A conta de luz virou um eletrocardiograma

A conta de luz virou um eletrocardiograma

Poderia ser a oscilação da Bolsa de Valores de São Paulo num dia de forte estresse no mercado financeiro ou o eletrocardiograma de um paciente em condição crítica, mas essa montanha russa de altos e baixos exibida acima é a variação da tarifa de energia desde 2012.
A comparação não é à toa: planejar os gastos com a conta de luz se tornou tarefa que exige nervos de aço de investidor combinados à paciência de um doente em período de convalescença.

Eternamente dependente do regime de chuvas, o setor elétrico ganhou um componente a mais de risco no fim de 2012, quando o governo decidiu forçar uma queda de 20% no preço da tarifa por meio da renovação antecipada de contratos das concessionárias, com a medida provisória (MP) 579. Nem todo mundo topou e ainda faltou combinar com São Pedro. No ano seguinte, a conta, de fato, caiu 15,66%, de acordo com dados do IBGE, mas o alívio foi temporário. Logo em seguida, os efeitos do aumento do consumo, que já ficou no passado, e de uma forte seca levaram a uma escalada de preços. Em 2015, a tarifa subiu 51%. Ano passado, diante da maior recessão da História do país, a conta caiu 10,66%.

Desde então, acompanhar o noticiário do setor se tornou tarefa que requer a dedicação de um aficionado. Dá para lembrar com nostalgia do tempo em que bastava encarar o banho frio ou dormir no calor para economizar no fim do mês. Ou que algum parente gritava que não era sócio da distribuidora ao mandar desligar a lâmpada da cozinha.

MODELO COMPLEXO

A própria conta já dá pistas do quanto o modelo do setor elétrico é complexo. Ao lado do valor total da tarifa, é possível conferir qual foi o montante desembolsado para gerar energia, transmitir, distribuir, além do total pago em encargos setoriais e impostos, como PIS, Cofins e ICMS.

À sopa de letrinhas foi adicionado um ingrediente a mais a partir de 2015, a bandeira tarifária. Agora, tal qual pedestre no sinal, o jeito é observar com atenção se estamos diante da bandeira verde, que nos autoriza a evoluir na avenida com segurança ou ao menos a usar o chuveiro elétrico sem culpa nem sobretaxa. Ou se é caso de repensar o estilo de vida diante da bandeira vermelha, sinal de cobrança de R$3 a R$ 3,50 a mais, de acordo com o nível de vermelhidão a cada 100 kWh consumidos. A proposta era justamente dar mais previsibilidade ao consumidor, de modo a compartilhar o aumento de custos na geração de energia. Bandeira vermelha é sinal de que foi necessário recorrer a usinas termelétricas, mais caras e, normalmente, mais poluentes.

Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), do Instituto de Economia da UFRJ, ressalta que a conta de luz é formada por uma série de custos, como o valor definido de acordo com a fonte de geração de energia, as linhas de transmissão, os gastos com distribuidoras, encargos e impostos.

– É como um supermercado, com produtos que sobem e descem. As tarifas hoje refletem o preço ao consumidor, variando todo mês. Não é como antes, que o consumidor tinha que esperar o ano seguinte. Então, você tem a bandeira, que é reflexo da pouca chuva.

Mas, ultimamente, previsibilidade passou longe do noticiário do setor. Não bastassem as preocupações com o consumo pessoal, o reajuste anual da distribuidora, a cor da bandeira do momento e o regime de chuvas, o consumidor passou a lidar com o imponderável, em alguns casos com toques de surrealismo: decisões judiciais, erros na cobrança de encargos e até energia gerada por usina que ainda não existe.

Em fevereiro, o carnaval nem tinha começado ainda, e o consumidor já descobria que teria de arcar com uma fatura de R$ 62,2 bilhões divididos em prestações até 2025 para indenizar as empresas transmissoras de energia. Na MP 579, ficou definido que as concessionárias que tivessem o vencimento do contrato antecipado teriam direito a uma compensação por investimentos não amortizados. A indenização, se não houver outros fatores que diminuam seu impacto, deve aumentar a conta de luz em 7,17% este ano. 

USINA QUE AINDA NÃO EXISTE

No mês seguinte, nem tudo estava perdido. Desta vez, o governo anunciou um desconto. O problema era o motivo: a cobrança indevida de um encargo pela geração de energia de Angra 3, usina nuclear que nem entrou em operação e ainda é alvo de investigações por corrupção no âmbito da Operação Lava-Jato. No ano passado, o consumidor pagou a mais pela energia de uma usina que ainda não existe e deve ser ressarcido em R$ 900 milhões.

Não foi a única surpresa. No mesmo mês, uma fiscalização da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) descobriu que o consumidor já pagou R$ 3,7 bilhões a mais nas contas entre 2009 e 2016 por causa de um erro na cobrança de subsídio para geração de energia na Região Norte do país.

Com previsão de pouca chuva e bandeira vermelha até dezembro, esse eletrocardiograma de tarifas promete indicar batimentos ainda mais erráticos até o fim do ano.