Mercado livre de energia completa 25 anos no País com acesso ainda incerto a consumidor residencial
RIO – Em menos de um mês, a Lei Geral das Concessões completa 25 anos. Ela permitiu que o brasileiro mudasse de operadora de telefonia como muda de roupa, mas até hoje a maioria dos consumidores de energia elétrica não se beneficiou dessa abertura. Não é à toa que é chamado consumidor cativo, uma classificação que diz muito sobre a situação do setor.
Com um cronograma de abertura aprovado na mesma lei que a telefonia, a liberdade de escolher seu próprio fornecedor de energia elétrica até hoje é privilégio de grandes consumidores, que relatam economia na conta de luz de até 35% em relação ao mercado cativo, também conhecido como regulado.
Implantado há décadas na maioria dos países, o mercado livre de energia é acessível no Brasil apenas para clientes que consumam acima de 2 mil quilowatts (KW). Ou acima de 500 KW que adquiram energia de fontes renováveis, o chamado consumidor especial, equivalente a uma conta de luz de cerca de R$ 100 mil. Atualmente existem 16 mil unidades consumidoras no mercado livre, que consomem 30% da energia do País.
Adiada sistematicamente por motivos variados, a expansão do mercado livre aguarda a criação de uma lei para ser simplificada, com um calendário que vai até 2024 para tentar atingir o universo de todos os consumidores.
Dois projetos de lei, o PL 1.917 na Câmara e o PLS 232 no Senado, são a esperança para estender ao consumidor comum uma vantagem que já garantiu a economia de mais de R$ 200 bilhões para seus grandes usuários, segundo o “economizômetro” no site da Associação Brasileira das Comercializadoras de Energia Elétrica (Abraceel).
Na estimativa mais otimista, se o passado de adiamentos não se repetir, ainda levariam quase quatro anos para o acesso amplo ao mercado livre se tornar realidade, a depender da aprovação de um dos projetos.
“Se todo o mercado já fosse livre, a energia seria mais barata. Ao longo da sua existência, a tarifa no mercado livre é 28% mais barata do que o mercado regulado, não é a toa que 83% das indústrias estão nesse mercado”, informa Reginaldo Medeiros, presidente da Abraceel.
Tanto a primeira comercializadora do País, Tradener, como a primeira contratante, Unipar Cubatão (ex-Carbocloro), permanecem até hoje no mercado livre e só tecem elogios a seu funcionamento. Em plena pandemia de covid-19, pouca inadimplência foi registrada no segmento, ao contrário do mercado regulado, que teve que recorrer de novo a empréstimo bilionário para não quebrar. Essa independência em relação ao Estado é uma das vantagens apontadas pelos seus usuários.
Sem conta covid
“Se o mercado fosse todo livre, a conta covid não existiria”, resume o presidente da Tradener, Walfrido Avila, referindo-se a mais um socorro bilionário do governo às distribuidoras de energia, que vai pesar na conta de luz dos brasileiros nos próximos anos.
A explicação são as negociações diretas entre quem produz e quem consome, o que simplifica os ajustes de contratos em momentos de crise de demanda como o atual, quando se observou muitas negociações entre consumidores e comercializadoras para flexibilização de volumes e pagamentos, muito embora em alguns casos as discussões tenham ido parar na Justiça ou em processos de arbitragem.
Ao contrário da Abraceel, Walfrido não acredita na abertura total do mercado, nem nos próximos quatro anos. “Acho que hoje não existe vontade política dentro do Congresso para abrir mercado, existe lobby muito grande. Esse setor é o que mais mexe com dinheiro no Brasil, temos caixa-preta desde a formação de preço até as leis, agora a desculpa é a covid, depois vão aparecer outras”, afirma.
Primeira empresa a assinar um contrato no mercado livre brasileiro, a Carbocloro, hoje Unipar Cubatão, continua vendo vantagens no mercado, tanto que já deixou de fazer comparações com a tarifa do mercado cativo há muitos anos. “O cativo saiu da nossa cabeça, é passado”, afirma Rogério Catarinacho, diretor Industrial da Unipar Cubatão. A empresa tem 100% do seu consumo contratado no mercado livre.
“Do ponto de vista de negócio, foi uma decisão correta. Se passaram 22 anos e a gente se beneficia até hoje. Passamos pelo apagão no início dos anos 2000, crises de 2008, 2014/15 e essa agora com poucos arranhões”, explica. Para a companhia, a economia com energia é essencial, pois representa 40% de seus custos e muitos competidores são de fora do Brasil, onde o mercado livre já está instalado há muitos anos.
Desta vez vai
Para o presidente da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), Rui Altieri, o mercado livre de energia no Brasil é um caso de sucesso. Em 2004 eram 34 participantes, e em abril deste ano já chegavam 7.500, diz. “Recentemente tivemos reunião com um comercializador que está querendo trazer um grande consumidor de energia elétrica para o mercado livre. A estimativa é que ele vai reduzir o custo com energia em 35%”, exemplifica.
Ele admite que o processo de abertura para os demais consumidores está atrasado, mas é otimista em relação ao andamento do calendário aprovado no ano passado para estender os benefícios nos próximos anos. Para ele, a abertura precisa ser organizada, segura e gradual, e depende essencialmente do fortalecimento da figura do comercializador varejista, um tipo que representa os consumidores na CCEE.
“Existe um calendário para migração de consumidores menores para o mercado livre e tenho convicção que vamos conseguir esse calendário desta vez, mas o ponto fundamental é a figura do comercializador varejista. Em todos os mercados do mundo ele é fundamental, e é nisso que estamos trabalhando agora”, explica Altieri. Ele se referiu ao calendário já definido pelo governo federal em portaria publicada no ano passado, que reduz gradualmente os limites mínimos para consumidores acessarem o mercado livre, adquirindo qualquer tipo de energia, até chegar aos 500 KW, em janeiro de 2023.
A CCEE é responsável pelas liquidações do mercado livre e contabiliza até hoje 22 comercializadoras varejistas e mais 21 na fila de aprovação. Ele considera o número suficiente, mas a questão agora é aumentar a participação do varejista no mercado, que ainda é visto com ressalvas e preterido pelos consumidores, porque possui custos mais elevados.
Quando o mercado estiver totalmente aberto, o consumidor residencial vai poder optar se continua com sua distribuidora ou migra para um comercializador varejista. “Um mercadinho que tem carga razoável não tem que se preocupar com a tarifa de Itaipu (usina hidrelétrica binacional), energia de reserva (renováveis) ou o pagamento de emolumentos na CCEE. Alguém tem que fazer isso para ele, e é isso que, na nossa avaliação, está faltando para o mercado deslanchar”, avalia. “Não vamos conseguir migrar em massa 2, 3 milhões de consumidores para a CCEE, não vai ser possível, vamos ter que encontrar mecanismos e o comercializador varejista é um caminho do mundo inteiro.”