Remuneração às transmissoras não deve sofrer revés
O governo considera pouco provável uma reviravolta no processo de remuneração às transmissoras pelas indenizações por investimentos não amortizados em ativos antigos, da ordem de R$ 60 bilhões, prevista para começar em julho, via cobrança na tarifa dos consumidores de energia por um período de oito anos.
Apesar dos argumentos contrários colocados pelas grandes indústrias, a expectativa é que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprove nos próximos meses a regulamentação da remuneração, definida pela portaria número 120 do ministério de Minas e Energia (MME), publicada em abril do ano passado, beneficiando Eletrobras, Cemig, Copel, Celg G&T, CEEE e Cteep.
“Dar previsibilidade sobre os regramentos do setor energético-mineral é um dos valores do Ministério de Minas e Energia. A portaria 120, publicada ainda no governo anterior, já gerou expectativas nos agentes e agora caberá à Aneel regular a matéria, que está em audiência pública, onde os interessados podem manifestar suas visões” informou o MME, ao Valor.
“O passado tem que ser previsível”, afirmou uma fonte próxima ao ministro Fernando Coelho Filho, lembrando que a indenização foi determinada pela Medida Provisória 591, de novembro de 2012, e que as transmissoras só aderiram à proposta de prorrogação das concessões que venceriam em 2015 – que ocasionou a redução das tarifas de energia na época – após a edição dessa medida, que fez ajustes na MP 579, publicada dois meses antes. O montante de indenizações beira os R$ 60 bilhões quando considerada a atualização dos valores, que deveriam ter sido pagos há cinco anos.
É justamente o texto da MP 591 que é questionado pela Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), que reúne grandes companhias, como Vale e Gerdau. “Em 1995, os contratos de geração e transmissão foram prorrogados por 20 anos e a receita foi estabelecida em 2000. A lei 9.074 [de 1995] tem um artigo que diz que a receita estabelecida a partir da prorrogação é suficiente para amortizar os investimentos até o fim da concessão, em 2015. Foi por isso que o ministério, na primeira versão da MP [579], não previa indenização. Fui um crítico da MP, mas neste ponto ela estava certa”, disse o presidente da Abrace, Edvaldo Santana, que era diretor da Aneel na época da publicação da medida.
Segundo o executivo, enquanto a Aneel prevê um aumento médio de 11% nas tarifas de energia, devido à remuneração das indenizações, o impacto total para os grandes consumidores será de um aumento médio de 25%. “Para algumas indústrias, dependendo do local onde se encontra, e o nível de tensão de atendimento, o aumento é de 50%. Em um momento desses, de recessão, desemprego, passar um aumento desses é impensável”, completou.
A Abrace calcula que o aumento médio da tarifa de transmissão de seus associados será de cerca de 200%. Santana explicou que a associação deve esgotar todas as possibilidades de recurso na esfera administrativa antes de avaliar sobre acionar a Justiça contra as indenizações. “Nossos fundamentos jurídicos são sólidos”, disse. “Razões para irmos à Justiça, nós temos. Mas não queremos”, disse ele.
Associação dos grandes consumidores calcula que indenizações devem aumentar tarifa de transmissão em 200%.
Mário Miranda, presidente da Associação Brasileira de Empresas de Transmissão de Energia (Abrate), porém, contesta os argumentos da Abrace. Segundo ele, os ativos anteriores a maio de 2000 não estavam totalmente depreciados. Na prática, destacou, as transmissoras tiveram uma queda de receita de 69%, devido à Lei 12.783 (fruto das MPs 579 e 591). E, de acordo com cálculos da associação, mesmo com a remuneração das indenizações, a tarifa final do consumidor será 25% menor que aquela vigente antes da Lei 12.783.
“Não é correto, no meu modo de entender, dizer que o consumidor vai pagar. Ele está devolvendo aquilo que recebeu devido à MP 579, que fez com que as transmissoras perdessem 69% da receita, que foi para o consumidor. Todos sabiam que ela um dia seria devolvida, não se sabia por quanto tempo. Agora saiu a regra”, disse ele.
Para o presidente da Cteep, Reynaldo Passanezi, é baixa a probabilidade de os grandes consumidores conseguirem reverter o processo, porque a remuneração está prevista em lei, que determinou que as indenizações poderiam ser pagas com recursos públicos ou via tarifa. “É miopia achar que questionar uma lei vai ajudar o país”, disse o executivo.
“Os consumidores podem questionar, mas isso vai prejudicar a confiança dos investidores”, completou Bernardo Vargas Gibsone, presidente da colombiana ISA, controladora da Cteep.
Passanezi lembrou que, antes da MP 579, a relação entre receita anual permitida (RAP) e investimento nos leilões de transmissão era de cerca de 10%. Hoje, essa relação aumentou para 20%, indicando que os investidores estão cobrando mais e os consumidores estão pagando muito mais devido à instabilidade regulatória criada pela MP 579.
Especialistas do setor elétrico também acreditam que a indenização às transmissoras é legítima. “A MP [579] fez aquilo que era normalmente remunerado deixar de ser pago”, afirmou Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil. Ele acrescentou que, dos 11% de aumento médio previsto na conta de luz, devido ao aumento da tarifa de uso do sistema de transmissão (Tust) repassada aos consumidores, 4,6 pontos percentuais decorrem diretamente da expansão da rede de transmissão nos últimos anos e não das indenizações.
A opinião é compartilhada por Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), da UFRJ. “A legislação prevê este tipo de indenização”. Segundo ele, a única crítica ao tema é a demora em se definir a regra de pagamento das indenizações, “demora esta que desarticulou o segmento de transmissão, resultando em leilões vazios que criaram um problema para o planejamento da expansão do sistema elétrico brasileiro”.
Outro sinal de que o pagamento às indenizações deverá ser mantido foi o fato de a Aneel incluir na proposta de revisão tarifária da Light, prevista para ocorrer em março, um percentual relativo à cobrança pela remuneração às transmissoras de energia.