de água e esgoto em seis Estados do Norte e Nordeste (entre eles o Maranhão, onde só 1,4% dos municípios fazem tratamento de esgoto) e mais quatro estão a caminho. Além disso, o banco dialoga com governadores para tornar viáveis concessões num novo setor, o de distribuição de gás.
Onde existem, esses serviços públicos são (mal) explorados por Estados e prefeituras e agora passarão por experiência inteiramente nova que pode resultar em duas saídas: venda de empresa do Estado a um investidor privado ou operação de parceria público-privada (PPP) com participação do poder público. Se bem conduzidas e bem-sucedidas, essas operações de investimento podem tirar pedaços do Brasil de um trágico atraso social de pobreza e doenças vivido por 56% da população brasileira, que não conhece água limpa na torneira e sofre os riscos de contágio com dejetos em fossas rasas cavadas no quintal.
Nos planos de privatização do BNDES há outro grupo de empresas que há anos figura nas listas de privatizáveis e delas insiste em não sair. São seis distribuidoras estaduais de energia elétrica (Piauí, Alagoas, Acre, Rondônia, Roraima e Amazonas) que acumulam dívidas impagáveis, prejuízos que só crescem (em 2015 somaram R$ 4 bilhões), prestam um serviço de péssima qualidade, são frequentemente multadas pela Aneel pelos inúmeros apagões que deixam a população no escuro e nunca cumprem metas de melhoria de desempenho.
Desde sempre dilapidadas por influentes políticos locais, que delas fazem uso para tirar proveito pessoal, praticar corrupção ou financiar suas campanhas eleitorais, essas empresas acabaram empurradas para a Eletrobrás no governo FHC, que não conseguiu privatizá-las. Porém, além de não acabar com a interferência depredadora dos políticos, a Eletrobrás passou a contabilizar crônicos e crescentes prejuízos delas em seu balanço financeiro, que ajudam a derrubar o preço de seus papéis e seu valor patrimonial. Entre os maiores credores das seis estão as subsidiárias da Eletrobrás Eletronorte e Chesf, de quem recebem e não pagam a energia que distribuem. Ou seja, elas faturam dos consumidores, não pagam ao fornecedor da energia e ainda assim amargam elevados prejuízos.
O BNDES contratou dois consórcios para avaliar passivos e ativos das seis distribuidoras, formatar o modelo de venda e prospectar interessados. O superintendente de Desestatização do banco, Rodolfo Torres, reconhece ser “um trabalho de logística de guerra” privatizá-las, mas confia em concluir essa etapa no final de junho, partir para preparar os leilões e vendê-las até o final deste ano. Alguns passos foram dados nessa direção e o primeiro deles foi acabar com indicações políticas de paus-mandados de Sarney e Barbalho e nomear para a presidência da Eletrobrás alguém experiente e conhecedor do mercado de energia, o ex-presidente da CPFL Wilson Ferreira Júnior.
Dias depois da posse, o Conselho da Eletrobrás tomou a decisão inédita de não renovar a concessão das seis empresas, contrariando interesses de Brasília, porque tira da estatal o ônus de arcar com os prejuízos, transferindo-os para a União. Nada mais justo para os milhares de acionistas da Eletrobrás, que não pediram para abrigar esses incômodos inquilinos, ao mesmo tempo que pressiona o governo federal a acelerar a privatização. Também funciona como atrativo para os interessados na compra, que ganharão o largo prazo de 30 anos de uma nova concessão. Será que agora vai?