CONSUMIDOR COM MAIS PODER E ESCOLHA

CONSUMIDOR COM MAIS PODER E ESCOLHA

Consumidor do futuro estará mais empoderado e concessionárias irão além da prestação do serviço de distribuição, mas desafio regulatório será frequente

Por Pedro Aurélio Teixeira

O ano é 2020. Nele, o consumidor de energia elétrica no Brasil, apesar de ter conquistado avanços significativos nos últimos anos, como o de poder gerar a sua própria energia por meio da Geração Distribuída, ainda tem uma postura passiva e influencia pouco no processo. Por estar atrelado ao ambiente de contratação livre, ele não escolhe a fonte da energia que vai consumir, não consegue negociar o seu preço e ainda não experimenta na plenitude tecnologias que já amplamente usada na Europa e nos Estados Unidos, como o Smart Grid e o carro elétrico.

O ano agora é 2040 e a intenção desta reportagem é fazer um ‘exercício de futurologia’ e abordar uma perspectiva de como estará o consumidor de energia nas próximas duas décadas. Será que ele vai conseguir ser totalmente livre e comprará a sua própria energia pelo preço que achar melhor? A figura do ‘prosumidor’ estará consolidada? A expectativa do consumidor brasileiro ser cada vez mais tecnológica se confirmará?

De acordo com Alexandre Vianna, diretor da Thymos Energia, não será um absurdo prever que daqui a 20 anos o consumidor residencial enxergue a energia como um serviço, assim como os de internet e TV por assinatura, comprando um pacote de kilowatt-hora por mês. Segundo Vianna, nos últimos anos o papel do consumidor cresceu muito, mas mesmo com o avanço da GD, essa importância ainda é pequena. “A tendência é que ele de fato consiga fazer mais escolhas de serviços e gerar sua própria energia, no caso da GD, ou ainda a questão do carro elétrico e da bateria que devem mudar bastante o papel da rede”, explica.

Ele vê os carros elétricos como a nova tecnologia mais próxima de se tornar realidade de massa para os consumidores. No Brasil, um carro elétrico ainda tem preços elevados, mas quando alcançar a faixa dos R$ 100 mil ele estará pronto a se massificar. As baterias ainda estão em fase inicial no país, de aprendizado, com a produção sendo de fora do país.

Com mais escolhas no futuro, podendo escolher em receber entre a energia de uma distribuidora, ter a sua bateria ou um eletroposto residencial. É como a CPFL Energia vê o consumidor nos próximos 20 anos. Renato Povia, gerente de inovação da empresa, vê tendências de aumento da GD e do surgimento de novos negócios, que trazem a necessidade de estar pronto para o momento. “Precisamos nos preparar para o futuro, buscando a excelência nos serviços existentes e no relacionamento com o cliente, assim como novos negócios e oportunidades, para um mercado mais competitivo”, comenta.

Para Povia, a geração próxima dos consumidores com a geração distribuída e baterias estará cada vez mais presente. Ainda segundo ele, os veículos elétricos vão levar vantagem devido ao apelo de descarbonização e no aumento da demanda por energia. “Observamos que estas tecnologias têm ganhado bastante espaço no mercado de energia, aliados a incentivos para a sustentabilidade e o consumidor passando para o papel de prossumidor, começando a ter ainda mais conhecimento das tecnologias e seus benefícios”, afirma.

O futuro no Brasil pode ser também o presente de outros países. Na Itália, a Enel X, em parceria com a Mastercard e a Enel X Financial Services, estreou nos serviços financeiros digitais e no setor bancário móvel com a Enel X Pay, uma conta bancária on-line. A conta fornece um cartão que permite pagamento e transferências, além da possibilidade de pagar o carregamento de carros elétricos nos pontos da Hubject, joint-venture formada pela Enel X e outra empresas que tem mais de 250 mil pontos de recarga no mundo. A Enel X Financial Services, autorizada pelo Banco da Itália em dezembro de 2018, que ser líder no setor de fintechs.

A conta pode ser gerenciada através de aplicativo. Há ainda a  conta “família” Enel X Pay, que pode ser ativada para crianças com idades entre 11 e 18 anos, em que é fornecido um cartão pré-pago e permitido transferências, saques e pagamentos. Na ocasião, o CEO da Enel X, Francesco Venturini, revelou que com a Enel X Pay, a empresa estava expandindo a sua plataforma de ofertas e produtos para serviços financeiros, contando com um parceiro inovador e confiável. Segundo Venturini, a desintermediação dos serviços financeiros tradicionais traz a chance de entrar em um setor altamente competitivo. Já o CEO da Enel X Financial Services, Giulio Carone, disse que o lançamento da Enel X Pay reforça a posição da empresa no setor de fintechs, contribuindo para os pagamentos digitais e o desenvolvimento de serviços financeiros integrados com o ecossistema da Enel.

Por aqui, a Energisa largou na frente e prepara o lançamento da fintech Voltz, um aplicativo capaz de oferecer vários serviços que serão inicialmente oferecidos aos seus clientes. Em teleconferência no último dia 13 de novembro, o presidente do Grupo, Ricardo Botelho, contou que a empresa estava ativamente envolvida na criação da Voltz e que tinha uma expectativa que ela iria gerar bastante valor  para os clientes e para o grupo.

Uma distribuidora ir além da energia não chega a ser uma novidade e até relembra o começo da atividade. No século passado, a Light incentivava a compra de eletrodomésticos em anúncios de jornal, de modo a aumentar o consumo de energia dos clientes. Essas movimentações, com ênfase no digital, deverão se intensificar nas próxima décadas, com as concessionárias cada vez mais aproveitando a sua capilaridade e oferecendo novos produtos, já que a simples distribuição poderá ser superada pela evolução tecnológica. “Elas estarão cada vez mais abertas a negócios. Enxergaram que o fio é apenas um meio e ele por si só pode ficar obsoleto”, ressalta Alexandre Vianna, da Thymos.

A primeira comparação de disrupção do que deve acontecer para o consumidor de energia é a feita com o mercado de telecomunicações após as privatizações da segunda metade década de 1990. Carlos Evangelista, presidente da Associação Brasileira de Geração Distribuída, cita a transição energética e os 3Ds do setor (Descarbonização, Digitalização e Descentralização) como fatores agregadores para o futuro do consumidor. Ele aposta na força da desburocratização e na simplificação do acesso à energia nos próximos anos, além do compartilhamento de serviços.

A Geração Distribuída é a tecnologia que mais aproxima o consumidor do futuro idealizado. O componente da democratização da produção de energia fascina e atrai. A queda nos custos dos equipamentos fotovoltaicos aliada a queda nos juros possibilitou a sua forte inserção no país, que deve continuar nos próximos anos. Para o presidente da ABGD, nos próximos 20 anos o cenário de juros e custos de equipamentos baixos deve continuar, mas a valorização do dólar pede atenção, já que muitos equipamentos são importados.

Para o consultor Cyro Bocuzzi, o futuro já está acontecendo, com a geração distribuída ganhando cada vez mais força entre os consumidores. A aposta da próxima fronteira são as microrredes e as suas interligações com sistemas de armazenamento de energia. Bocuzzi também vê o carro elétrico como a tecnologia mais próxima de ser massificada no Brasil.

Mas se o futuro aparece para o consumidor repleto de evoluções, esses avanços vão demandar um grande acompanhamento regulatório, de modo que o desafio da adequação de regras será uma constante. A tendência é que a mudanças sempre estejam em pauta e as regras ultrapassem as fronteiras do setor, se encontrando com outros como o financeiro ou de telecomunicações. “Isso é uma tendência que veio para ficar, de desafios regulatórios. Vai ser um desafio constante”, avalia Alexandre Vianna, da Thymos.

Evangelista, da ABGD, concorda com o desafio regulatório que o futuro vai impor ao setor e adverte que quando compramos algum equipamento, já há outro mais moderno sendo desenvolvido. A regulação naturalmente aparece um passo atrás e a tecnologia anda na frente. Ele lembra que as baterias ainda não estão regulamentadas, mas pondera que a Agência Nacional de Energia Elétrica vem atuando nesse tema. “Temos que ter um órgão regulador que acompanhe rapidamente a evolução tecnológica. Ela não pode ser excessiva a ponto de engessar o mercado nem aberta demais. Tem que ser na medida certa”, observa.

Para 2040, a expectativa é que o empoderamento do consumidor já esteja acontecendo de fato, com ele deixando de ser um mero espectador e tendo participação ativa. A abertura de mercado, prevista para 2024, somada ao projeto de modernização do setor, em vias de ser aprovado pelo parlamento brasileiro, sinalizam para essa direção. Ter poder se traduzirá na escolha em fazer a opção de energia mais barata e vantajosa para o consumidor. Para Carlos Faria, presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia, a aprovação do PLS 232 é fundamental para o futuro do consumidor. O aval ao projeto corrigirá as distorções atuais. “O consumidor do futuro precisa de agilidade. Ele consegue o empoderamento com a modernização do setor e dos sistemas”, frisa.

Faria também chama a atenção que o futuro traz um desafio regulatório e dá como exemplo o próprio PLS 232, que pela demora no trâmite, quando for aprovado já poderá estar ultrapassado em alguns aspectos. O presidente da Anace acredita que a modernização do setor traz a chance do mercado livre ir para outro patamar, superado os atuais 30%. Faria também vê o preço-horário, que entra em vigor em 2021, como uma ferramenta de auxílio ao consumidor no futuro, para que ele possa trata o preço de forma realista.

O perfil de um consumidor mais forte no futuro, que pode optar pela sua própria energia, é compartilhado por Clauber Leite, especialista em energia do Idec. Ele lembra que muitos países que já estão com seu mercado liberalizado e não deslancharam. Para isso, ele vê a comunicação como aliada fundamental. “Para que isso não aconteça no Brasil a gente tem uma vantagem, porque o momento que isso ocorreu em outros países a tecnologia não estava tão avançada, com a comunicação mais online”, aponta Leite.

A expectativa com a abertura de mercado é grande, não só pelos benefícios financeiros prometidos ao consumidor, mas também pelo montante de investimentos que muitos grupos vêm prometendo aportar na comercialização de energia. Com um forte componente de digitalização, o brasileiro deve aprovar o mercado livre. O engajamento do brasileiro com smartphones, redes sociais e gadgets fazem com que a perspectiva de adesão seja boa. Alexandre Viana também aposta na comunicação para a migração ao ACL. “Vai ter adoção rápida, mas o sucesso vai estar na campanha de conscientização para explicar o que está acontecendo e o que pode ser feito,  aí é que está caminho”, salienta.

O futuro com a abertura trará um cenário em que a busca pela modicidade tarifária pode não será mais o objetivo. O preço da energia vai vir de uma transação bilateral e a tarifa regulada seria uma referência na negociação. “Isso vai expandir para toda a baixa tensão, não vai fazer sentido em fazer uma ênfase  tão grande e discutir modicidade tarifária”, explica Bocuzzi.

Com mais escolha, mercado livre e GD, a relação entre o consumidor e a distribuidora passará por uma grande mudança. Renato Povia, da CPFL, aposta na promoção da melhor experiência digital colocando o cliente como centro do negócio. Uso de aplicativo de atendimento, pagamento via PicPay e virtualização do atendimento são algumas das ferramentas.

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