Cobrança irregular de encargo deve encarecer conta de luz

Cobrança irregular de encargo deve encarecer conta de luz

Valores incluídos na CDE e recursos usados na compra de combustível para térmicas podem elevar contas em 6%.

A conta de luz do consumidor de energia de todo o País poderá subir até 6% neste ano. As cobranças irregulares incluídas no orçamento da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um encargo cobrado mensalmente da população e das empresas para bancar custos de universalização de energia, subsidiar programas sociais do setor e financiar as indenizações das concessões elétricas, estão por trás desse aumento. A conta bilionária vai ser definida hoje, em audiência pública realizada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

O aumento expressivo decorrente de irregularidades, apurou o Estado, foi alertado pela Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace). Todo ano, a agência reguladora define um orçamento para CDE. Depois de analisar os custos incluídos no orçamento do encargo, a Abrace apontou que diversas cobranças indevidas foram realizadas entre 1998 e 2011. O caso mais notório diz respeito à  apropriação irregular, pela Eletrobrás, de pagamentos recolhidos para amortizar financiamentos concedidos para empresas da própria estatal, em condições mais vantajosas que aquelas praticadas pelo mercado.

Depois de analisar a queixa no ano passado, a Aneel concordou que a estatal deveria devolver R$ 2 bilhões ao fundo da CDE, por conta dessas irregularidades. Esse valor, no entanto, acabou não entrando no orçamento do encargo que a Eletrobrás enviou para a agência neste ano. Isso significa que o valor acumulado, que, com as devidas correções, já ultrapassa R$ 3,7 bilhões, turbinou o orçamento do fundo, o qual tem previsão de chegar a R$ 14 bilhões, em vez de ficar na casa dos R$ 10 bilhões.

Uma segunda conta avaliada em mais R$ 2 bilhões tinha que ter saído das cobranças previstas para este ano, mas também está na lista do orçamento de 2017 para ser cobrada do cidadão. Os cálculos da Abrace demonstraram
que, entre dezembro de 2010 e dezembro de 2015, a compra de combustível para abastecer usinas térmicas – a maior parte delas no Amazonas – teve um recolhimento de R$ 2 bilhões acima da própria capacidade de consumo dessas térmicas, ou seja, recolheu-se muito mais dinheiro que o necessário para pagar pela compra desse insumo. Para complicar a situação, o recurso foi usado, embora não haja clareza sobre em que foi gasto.

Somados, os dois rombos previstos no orçamento da CDE chegam a R$ 5,7 bilhões. Caso a Aneel confirme essas cobranças, esse valor terá impacto de até 6% na conta de luz, dado que, para cada R$ 1 bilhão de cobrança no setor elétrico, há repercussão média de 1% de aumento na conta de luz.

A eventual aprovação do orçamento com a inclusão desses dois problemas contraria decisões da própria Aneel em avaliações anteriores. No ano passado, a diretoria da agência chegou a emitir um despacho, no qual determinava que a Eletrobrás, então gestora da CDE – a partir deste ano, a gestão será feita pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) – devolvesse o valor de R$ 2 bilhões atrelados à apropriação indevida. No orçamento deste ano, porém, a agência não se opôs ao fato de a Eletrobrás ter apresentado uma tabela sem considerar o ajuste que a própria Aneel exigia.

Questionada sobre o assunto, a agência não fez comentários, limitando-se a afirmar que a audiência pública que define as cotas da CDE está pautada para apresentar seu resultado na reunião pública desta terça-feira. A Eletrobrás não se manifestou sobre o tema até o fechamento desta reportagem. A Abrace também não comentou.
PARA ENTENDER

O drama da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) tem origem nos esqueletos criados pelo tarifaço da
energia elétrica de 2012, quando o governo editou a fatídica Medida Provisória 579. Naquele ano, a presidente
Dilma Rousseff anunciou, em cadeia nacional, que as tarifas cairiam 20% em todo o Brasil, para estimular o desenvolvimento e a competitividade do País. Em janeiro de 2013, as tarifas realmente foram reduzidas em 20%, só que na marra.

Já se sabia, à época, que o custo real de geração era 93% superior ao que vinha sendo recolhido nas tarifas. Em outras palavras: não havia nenhuma possibilidade de suportar aquela redução.