Quem dera o setor elétrico brasileiro adotasse o lema dos mosqueteiros
A crítica situação do setor elétrico brasileiro nos exige pensar nas causas de sua crise, seu rumo e possibilidades de soluções, de forma que estas abarquem uma visão geral dos objetivos, responsabilidades e riscos de todos os agentes e consumidores e garantam uma reforma e reestruturação efetivas.
Longe disso, no entanto, o que estamos vivenciando com as propostas legislativas e discussões entre os agentes não confere ou possibilita esse fundamental olhar para o todo. Ao contrário, estamos diante de interesses fragmentados, de propostas sem avaliação de impacto e distantes de qualquer consenso, porquanto a melhor solução para uns, não passa pela aprovação de outros, e, de qualquer modo, resultam algum prejuízo para os demais.
Os embates e debates são cada vez mais calorosos e repletos de emoção e argumentos a favor de um ou outro segmento, de uma ou outra proposta de reforma. Ninguém parece capaz de apresentar uma visão geral que demonstre como tudo e todos estão intimamente relacionados para a sustentabilidade do setor e sua necessária expansão, esquecendo-se do papel relevante e indispensável que cada segmento, assim como os consumidores, tem nessa árdua missão.
Nesse cenário, aos consumidores cumpre garantir o equilíbrio econômico-financeiro das distribuidoras, de modo que seus serviços se mantenham minimamente eficientes e adequados. Também incumbe ao consumidor permitir a expansão e manutenção do Sistema Interligado Nacional (SIN), com justa remuneração dos geradores, para que a carga possa seguir seu curso de crescimento e não falte energia para ninguém. Ato contínuo, os consumidores devem garantir a sustentabilidade e o equilíbrio das transmissoras, para que todos tenham acesso à energia, vindo a recebê-la efetivamente no momento que precisam e, por fim, resta ao consumo viabilizar o mercado, que se quer integralmente livre, dando-lhe a necessária liquidez e competitividade.
Todavia, essa relevância dos consumidores na construção e manutenção da indústria da energia elétrica parece ignorada nos embates entre os agentes. Precisamos chamar a atenção do setor para as dificuldades que os usuários efetivos da energia enfrentam para produzir bens e proporcionar os serviços necessários para a estabilidade da vida da população brasileira. Cada debate casuístico e cada medida normativa adotada sem avaliação de seu impacto tornam ainda mais desafiador o pagamento das contas de energia elétrica, que suportam uma infinidade de custos alheios às responsabilidades dos consumidores e fogem completamente do seu controle.
Estamos em reforma, mas não estamos fechados: esta é a oportunidade que temos para reduzir, ao máximo, os chamados subsídios setoriais e garantir a extinção de encargos que hoje transformam alguns agentes e os consumidores em patrocinadores de privilégios para uns em detrimento de outros.
Além disso, é urgente priorizar as fontes de geração de melhor performance e menor custo, sem que essas condições resultem em reservas de mercado. Ao mesmo tempo, no que diz respeito à comercialização, é imprescindível a implementação de uma abertura que permita aos agentes concorrerem em igualdade de condições. Isso depende não só da garantia à liberdade de escolha por todos os consumidores, mas também da simplificação das regras e procedimentos de comercialização para que sejam equilibradas e adequadas aos agentes da Câmara de Comercialização de Energia (CCEE) e lhes permitam atuar conforme suas características e especificidades.
Só que, para que tudo isso aconteça, é indispensável uma ampla revisão do arcabouço legal para a alocação racional de riscos, direitos e obrigações aos agentes setoriais e consumidores, garantindo-lhes competitividade, equilíbrio e isonomia para seu crescimento sustentável.
Os mosqueteiros, na obra de Alexandre Dumas, têm por lema “um por todos, todos por um” para sobreviver e vencer suas batalhas: priorizaram a solidariedade para o enfrentamento dos desafios e fortificaram o trabalho em equipe para o alcance de seus objetivos. Quem dera o setor adotasse esse lema!!
Está mais do que na hora de os poderes Executivo e Legislativo, os agentes da indústria de energia e os consumidores se unirem para resgatar o setor elétrico brasileiro.
* Artigo originalmente publicado no LinkedIn da autora.
** Mariana Amim é Diretora de Assuntos Técnicos e Regulatórios e Assessora Jurídica da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace).


