Novo fôlego para hidrelétricas
A instalação de sistemas solares fotovoltaicos sobre estruturas flutuantes em reservatórios ou sobre o solo em áreas nas proximidades de usinas hidrelétricas pode contribuir para otimizar o conjunto dessas usinas, garantindo um aproveitamento mais eficiente da infraestrutura existente com investimentos relativamente baixos e impactos ambientais nulos ou muito pequenos. A ideia é que a instalação complementar aumente a capacidade de geração total, permitindo a elevação no armazenamento de água nos períodos secos por meio da capacidade de geração solar, que pode substituir o despacho de potência equivalente de geração hidrelétrica durante as horas de exposição solar, reduzindo, com isso, proporcionalmente a diminuição de estoque de água.
Mas, embora projetos de pesquisa e desenvolvimento comprovem sua viabilidade, a implantação comercial desse tipo de arranjo ainda depende de definições regulatórias, além de, no médio e longo prazo, estar sujeita aos desafios inerentes à dinâmica do próprio Sistema Interligado Nacional (SIN) no que diz respeito ao impacto das mudanças climáticas na operação dos reservatórios das usinas.
Esse tipo de usina híbrida aproveita áreas remanescentes da construção de hidrelétricas – em geral, no entorno das barragens – para utilizá-las na instalação de usinas fotovoltaicas. Outra opção é a utilização da área dos reservatórios para instalar painéis fotovoltaicos com estruturas flutuantes sobre os espelhos d’água. Conforme informações da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), no Brasil, há projetos-pilotos nas usinas de Balbina (AM), Porto Primavera (SP) e Sobradinho (BA). Os resultados observados nesses projetos (ainda a serem publicados, pois se encontram em execução), a dimensão do parque hidrelétrico brasileiro (da ordem de 100 GW, considerando também as pequenas centrais hidrelétricas) e as boas condições de insolação do país dão espaço para o desenvolvimento de inúmeras instalações desse tipo nos próximos anos.
Vale destacar que os sistemas fotovoltaicos de filmes finos de silício evoluíram significativamente nas últimas duas décadas, tanto em termos de eficiência quanto de redução de custos. Devido ao fato de serem leves, flexíveis e capazes de converter ampla gama de comprimentos de onda presentes na irradiação solar em energia elétrica, esses sistemas se tornam adequados para operarem sobre sistemas flutuantes. No caso específico do P&D desenvolvido com a Cesp na UHE Porto Primavera, foram utilizados esses filmes, cuja tecnologia permite a cobertura de extensas áreas de lâminas d’água de reservatórios. Nesse tipo de instalação, há a vantagem adicional de redução de perdas de eficiência do sistema solar graças à redução da temperatura média de operação do sistema, proporcionada pela proximidade da massa d’água do reservatório, que, em geral, se encontra em temperatura inferior em relação às estruturas flutuantes.
A otimização no uso da infraestrutura é uma das principais vantagens dos sistemas híbridos – que também podem incluir a combinação de outros tipos de usinas. Conforme indica a EPE, os potenciais benefícios contemplam ainda a redução dos custos do gerador com tarifas de uso da rede, a obtenção de sinergias de logística e o planejamento de implantação, entre outros.
Em nota técnica sobre usinas híbridas publicada no início de junho, a EPE destaca que a viabilização de projetos do tipo depende de algumas ações como, por exemplo, definições quanto ao compartilhamento do uso da rede entre usinas, de forma a permitir a contratação do uso com uma potência inferior à soma das potências individuais, com o objetivo de melhor utilizar a capacidade das instalações de conexão e de transmissão. O texto destaca ainda que alguns projetos suscitam a necessidade de criação de regulações específicas e estudos mais aprofundados quanto ao cálculo de garantia física, contabilização da energia produzida, sua precificação e forma de contratação das usinas.
Em paralelo, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já colocou o assunto no radar: a agenda regulatória para o período 2018-2019 prevê a realização de consulta pública sobre o tema neste segundo semestre de 2018. A expectativa é que as regras sejam definidas rapidamente, de modo que o sistema elétrico brasileiro possa aproveitar melhor o grande potencial hidrelétrico disponível, ampliando arranjos de usinas hidrelétricas conjugadas com usinas solares fotovoltaicas, utilizando áreas vinculadas às concessões de geração hidrelétrica, compartilhando instalações de conexão à rede básica e contribuindo efetivamente para um melhor controle do risco hidrológico que se acentua atualmente no SIN.
Demóstenes Barbosa da Silva é presidente da Base Energia Sustentável. “Novo fôlego para hidrelétricas”. Brasil Energia, Rio de Janeiro, 12 de julho de 2018.