Os riscos da proposta de alteração nas regras de rateio de inadimplência do MCP

Os riscos da proposta de alteração nas regras de rateio de inadimplência do MCP

Além da insegurança jurídica, proposta apresentada poderá acarretar em uma nova onda de judicialização no setor elétrico.

Em 14.09.2017, a Agência Nacional de Energia Elétrica – (“ANEEL”) instaurou a Audiência Pública nº 50/2017, cujo objeto é obter subsídios para o aprimoramento da metodologia de rateio de inadimplência e da cobrança dos Encargos de Serviço do Sistema – (“ESS”) na Liquidação Financeira do Mercado de Curto Prazo – (“MCP”) no âmbito da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – (“CCEE”).

A Audiência Pública nº 50/2017 será segmentada em 2 (duas) fases distintas:

  1. Primeira Fase: Contribuições aos pontos e conceitos apresentados na Nota Técnica nº 144/2017-SRM/ANEEL e Minuta de Resolução Normativa (período de contribuição: 14.09.2017 a 28.10.2017)
  2. Segunda Fase: Manifestação sobre as contribuições recebidas na primeira fase e a Minuta de Resolução consolidada (período de contribuição: 1º.11.2017 a 15.11.2017)

O objetivo da Audiência Pública é contar com a participação da sociedade e dos agentes de marcado, tendo em vista os relevantes impactos causados pela proposta da Agência Reguladora.

A Audiência Pública nº 50/2017 é fruto de pedidos apresentados por algumas associações e agentes de mercado, sendo formulada com base no estudo e ponderações apresentados pela CCEE.

  1. Da Proposta apresentada na AP nº 50/2017

As propostas dos agentes e associações foram (a) priorização dos créditos do MCP; (b) liquidação apartada de encargos e (b) alteração da regra de rateio de valores não pagos.

  • Proposta de Priorização dos Créditos do MCP 

O MCP consiste, de forma resumida, em liquidar as diferenças entre o consumo real de energia elétrica com o montante de energia elétrica contratado e registrado no âmbito da CCEE.

Em resumo, a priorização dos créditos do MCP é uma seleção de classe e categorias de agentes que fariam jus aos seus créditos, de forma prioritária, em virtude da inadimplência no âmbito da CCEE (Por ex.: agentes com prioridade não possuem relação direta com o débito apurado no MCP).

Atualmente, o referido cenário pode ser representado pelos agentes que ajuizaram medida judicial para afastar os impactos pelo não recebimento dos seus créditos causado pela inadimplência do déficit hídrico.

Tendo em vista o atual cenário de judicialização, a proposta é classificada pela ANEEL como de baixa efetividade.

Segundo a CCEE “em um mercado multilateral, a priorização de um agente em detrimento de outro apenas estimula que os demais busquem, pela via administrativa e/ou judicial, a obtenção da mesma preferência, diminuindo a eficiência do mercado como um todo”.

Portanto, observa-se que, além da insegurança jurídica, a proposta apresentada poderá acarretar em uma nova onda de judicialização no setor elétrico.

  • Proposta de Liquidação apartada de Encargos de Serviço de Sistema – (“ESS”)

O ESS é um encargo destinado a manutenção da confiabilidade e da estabilidade do sistema no atendimento à demanda por energia no Sistema Interligado Nacional – SIN.

Uma das propostas apresentadas seria segregar a liquidação financeira dos EES, porém, conforme apontado pela CCEE, “não há diferença, em termos de segurança financeira, entre uma liquidação e outra; ou seja, da mesma forma que ocorre o ‘não pagamento’ na liquidação do MCP, esse efeito também poderia se estender a uma liquidação apartada, inclusive porque a cobrança do Encargo de Segurança Energética envolve todos os agentes desta Câmara. Além disso, assim como atualmente a liquidação do MCP é impactada pela judicialização, o mesmo poderia ocorrer numa eventual liquidação apartada, haja vista a grande quantidade de liminares vigentes tratando do referido encargo”. 

Ou seja, preliminarmente, é possível afirmar que a proposta para realização da liquidação segregada não soluciona o déficit hoje existe (não pagamento dos valores), somente beneficia (ou não – eventual nova judicialização) os credores do ESS (geradores termelétricos).

