Pedido de grandes consumidores para flexibilizar pagamentos com energia é adiado
BRASÍLIA – O diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), André Pepitone, pediu mais tempo para analisar o pedido de grandes consumidores da indústria e do comércio para flexibilizar os pagamentos de despesas com energia durante a pandemia do novo coronavírus. A solicitação era para que o órgão regulador permitisse o pagamento da energia efetivamente consumida pelos agentes sem cobrar a parcela referente à demanda contratada.
Mais de 50 associações e empresas haviam feito o pleito, numa tentativa de preservar o fluxo de caixa para enfrentar os efeitos econômicos da covid-19. O relator, diretor Sandoval de Araújo Feitosa, considerou que o pedido poderia gerar custos aos demais consumidores e aumentar as tarifas de energia.
Pepitone, por sua vez, ponderou que “metade do PIB” se manifestou sobre o tema, além das distribuidoras. Ele disse que pretende se aprofundar sobre o tema e buscar diálogo com o setor. “Vamos ver se a gente consegue avançar em uma proposição de consenso”, afirmou.
Diferentemente dos consumidores residenciais, que pagam a conta de luz conforme o consumo apurado no mês (medido em kWh), os grandes consumidores têm o faturamento realizado em duas partes: além da energia consumida, há também uma parcela fixa pela demanda de potência contratada, medida em kW.
A solicitação das empresas era que as faturas deixassem de ser cobradas pela demanda contratada – parcela que custeia gastos realizados pelas distribuidoras para tornar disponível a infraestrutura necessária para atendimento, como investimentos, pessoal, operação e manutenção da rede.
Relator do processo, o diretor Sandoval de Araújo Feitosa disse que o pedido resultaria em redistribuição de custos para os demais consumidores e aumentaria as contas de luz, principalmente da população mais vulnerável, pois ensejaria pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro pelas concessionárias. Ele disse que a agência não é insensível ao pedido dos segmentos, mas precisa prezar pelo funcionamento do setor elétrico e prezar pelo cumprimento dos contratos.
“Isso diminuiria a competitividade da indústria nacional, reduziria o ritmo de desenvolvimento do País ao fim da pandemia e acabaria afetando, principalmente, os cidadãos mais pobres e vulneráveis, uma vez que acréscimos nas tarifas de energia elétrica tendem a aumentar indiretamente o custo de produtos e serviços, cujo peso no orçamento familiar é mais representativo em classes de renda mais baixa”, disse o diretor.
“Não é possível, no atual arranjo regulatório e de formação de tarifas, assegurar que não haveria subsídios cruzados, o que ocorreria necessariamente, no limite, dentro de uma mesma classe tarifária”, acrescentou.
O relator afirmou que o atendimento a um pedido como esse poderia gerar uma reação em cadeia, reduzindo a capacidade de pagamento das distribuidoras e gerando impactos nos contratos firmados com os segmentos de transmissão e geração e na arrecadação de encargos.
Segundo ele, a queda no consumo efetivo da energia desses consumidores já é expressivo, e, nesse sentido, reduzir o pagamento da parcela fixa teria pouco efeito na redução da conta, entre 14% e 18%, mas muito impacto para as distribuidoras. Ele relatou que as concessionárias arrecadaram R$ 13 bilhões com essa cobrança em 2019, dos quais R$ 9 bilhões cobriram custos das próprias empresas e o restante foi repassado às transmissoras.
De acordo com Feitosa, a Aneel não tem competência para alterar a forma de faturamento da demanda dos grandes consumidores, mas os contratos podem ser renegociados entre as partes. A redução da demanda, por exemplo, uma vez solicitada, gera efeitos em 90 ou 180 dias.
Ainda segundo Feitosa, as distribuidoras podem permitir o parcelamento e reparcelamento de débitos desses consumidores, além de reduzir ou até mesmo deixar de cobrar multa, atualização monetária e juros de mora.
No debate do processo, os diretores chegaram a ponderar se deveriam recomendar a negociação bilateral entre as partes em casos como esse. A sugestão foi do diretor Efrain Pereira da Cruz. Mas a diretora Elisa Bastos Silva disse que o regulamento já prevê esse entendimento e, portanto, a recomendação seria redundante. Foi nesse momento que Pepitone decidiu pedir vista do processo.
O procurador-geral da Aneel, Luiz Eduardo Diniz Araújo, ressaltou que compreende o momento e as consequências da crise, mas disse que a pandemia do novo coronavírus não deve ser tratada como evento de força maior, pois isso pode gerar um “campeonato” para avaliar quem é o agente mais afetado. Araújo disse ainda que o foro para esse tipo de pedido é a Aneel e apelou aos consumidores que o Judiciário só seja acionado como último recurso.
“Esse tipo de conduta, em vez de buscar uma solução, termina por acentuar um problema e puxar para o setor elétrico soluções assimétricas”, afirmou o procurador-geral. Segundo ele, alguns agentes já entraram com ações judiciais para fazer valer seus pedidos. “Não podemos tolerar liminares que tragam tratamento diferenciado para alguns consumidores.”
Discutido em reunião virtual da Aneel, o processo teve a participação da Associação Brasileira de Grandes Consumidores (Abrace), Associação Brasileira de Distribuidores de Energia (Abradee), Conselho de Consumidores da Copel, Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Sindicato das Indústrias de Energia e de Serviços do Setor Elétrico do Estado do Ceará (Sindienergia Ceará), Unipar e Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec).