Criatividade para atender mercado livre

Criatividade para atender mercado livre

Geradoras buscam soluções novas para financiar empreendimentos sem contratos com distribuidoras

O crescimento da geração de energia voltada para o mercado livre – no qual o consumidor escolhe de quem comprar, tal qual fazem clientes de telefonia hoje – está forçando as empresas a buscar soluções criativas para o financiamento dos empreendimentos. Grandes grupos como Engie, Neoenergia, Enel e CPFL, cada um com uma estratégia diferente, tentam viabilizar os recursos necessário para os projetos, na ausência das “facilidades” dos contratos de longo prazo com distribuidoras.

Hoje, consumidores de menor demanda, como residenciais, só podem comprar energia das distribuidoras locais. O governo planeja reduzir gradualmente os limites para que todos possam escolher de quem comprar energia, como já é possível para empresas, indústrias e comércios de maior consumo de energia. Enquanto o mercado livre de energia cresce, a demanda das distribuidoras patina, acompanhando o ritmo lento de recuperação da economia, o que tem aumentado a procura de investidores por projetos de geração fora dos leilões regulados.

Historicamente, a expansão da matriz de geração de energia do país tem se dado por meio da contratação das distribuidoras por meio dos leilões regulados. O risco é pulverizado, pois são feitos contratos de longo prazo com várias contrapartes (as distribuidoras). O chamados PPAs (jargão em inglês para contratos de compra de energia) são dados em garantia na obtenção de financiamentos, operações de baixo risco e sem grandes obstáculos. O principal credor do setor ainda é o BNDES, mas operações como emissões de debêntures de infraestrutura têm ganhado cada vez mais espaço.

O aumento do protagonismo do mercado livre, contudo, tem forçado o desenvolvimento de novos instrumentos de financiamento. “Há dois anos, pouca gente falava em mercado livre como rota viável de crescimento no setor elétrico, e hoje é uma realidade. Temos tido muita procura de agentes interessados em analisar estruturas”, disse Daniel O’Czerny, responsável por financiamento de projetos de infraestrutura do Citi.

Sem os contratos de longo prazo dos leilões, investidores buscam alternativas. Grandes grupos como a CPFL, fazem contratos de longo prazo com a própria comercializadora do grupo, que é quem coloca essa energia no mercado. Assim, têm garantia para obtenção de financiamento. A franco-belga Engie, por sua vez, dá o próprio balanço como garantia do financiamento, o que é chamado no mercado de “corporate finance”. A prática se difere do “project finance”, na qual o fluxo de caixa que será gerado pelo próprio projeto garante a tomada de crédito.

Outras buscam contratos de longo prazo com contrapartes com maior qualidade de crédito, como é o caso da Echoenergia e a Casa dos Ventos, empresas de geração puramente renovável. Ambas já fizeram projetos para o mercado livre, por meio de contratos com grandes consumidores de energia, como a Vale ou a Braskem. “Isso envolve riscos adicionais para os financiadores, que fazem uma análise de risco das contrapartes”, disse Marcelo Girão, chefe da área de financiamento de projetos do Itaú BBA.

Enquanto alguns investidores conseguem fechar contratos longos com grandes consumidores que têm demanda suficiente para viabilizar a construção de um parque eólico, por exemplo, outros reúnem uma carteira de vários consumidores com boa qualidade de crédito. “Aqueles que se especializaram no desenvolvimento de projetos e tem expertise comprovada, mas que não são empresas integradas, como Voltalia e Casa dos Ventos, têm boa reputação e podem usar a estratégia de buscar PPAs com contrapartes de melhor qualidade”, disse Sandro Marcondes, diretor da área de mercado de dívida do Santander.

Nesses casos, há alguns obstáculos. O primeiro é que o universo de consumidores com demanda por energia e bom crédito é limitado. Se o rating de crédito da contraparte é inferior à faixa “A”, o custo do financiamento vai subir, para compensar o risco, o que encare o projeto. “Com a gradual abertura do mercado livre, vai ser mais comuns contrapartes fora do rating ‘AAA’ e portfólios pulverizados com vários clientes”, disse Girão.

A modulação dos contratos é outro desafio. A expansão do mercado livre tem sido feita, principalmente, por meio de projetos de energia renovável, que oferecem às empresas a possibilidade de ter um “selo” de sustentabilidade. As fontes eólica e solar, contudo, têm como característica a variabilidade na geração, o que dificulta que sejam aderentes à curva da demanda.

Empresas integradas, com um portfólio grande de geração de energia de várias fontes, conseguem mitigar o problema, montando uma curva estável de geração pela composição de vários empreendimentos. Geradores renováveis e independentes, como a Voltalia, podem assumir o risco e prometer a entrega estável de energia, negociando contratos de fornecimento com comercializadoras, ou podem vender pela curva da geração com um desconto no preço.

“Se eu fosse o cliente, eu não pediria para uma eólica ou solar gerar energia em 100% do tempo. Eu compraria pela curva da geração e faria minha própria carteira, levando o benefício do preço”, disse Robert Klein, presidente da Voltalia no Brasil. A empresa desenvolve projetos de geração eólica e solar para os mercados livre e regulado.

O prazo mais curto dos contratos no mercado livre também pode complicar o financiamento. “Para o financiador fica complicado, pois não é possível enxergar o fluxo de recebíveis. Eles não gostam da insegurança se haverá ou não a compra da energia por um prazo maior”, disse Miriam Signor, advogada especialista em Infraestrutura e Energia do Stocche Forbes Advogados.

Nesse caso, uma alternativa para o investidor é alavancar um percentual menor do projeto e postegar para o fim do contrato o pagamento de dividendos aos acionistas, explicou Marcondes, do Santander. “Mas também estão sendo desenvolvidos fundos de infraestrutura mais especializados, que aceitam contratos de menor prazo no início, que possam ser renovados depois”, disse.