  • Proposta do Rateio da inadimplência na Proporção dos Votos 

A proposta consiste em compartilhar a inadimplência mensal do MCP com todos os agentes do mercado e não somente com os agentes credores.

Atualmente, o referido procedimento é aplicado aos débitos apurados por agentes desligados por descumprimento de obrigação no âmbito da CCEE, nos termos da Resolução Normativa ANEEL nº 545, de 2013.

Segundo o posicionamento da Agência Reguladora, a proposta de rateio da inadimplência na proporção dos votos apresenta alguns benefícios. Vejamos:

  • Tratamento adequado da inadimplência (todos devem arcar com a inadimplência); e
  • Evita a “venda” de posição no MCP.

Para operacionalizar a proposta, a ANEEL vislumbra a “realização de etapa intermediária de pagamento, chamando os agentes a participarem com aportes financeiros para cobertura dos valores não pagos, seguida de rateio entre os credores na data da liquidação dos créditos”, conforme figura disponibilizada na Nota Técnica nº 144/2017-SEM/ANEEL:

Portanto, após a realização do pagamento dos débitos do MCP, seria realizado o rateio da inadimplência com base nos votos dos agentes.

A proposta da Agência Reguladora apresenta alguns pontos de fragilidade. Vejamos:

  • Os agentes devedores do MCP (que adimpliram com suas obrigações) deverão aportar valores para o rateio de inadimplência;
  • Os agentes devedores inadimplentes participaram do rateio de inadimplência de outros agentes; e
  • Eventual inadimplência após o rateio com base nos votos serão rateados pelos credores.

Ou seja, em que pese a inadimplência seja partilhada entre todos os agentes, do ponto de vista estrutural e sistêmico, o processo ficou mais complexo e eventualmente com a mesma eficácia do processo atual, uma vez que será mantida a etapa em que somente os credores suportam a inadimplência (etapa final).

Portanto, a premissa apresentada pela Agência Reguladora de que “não se verifica o tratamento adequado deste risco, uma vez que para determinada classe de agentes ele é plenamente diversificável, mediante assunção de posições neutras (balanço energético nulo) ou devedoras no MCP” é relativa, pois os agentes credores (caso haja inadimplência no rateio de inadimplência por votos) serão obrigados a suportar a “nova” inadimplência. 

  • Dos encargos moratórios – Resolução nº 552/2002

Segundo a proposta apresentada pela Agência Reguladora “a suspensão da exigibilidade de cobrança por decisão judicial assim como os débitos que não são quitados na data estabelecida devem ser tratados de forma equivalente, pois representam um ônus aos agentes que fazem jus a este crédito”.

Portanto, a proposta da ANEEL visa a incidência de encargos moratórios para todo o período em que a decisão judicial esteve vigente e a exigibilidade do débito suspensa, ou seja, incidência mês a mês.

Registra-se que o procedimento atualmente determinado pela Agência Reguladora apresenta inconformidades e pontos de fragilidade, pois, com a revogação da decisão judicial, pelo menos em alguns casos, a CCEE já incide a multa por não pagamento do MCP e a multa por não aporte de Garantia Financeira durante o período em que a liminar esteve vigente.

Deste modo, eventual alteração em cenário mais agravante, poderá fomentar a discussão sobre o desrespeito à Constituição Federal e ao Código de Processo Civil, com destaque aos Princípios da Legalidade e Acesso à Justiça, além da inobservância de precedentes judiciais sobre o tema, uma vez que a revogação de decisão liminar (a reversibilidade e o efeito ex tunc) enseja tão somente a exigibilidade dos valores e não a aplicação de multas.

  • Aperfeiçoamentos adicionais

A seguir demais aperfeiçoamentos proposto pela ANEEL:

(e.1) esclarecer que é atribuição do Conselho de Administração – CAd da CCEE assegurar o cumprimento de todas as normas e estabelecer que não á atribuição da ANEEL deliberar em última instância sobre o orçamento da ANEEL.

(e.2) obrigar o agente em recuperação judicial a fazer cumprir diretriz estabelecida pela legislação especial quanto à demonstração da viabilidade econômica do plano de recuperação, mediante adequado equacionamento e demonstração da precificação e aquisição da energia elétrica necessária. (Necessário observar estritamente a Lei nº 11.101, de 2005 – única forma de evitar questionamento judicial).

  1. Considerações sobre o real problema do MCP e processo atual do rateio de inadimplência

A proposta apresentada pela ANEEL está ancorada na inadimplência atualmente presente no MCP.

Ocorre que, o fato gerador da ausência de recursos para liquidar o débito apurado no âmbito da CCEE não decorre da metodologia atual, mas sim das inconformidades sistêmicas e regulatórias do déficit hídrico.

Portanto, é equivocada a premissa de que a metodologia de rateio entre os credores é o problema (sem adentrar ao mérito da discussão de ser justa ou não), pois, com o cenário atual, mesmo com a alteração da metodologia a inadimplência permanecerá.

Diante do exposto, a Agência Reguladora em conjunto com o Ministério de Minas e Energia – MME deveriam trabalhar para solucionar o problema hoje existente e que permanece por 2 (dois) anos.

Conforme explorado a seguir o tratamento para o rateio de inadimplência e o impacto por decisões judiciais devem ser tratados de forma autônoma (conforme prevê a legislação).

II.I Rateio de Inadimplência

A inadimplência real e sua respectiva forma de rateio estão previstas no art. 17, inciso IV, da Resolução Normativa ANEEL nº 109/2004. Segundo o referido dispositivo todos os agentes da CCEE[1] participam do rateio de eventual inadimplência da Câmara, especificamente os agentes credores.

Em consonância com o referido inciso, o §1º do art. 47 do mesmo instrumento normativo prevê que os agentes da CCEE responderão pelos efeitos de eventual de inadimplência, na proporção de seus créditos.

Com efeito, referidos dispositivos disciplinam a inadimplência real do MCP, fruto da insuficiência das garantias financeiras executadas, impondo, como regra geral, que seu rateio dar-se-á por todos os agentes credores.

Trata-se, pois, da denominada inadimplência real, causada pela insuficiência dos recursos dos próprios agentes da CCEE, não possuindo qualquer relação com a inadimplência decorrente de outros fatores, dentre estes, de decisão judicial.

Noutras palavras, a inadimplência no MCP deve ser rateada entre os agentes da CCEE no caso de, por exemplo, os consumidores livres que não efetuaram o pagamento dos seus débitos em decorrência da insuficiência de recursos.

II.II Impacto por decisões judiciais

Por outro lado, a Resolução Normativa ANEEL nº 552/2002[2] determina, em seu art. 10, § 1º, inciso II, que os valores controversos protegidos por decisão judicial deverão ser rateados entre os agentes credores afetados.

Trata-se, portanto, de previsão normativa expressa, que define os limites do rateio da inadimplência decorrente de decisões judiciais exoneradoras de obrigações pecuniárias no setor de energia, impondo-as aos agentes diretamente afetado.

Ou seja, sendo possível identificar o agente credor afetado a CCEE deve repercutir os efeitos financeiros do MCP para aquele agente.

A Resolução Normativa ANEEL nº 552/2002 está em conformidade com o disposto no art. 506[3] do Código de Processo Civil, pois os efeitos das decisões judiciais devem estar limitados às partes litigantes (posicionamento majoritário da doutrina).

Registra-se, ainda, que, segundo a Resolução Normativa ANEEL nº 552/2002, somente será rateado entre todos os agentes credores, caso não seja possível identificar os agentes credores afetados.

Portanto, o principal esforço a ser exercido pela Agência Reguladora é de criar novos mecanismos eficientes e condizentes com o mercado de energia, para evitar a inadimplência, sendo o mecanismo do rateio de inadimplência complementar e não o organismo principal, além da necessidade de alcançar uma solução definitiva da exposição financeira decorrente do déficit hídrico.

Por fim, espera-se que a proposta da Agência Reguladora aprimore os impactos financeiros decorrentes de decisão judiciais, bem como o ajuste na regra de rateio de inadimplência, mantendo a diferença entre inadimplência real e impacto decorrente de medida judicial.

[1] Para os efeitos da Resolução Normativa ANEEL nº 109/2004, entende-se por “agente da CCEE” o concessionário, permissionário, autorizado de serviços e instalações de energia elétrica e Consumidores Livres integrantes da CCEE.

[2] Estabelece os procedimentos relativos à liquidação das operações de compra e venda de energia elétrica, no mercado de curto prazo, no âmbito do Mercado Atacadista de Energia Elétrica – MAE e trata das garantias financeiras e penalidades.

[3] Art. 506. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros.